Cinema e Séries

Sansa após 'Game of Thrones': Sophie Turner vai para outro gigante da cultura pop, a Marvel

'Comecei a me perguntar quem eu era, sem a série', diz atriz

A atriz Sophie Turner

A atriz Sophie Turner Valerie Chiang/New York Times

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Jeremy Egner
Nova York

Depois de anos de tragédias, reviravoltas e cataclismos, Winterfell agora está segura e a caminho da recuperação, sob o comando da competente Sansa Stark, a nova rainha do Norte. Em uma tarde ensolarada de primavera, a atriz que interpretou a rainha estava contemplando o seu novo reino.

De um hotel na ponta sul de Manhattan, Sophie Turner contemplava o porto cintilante e mais adiante a ilha Ellis e a Estátua da Liberdade, marcos desgastados mas que ainda retêm seu poder de deslumbrar, especialmente nos primeiros momentos de uma lua de mel com Nova York.

Turner se mudou de Londres para Nova York no ano passado, realizando um velho sonho de viver na cidade. Nem tão velho, porque ela só tem 23 anos, mas um sonho é um sonho. Ela estava vivendo com o astro pop Joe Jonas.

No momento da entrevista, em março, Jonas era apenas seu noivo. "Game of Thrones" (HBO) ainda não tinha estreado sua controversa temporada final, e "Fênix Negra", o filme dos X-Men que ela protagoniza enquanto estrelas mais estabelecidas como Jennifer Lawrence e James McAvoy, descansam um pouco, ainda estava distante o bastante da estreia para que parecesse quase irreal.

"Eu ainda me sinto meio desconectada", ela disse. Mas as coisas acontecem rápido quando você tem 23 anos, e ainda mais rápido quando está saltando de uma das maiores franquias da cultura pop para uma segunda.

Nas semanas posteriores, ela se casaria com Jonas em Las Vegas, participaria do Met Gala, posaria para a revista Vogue fazendo uma sessão de ioga com cabras, posaria para a Harpers Bazaar com um unicórnio e discorreria sobre o infame copo de café de "Game of Thrones" no "The Tonight Show" –tudo isso sem deixar de alimentar a loucura incendiária de Daenerys Targaryen, em seu papel como Sansa na série da HBO.

Em 7 de junho, estreia "Fênix Negra", no qual ela e o personagem que interpreta, Jean Grey, deixam seus casulos confortáveis para determinar se são capazes de fazer mais do que imaginam. Para Turner isso significa deixar para trás "Game of Thrones", seu lar pela maior parte dos dez últimos anos, e descobrir se seu acervo de superpoderes basta para que ela carregue sozinha um filme da Marvel.

Turner admite que a perspectiva é aterrorizante. Quando Simon Kinberg, roteirista e diretor de "Fênix Negra", mencionou pela primeira vez até que ponto o filme dependeria do desempenho dela, disse Turner, "eu c* nas calças ali mesmo". Mas o lado bom de crescer como parte de um fenômeno imensamente mágico e violento como "Game of Thrones" é que isso a deixou preparada para mais ou menos qualquer coisa, em termos de show business.

Cabras e unicórnios são café pequeno, comparados a dragões e exércitos de zumbis. Produções em escala de super-herói são assunto conhecido. "Game of Thrones", com certeza, foi a franquia que definiu a cultura pop nos últimos dez anos. (Nada de "Vingadores".)

Mas para uma menina que cresceu em uma minúscula aldeia inglesa (Chesterton, cerca de 104 quilômetros a noroeste de Londres), e começou na série aos 13 anos, o esquema protegido da produção servia de refúgio, em um mundo que estava se tornando mais complicado por causa da fama e da exposição que acompanham o trabalho em uma série televisiva de sucesso.

O elenco ficou arrasado emocionalmente, quando a produção estava chegando ao fim. Todo o mundo chorava sem parar; os maquiadores tinham ódio de nós". Depois  do fim das gravações, Turner sentiu uma pontada de terror existencial. "Comecei a me perguntar quem eu era, sem a série", ela disse. "O que fazer? De que gostar? Eu não tinha identidade".

FUTURO PROMISSOR

O que é compreensível. Mas a verdade é que Turner está posicionada para se tornar a maior estrela a emergir de "Game of Thrones", uma celebridade jovem e carismática cuja fama e oportunidades só se expandirão agora que ela não está mais envolvida em filmagens da série sete meses por ano.

Em um momento no qual a cultura pop é definida por universos, ela é parte de dois dos maiores –três, se incluirmos o dos irmãos Jonas. (O vídeo de "Sucker", que ela estrelou com a banda e com sua cunhada igualmente glamorosa, Priyanka Chopra, foi assistido mais de 130 milhões de vezes, quase quatro vezes mais que um episódio médio de "Game of Thrones"). Mas ela ainda não está acostumada a tudo isso. "Odeio ser eu mesma em público", ela disse. "Preferiria ser uma personagem".

Ela é conhecida por "trollar" os paparazzi, e é possível vislumbrar um pouco de sua personalidade nas fotos que a mostram com Joe Jonas, fazendo caretas, ou apontando sua câmera para os fotógrafos,  um jeito brincalhão e irônico, combinado a um instinto de autoproteção que ainda assim não a leva a ignorar os fotógrafos e seguir em frente.

