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Cena da série 'O Paraíso e a Serpente' Divulgação

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Elisabeth Vincentelli
The New York Times

Sim, Charles Sobhraj e Marie-Andrée Leclerc eram psicopatas perigosos. Na década de 1970, o sedutor francês assassinou uma série de mochileiros hippies na Tailândia e Nepal, enquanto sua cúmplice franco-canadense ajudava a atrair potenciais vítimas para seu covil.

Mas o casal também tinha um sex appeal singular —que os ajudava a atrair suas vítimas. A odisseia dos dois na vida real é tema de uma série produzida pela Netflix e BBC, chamada “O Paraíso e a Serpente”, na qual eles são interpretados por Tahar Rahim e Jenna Coleman, que os retratam como pessoas glamorosas, mas apavorantemente amorais.

Charles e Marie-Andrée contrastam fortemente com Herman Knippenberg (Billy Howle), o íntegro diplomata holandês que os persegue. Boa parte da atração do show está no clima sexy e decadente dos anos 1970.

“Ainda que estivéssemos contando uma história de crime real, eu jamais senti que precisasse fazê-lo em estilo de documentário”, diz o produtor executivo Tom Shankland, também diretor dos quatro primeiros episódios da série. (Ele comandou a minissérie “Les Miserables”, de 2019.)

OS FILMES DE NICOLAS ROEQ

“Creio que existem momentos em que você quer abandonar as regras rígidas de tempo e espaço e criar uma terceira coisa, uma espécie de vórtice estranho e desorientador que conduz a algo terrível”, diz Shankland.

Um dos especialistas nesse tipo de filme cerebral e distorcido é um dos cineastas prediletos de Shankland, Nicolas Roeg. “Nos filmes dele, nunca é só o roteiro, nunca é só a atuação, mas sim o estranho efeito da edição, as escolhas interessantes de tomadas que ele faz”, diz o produtor.

“Amo a maneira pela qual a localização e textura de um lugar se tornam ou uma metáfora visual, ou um caminho para evocar um subtexto emocional."

A influência de Roeg também pode ser sentida na narrativa não linear de “O Paraíso e a Serpente”, que passa por saltos temporais constantes. “Eu amo a maneira pela qual ele montou a linha do tempo em ‘Inverno de Sangue em Veneza’ e a edição ligeiramente descontrolada de ‘Bad Timing’”, acrescenta Shankland.

“Tenho certeza de que algumas dessas coisas estavam em minha cabeça quando estávamos gravando e editando sequências, como as dos homicídios brutais no vale de Katmandu, para o episódio quatro."

“QUANDO OS HOMENS SÃO HOMENS”

Embora Shankland tenha mencionado “More” (1969), filme de Barbet Schroeder sobre um casal que despenca no inferno das drogas em Ibiza, uma influência ainda maior sobre a série foi “Quando os Homens São Homens” (1971), de Robert Altman.

“Amo a maneira pela qual a câmera dele sempre se interessa por outros detalhes que não a trama: a paisagem nevada, o casaco de pele maravilhoso que Warren Beatty usa, os figurantes conversando sobre fazer a barba, o cara dançando no gelo”, diz Shankland.

A série até faz referência direta a uma cena do filme: “Warren Beatty está sentado a uma mesa no saloon, preparando o baralho para jogar”, afirma Shankland.

“A câmera se aproxima um pouco mais dele em zoom, e ele abre um sorriso devastador olhando diretamente para a lente. Acho que repeti exatamente a mesma tomada em uma cena na qual Tahar está vendendo joias, no episódio dois —o glamour tosco de Charles Sobhraj, o sorriso estreito e charmoso da cobra antes de atacar."

"CARLOS"

O retrato cinematográfico do diretor francês Olivier Assayas sobre o terrorista Carlos, o Chacal, da década de 1970, também deixou uma impressão duradoura em Shankland. “Sempre amei o design discreto, com aquela cara autêntica dos anos 1970, de ‘Carlos’”, ele diz, acrescentando que queria que sua série tivesse precisão visual semelhante.

“Era preciso que ela tivesse os pés no chão quanto à aparência de cada espaço, que cara tinha um apartamento, que cara tinha uma rua —e ‘Carlos’ tem um design muito lindo desse ponto de vista."

Para delícia de Shankland, o designer de produção de “Carlos”, François-Renaud Labarthe, se integrou à equipe de “O Paraíso e a Serpente”. “Quando tivemos de parar a rodagem por causa da Covid, tivemos a sorte de encontrar esse meticuloso designer francês que foi capaz de recriar pedaços de Karachi e pedaços de Paris em um lugarejo chamado Tring, na vizinhança de Londres”, diz Shankland.

BRIGITTE BARDOT, JACQUELINE BISSET E DOMINIQUE SANDA

Para Coleman, cujos figurinos parecem ter desenvolvido um culto próprio, Shankland se inspirou no estilo de atrizes famosas da década de 1970 como Brigitte Bardot, Jacqueline Bisset e Dominique Sanda. “Existe algo de Pigmalião na jornada de Marie-Andrée, de garota de província em Quebec a rainha da casa de Kanit’”, ele diz, se referindo ao complexo de apartamentos em que o casal vivia em Bancoc.

“Seus sonhos de menina rural sobre a sofisticação parisiense me fizeram pensar na Bardot da década de 1970 —existe uma velha foto dela em uma cadeira pavão, com muito jeito de ‘Emmanuelle’, mas ela parece realmente forte, como uma rainha."

Para muitas das cenas em que Marie-Andrée aparece fumando, atraente e enigmática, Shankland tomou como inspiração um filme de Bernardo Bertolucci lançado em 1970, mas que se passa na década de 1930 e no começo da década de 1940. "Eu muitas vezes me inspirava no trabalho de Dominique Sanda em ‘O Conformista’”, diz Shankland, "aquelas tomadas em que ela vai à porta e parece tão cool com o cigarro na boca".

"TOMORROW NEVER KNOWS", DOS BEATLES

Shankland explica que uma montagem que justapõe os assassinos curtindo suas vilanias e Knippenberg tentando convencer a polícia a investigá-los, no quarto episódio, foi rodada e editada ao som de “Jump Into the Fire”, de Harry Nilsson.

"Eu estava desesperado para obter os direitos da canção e apostei que as pessoas que controlam o dinheiro se apaixonariam pela cena", ele diz.

Embora a música "esteja no DNA da série", nas palavras de Shankland, uma canção que não faz parte da trilha teve presença forte durante toda a produção: "Tomorrow Never Knows", dos Beatles, lançada em 1966.

“Ouvi essa canção praticamente diariamente, por um ano e meio”, ele diz. "Há alguma coisa sobre a interação entre a instrumentação indiana e a música pop ocidental que era perfeita para aquele fenômeno de garotos ocidentais indo para a Ásia, acreditando que as respostas estavam lá. Também é uma daquelas canções que às vezes nos levam a uma viagem boa e as vezes a uma bad trip, mas você precisa se render a ela."

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci.

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