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Elisabeth Moss diz que filmes de terror podem oferecer alívio em períodos de ansiedade

Recém-lançado nos cinemas, 'O Homem Invisível' vai para streaming

A atriz Elisabeth Moss no lançamento do filme 'O Homem Invisível' em Los Angeles

A atriz Elisabeth Moss no lançamento do filme 'O Homem Invisível' em Los Angeles Mario Anzuoni/Reuters

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Nova York

Quando chegou aos cinemas, menos de um mês atrás, “O Homem Invisível” parecia destinado ao sucesso, com uma reviravolta tópica importante. Essa adaptação moderna do romance de ficção científica de H.G. Wells conta a história de uma mulher da região de San Francisco, interpretada por Elisabeth Moss, cujo ex-namorado abusivo (Oliver Jackson Cohen) aparentemente cometeu suicídio e deixou uma grande herança para ela.

Mas quando ela tenta superar o passado, não consegue convencer os outros de que seu ex, agora invisível, talvez continue a persegui-la. Moss, premiada com o Emmy pela série “The Handmaid's Tale”, recebeu muitos elogios por seu desempenho em “O Homem Invisível” (escrito e dirigido por Leigh Whannell, de “Jogos Mortais” e “Sobrenatural).

O filme já tinha acumulado US$ 122 milhões (R$ 640 milhões) nas bilheterias mundiais quando os cinemas fecharam as portas por conta da pandemia do novo coronavírus. Agora, “O Homem Invisível” é um dos poucos filmes novos que a Universal Pictures decidiu lançar por meio de serviços on demand, abandonando uma longa tradição do setor.

Em entrevista, Moss disse que apoiava o experimento e tinha a esperança de que isso ajudasse “O Homem Invisível” a chegar a mais espectadores. “Estamos todos diante de territórios novos. Era uma decisão inevitável. E também acho que foi uma decisão corajosa”, disse a atriz.

Ela acrescentou que “se conseguirmos oferecer duas horas de fuga para as pessoas presas em casa, e se elas conseguirem esquecer as coisas por um segundo, será ótimo”. Moss falou sobre os temas de “O Homem Invisível”, suas percepções sobre a natureza do abuso e sobre a maneira pela qual os filmes de terror podem oferecer alívio em períodos de ansiedade.

Abaixo, trechos editados da conversa.

Os filmes de terror eram parte de sua cultura quando você era pequena?
Sempre fui fã de filmes de terror. Desde que tinha 11 ou 12 anos, eu me reunia com minhas amigas da escola de balé, e dormíamos umas nas casas das outras, para assistir a filmes de terror. Era nosso ato subversivo.

Já que você estudava balé, tenho de perguntar: você chegou a assistir “Suspiria – A Dança do Medo”?
Não, a gente não era assim, cabeça. Assistíamos mais a coisas como “A Hora do Pesadelo”.

Como é que você foi convidada para fazer “O Homem Invisível”?
Estava fazendo a temporada três [de “O Conto da Aia”], e tinha rodado ”Nós”, e tão logo li o roteiro percebi que aquilo era totalmente minha praia. Uma convergência de um filme de gênero repaginado e de um trabalho emocional sobre uma personagem. Essa é o jeito que Jordan Peele tem de abordar o gênero: algo que na superfície é puro entretenimento, um filme pipoca, mas ao mesmo tempo tem uma mensagem mais profunda. Pensei comigo mesma que entendia por que eles achavam que o papel era ideal para mim.

Quando as pessoas pensam no seu nome para uma personagem que vai sofrer emocional e fisicamente, você entende como um cumprimento?
Com certeza. Quando leio roteiros assim, fico lisonjeada por as pessoas acreditarem que sou capaz de passar por todos aqueles obstáculos emocionais.

Você acha que a perspectiva feminista costuma estar ausente, nos filmes de terror?
Há filmes que tinham mulheres nos papéis centrais, especialmente trabalhos recentes como “A Caixa de Pássaros” e “Um Lugar Silencioso”. Mas há filmes das décadas de 1970 e 1980 nos quais isso já acontecia, como em “O Iluminado” e “O Exorcista”. Eram filmes que tratavam de mais do que mostravam na superfície.
Foi ideia de Leigh Whannell tratar “O Homem Invisível” dessa maneira, contar a história da perspectiva da vítima e fazer disso uma analogia para as mulheres que não são ouvidas, paras mulheres em cujas histórias as pessoas não acreditam –mulheres a quem dizem que são loucas, ou emotivas demais, quando acreditam que algo lhes aconteceu. É um paralelo incrivelmente óbvio e incrivelmente relevante.

