Designer de 'Lovecraft Country' conta como criou visual exuberante da série da HBO
'Foi a jornada mais incrível que fiz como designer', diz Kalina Ivanov
'Foi a jornada mais incrível que fiz como designer', diz Kalina Ivanov
Além do roteiro cheio de analogias e reviravoltas, a série "Lovecraft Country" –cuja primeira temporada se encerra neste domingo (18)– chama a atenção pelo visual exuberante. Com uma história que começa nos Estados Unidos dos anos 1950, mistura elementos sobrenaturais e tem saltos no tempo, a produção foi um desafio para a designer de produção Kalina Ivanov.
Vencedora do Emmy pelo telefilme "Grey Gardens" (HBO, 2009), ela conta ao F5, em entrevista por videoconferência, como chegou ao conceito do que apareceria na tela. "Fomos muito específicos com relação ao ano que escolhemos, que foi 1955, porque nos episódios 8 e 9 aparecem eventos históricos que ocorreram nesse ano."
O visual da parte, digamos, realista da série foi inspirado em imagens do fotógrafo de moda afro-americano Gordon Parks (1912-2006), que também registrou o cotidiano dos negros norte-americanos no período pesquisado por ela. "Foi um grande trampolim para nós", diz.
Já a parte sobrenatural da história rendeu uma pesquisa separada. "Tive que adotar uma abordagem múltipla porque cada episódio tem seu próprio estilo e seu próprio monstro, sempre vindos de diferentes realidades", avalia. "Comecei especificamente a partir da ficção científica dos anos 1950, porque é realmente maravilhosa, tanto em material gráfico, nas HQs e no cinema. Quis manter um pouco daquela quase ingenuidade e então torná-la espetacular, olhando de um ponto de vista moderno."
Ivanov afirma que teve total liberdade da criadora da série, Misha Green, para desenvolver um conceito que fosse visualmente instigante para ela. "Ela me permitiu voar, permitiu mandar a minha imaginação para quaisquer lugares que eu achasse apropriado para os personagens", diz a designer, animada.
Green, aliás, recebeu diversos elogios. "Ela permite que todo o resto da equipe tenha muito espaço para criar", afirma. "Ela começa dizendo para a gente surpreendê-la e depois chega nos detalhes."
Para exemplificar, ela conta que no episódio 4 a cripta de Titus seria acessada por um alçapão no chão do museu. Em vez disso, Ivanov sugeriu que isso ocorresse por uma estátua que aparece em cena porque no capítulo anterior já havia uma cena em que os personagens desciam para um porão por um alçapão.
"Ela [Misha] ficou muito agradecida e trabalhamos juntos em como isso iria funcionar no roteiro", diz. "É essa liberdade que ela dá aos artistas. Claro que se ela não gostar da ideia, nós seguimos em frente e fazemos outra coisa. Mas ela dá muita liberdade para cada um de nós, do fotógrafo ao figurinista e à direção de arte, para realmente trazemos nossas próprias ideias."
Para ela, inclusive, esse foi um dos segredos para o sucesso da série. "Transparece na tela quando você dá espaço aos artistas, quando você capacita seus artistas e impulsiona seus colaboradores. Porque é uma arte que precisa ser muito colaborativa para que possamos obter esse resultado."
Ivanov afirma que recebeu quase todos os roteiros, além dos esboços do que ocorreria nos dois últimos episódios da temporada, logo que foi contratada, no final de 2018. Desse modo, pode pensar em tudo o que queria colocar na tela. O que foi fundamental. "Estamos falando literalmente sobre um projeto de 600 páginas", diz. "É como se eu tivesse trabalhando para quatro filmes ao mesmo tempo."
Como a HBO queria que a série fosse rodada em Atlanta, ela viajou cons tantemente para lá para procurar locações. Já de cara teve o desafio de encontrar um imóvel para servir como a imponente Adham Lodge, onde os protagonistas vivem diversas aventuras.
"Estava procurando especificamente por um estilo Tudor porque meu conceito era combinar Henrique 8º com um barão americano da borracha", explicou. "Queria combinar esses dois homens arquetípicos que eram bastante cruéis naquela época. E cruéis especificamente com as mulheres."
Como não encontrou nenhuma casa que fosse do tamanho adequado, teve que improvisar. "Acabamos indo uma hora de distância de Atlanta para encontrar uma casa menor no estilo Tudor que pertencia a um cara que costumava negociar com algodão. O que é bem apropriado para a história deste projeto, porque adivinha quem pegava o algodão?", diz, aos risos.
"Adorei e mostrei para a Misha", diz. "Fiz o projeto em preto e branco, no qual eu acrescentei o domo. Tudo aquilo é efeito visual. Todo o segundo e terceiro andares e o domo foram feitos através de efeitos."
Do que se vê na casa, apenas a entrada e o começo da escada são reais. "Todo o resto era cenário", revela Ivanov. Além disso, o nível de detalhes que ela exigia de sua equipe é surpreendente para quem não está familiarizado com a área. Ela diz que fez uma apresentação com mais de 90 páginas falando apenas do conceito visual da série para a HBO aprovar.
"Disse que queria que fizéssemos algo muito bonito e ameaçador ao mesmo tempo", exemplifica. "Pensem na casa como num shoggoth [um dos monstros da série] que vai mostrar os dentes. Então quando você olha para o corredor tem detalhes nos arcos que literalmente parecem dentes."
Vinda do universo do teatro, o que ela considera uma vantagem por ter tido que fazer cenários para peças de diversos estilos, Ivanov diz que foi uma oportunidade única poder trabalhar com tantos universos diferentes em um único trabalho. "Não é nem só que cada capítulo é um mundo diferente, mas no episódio 7 você passa por todos esses mundos em apenas um episódio. Foi a jornada mais incrível que fiz como designer."
Neste episódio, uma "máquina do tempo" leva os personagens a experimentarem uma viagem de 200 anos no futuro, passam por Paris dos anos 1930 para dançar com Josephine Baker e assistem a uma batalha tribal em um reino africano, entre outros eventos. "Quer dizer, eu era como uma criança em uma loja de doces, não conseguia parar de sonhar e acho que mantive o maior sorriso no rosto durante uns 14 meses de trabalho", resumiu. "Foi uma alegria."
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