Como você aborda cenas em que contracena com ninguém mas precisa acreditar que há uma pessoa lá?
Muito do meu trabalho envolve imaginação –criar algo que não está lá ou apagar algumas das coisas que estão. Não é um salto tão grande quanto você poderia imaginar. Para a grande cena de luta que fiz, e para alguns dos momentos em que eu tinha de fazer contato com o Homem Invisível, eu trabalhei ou com Ollie (Cohen) ou com um dublê. Teria sido impossível fazer aquelas lutas sem a outra pessoa lá. Mas apesar disso, a briga em que Aldis [Hodge, um de seus colegas de elenco] é surrado pelo Homem Invisível no corredor, ele a fez sozinho. É uma das maiores realizações físicas de um ator que já vi na vida. Ele está em excelente forma. Eu nunca teria sido capaz daquilo.

Quando mergulha nos temas de um filme, emerge do processo como uma pessoa mudada?
Por conta dos papéis que interpretei, sempre estou muito ciente do patriarcado e das mulheres que passam por situações abusivas ou que passam por servidão sexual. O abuso mental e emocional é uma coisa muito mais difícil de quantificar. É muito mais difícil que as pessoas acreditem que ele acontece, é muito mais difícil que seja tratado com empatia. Tendemos a pensar que, se uma mulher não está feliz, se ela está sofrendo abusos, por que não sai fora? Leigh e eu conversamos muito sobre querer mostrar que uma mulher que sofre abusos não é fraca, não é estúpida. Há mulheres fortes e inteligentes no mundo que terminam em posições das quais é muito difícil sair, e a culpa não é delas.

Como você se sente sobre o filme ter sido lançado tão rápido nos serviços online?
Eu honestamente tinha a esperança de que eles liberassem o acesso para as pessoas em casa mais rápido do que haviam planejado. Foi uma decisão incomum. Mas, ao mesmo tempo, o momento que vivemos é incomum. Isso vai se repetir com outros filmes? Não faço ideia. É uma decisão que cabe a pessoas muito mais inteligentes do que eu. Mas para esta semana, creio que foi uma boa ideia.

Há uma cena específica do filme –não vou falar sobre ela para não estragar a surpresa– que chocou completamente os espectadores, no cinema. Vai funcionar da mesma forma para quem assistir em casa e não puder ouvir a reação de choque dos demais espectadores?
Acho que é uma experiência diferente. Vi muitos filmes de terror em casa, e fiquei apavorada mesmo assim. É claro que ver alguma coisa no cinema, na presença de outros espectadores, é muito singular. Creio que exista uma experiência que você pode ter em casa e que será tão apavorante e significativa, mesmo que seja diferente. De fato, se você estiver sozinho em casa, essa provavelmente será a maneira mais assustadora de assistir ao filme. Recomendo apagar as luzes e aumentar o volume ao máximo.

Você alguma conexão entre as personagens que interpretou recentemente, entre as quais Becky Something, a roqueira de “Her Smell”?
Eu realmente adoro levar personagens ao extremo. E encontrar novas maneiras de fazê-lo se torna mais e mais desafiador. Você tem de se perguntar o que pode fazer de diferente, agora. Para mim, isso não envolve interpretar sempre a mocinha. O que eu amei em Becky foi a oportunidade de interpretar alguém que não é um ser humano admirável, e que, honestamente, era péssima, na maior parte do tempo. [Risos]

Muitos espectadores descobriram você como Peggy, em “Mad Men”, uma personagem muito mais contida. Foi difícil? Foi um papel que lhe permitiu exercitar todo seu alcance?
“Mad Men” era uma história bem mais lenta do que “O Homem Invisível” ou “O Conto da Aia”, mas Peggy mudou muito, da primeira até a sétima temporada. A cada temporada, quando voltávamos, eu sentia que ela era alguém diferente. Trabalhar dentro das limitações de uma personagem também é um desafio, interpretar alguém que não pode se expressar ou vive sob o patriarcado, ou em um ambiente de trabalho extremamente sexista, e ter de navegar essa situação –é uma experiência muito humana e tocante, também.
Parte da coisa é que me desenvolvi muito como atriz ao longo dos anos, além disso. Não sei se teria conseguido fazer “O Conto da Aia” aos 23 anos, que foi quando comecei “Mad Men”. Trabalhar com Jane Campion [na série] “Top of the Lake”, que eu rodei nos intervalos entre as temporadas de “Mad Men:, também foi uma experiência incrível. Porque eu não estava ciente sobre os recursos que eu tinha, quando fui para a Nova Zelândia para a primeira temporada. Eu sabia que era capaz de fazer bem as três cenas da audição. Quando chegou a hora de “O Conto da Aia”, que fiz em um momento em que achava que não voltaria tão rápido a fazer uma série de TV, aprendi que ainda existiam coisas novas que eu podia fazer.

The New York Times

Com tradução de Paulo Migliacci

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