Em pessoa, ela é divertida e tranquila, e franca sobre seus momentos de depressão e sentimentos de inferioridade. "No estúdio, me sinto muito bem", ela disse. "Sou muito feliz. Mas depois, mais tarde... aí a ansiedade ataca".

É difícil conciliar essa ideia com a atriz longilínea que vejo sentada diante de mim, confortavelmente acomodada e dando goles casuais em uma garrafa de chá verde. No seu braço, uma tatuagem do lobo dos Stark e uma linha de diálogo da série, "a alcateia sobrevive", estão visíveis.
 

Mas é essa combinação de confiança fácil e vulnerabilidade que tornou crível a trajetória de Sansa ao longo de oito temporadas, de neófita ingênua a líder capacitada. E foi exatamente essa qualidade que levou Kinberg a procurá-la para o papel de Jean Grey, uma heroína de emoções delicadas e com mais poder do que ela sabe como usar. "Ela é aquela pessoa de 1,80 metro de altura e de aparência extraordinária, mas ao mesmo parece tão insegura e frágil quanto os demais de nós", disse o diretor sobre a atriz

O período posterior à conclusão das filmagens de "Game of Thrones" foi "um momento de cura para mim", disse Turner, e ela tentou aproveitá-lo fazendo o mínimo possível. Quando conversamos, a pausa estava chegando ao fim, e ela estava tão curiosa quanto o público para saber como os meses seguintes transcorreriam, ainda que admitisse que era angustiante ter um lançamento de filme marcado para tão pouco tempo depois do final da série, tendo em vista o escrutínio que as duas coisas –e ela– receberiam.

Desde o domingo passado, a primeira metade da equação está resolvida e... bem, digamos que as críticas são contraditórias. Menos no caso de Turner, cuja Sansa foi um dos pontos altos nos últimos episódios. Já o final da série como um todo, não foi tão bem recebido.

Na maioria das manhãs de segunda-feira, o Twitter parecia uma catarata de declarações de ódio a #GameofThrones, e mais de um milhão de pessoas assinaram uma petição, simbólica, pedindo que a temporada final fosse refilmada. "As pessoas sempre têm uma ideia em suas cabeças de como querem que um programa acabe, e quando as coisas não são como gostariam, começam a falar sobre isso, a se rebelar", ela disse em conversa pelo telefone, um dia depois da exibição do episódio final.

(Ela mesma não tinha visto o episódio, "porque eu estava sozinha quando passou, e não consigo assistir à série sozinha".)Ela acrescentou que "todas essas petições e coisas assim... acho um desrespeito para com a equipe, os roteiristas, a produção, que tralharam sem descanso por dez anos e passaram 11 meses filmando a última temporada".

Mas diferentemente de muitas das pessoas associadas à série, Turner teve de lidar com o escárnio dos fãs desde o começo. No início da série, as pessoas odiavam Sansa –em geral sem motivo, porque a personagem era propositadamente fascinada com os temas comuns das obras de fantasia medieval que a série queria destruir. "Algumas pessoas não entenderam que ela era uma atriz brilhante, talvez porque a personagem fizesse coisas de que elas não gostavam", escreveram D.B. Weiss e David Benioff, os criadores da série, em um email conjunto. 

Mas "nós sabíamos que, quando a personagem dela começasse a evoluir, e quando Sophie pudesse mostrar seu talento, as pessoas passariam a ver as duas pelo que são". E isso aconteceu, de fato. Com o passar dos anos, Sansa se tornou um avatar dos melhores e dos piores impulsos da série. A menina um dia imatura e cheia de sonhos românticos de ser rainha terminou por chegar lá ao se tornar astuta e forte, uma das diversas mulheres nuançadas e excepcionalmente capazes em uma história na qual a maioria dos homens provou ser estúpida.

A personagem também passou por muito sofrimento, a ponto de que, depois de Sansa ser estuprada em sua noite de núpcias, na temporada cinco, Turner se ver lançada a uma controvérsia nacional sobre o uso de violência sexual na série. E agora, na temporada final, os roteiristas parecem ter tido a ousadia de criar um diálogo em que Sansa afirma que o abuso é que a ensinou a ser forte.

"Não creio que fosse essa a intenção", ela disse. "O ponto era que ela se tornou forte apesar de todas as coisas horríveis que enfrentou, e não por causa delas". Mas não importa que problemas enfrentasse nas telas, disse Turner, eles muitas vezes eram mais fáceis do que a experiência de crescer em público.

Ela é uma mulher bonita, sob qualquer que seja o critério adotado. Mas, não muito tempo atrás, também era uma menina de 16 anos que se via bombardeada constantemente por imagens suas, em um momento no qual sua imagem era a última coisa que buscava ver. Ela recorreu muitas vezes à ajuda de sua irmã nas telas, Maisie Williams (Arya Stark), a única outra menina do planeta que compreendia o que era crescer como parte de "Game of Thrones".

"Ir para casa no final do dia, naqueles dias em que me sentia gorda, ou sentia que meu rosto estava esquisito, ou se eu tinha grandes espinhas.... poder voltar para o quarto do hotel, e ficar sentada lá chorando com Maisie... Era a melhor coisa para nós", disse Turner. "Fico feliz por não termos chorado sozinhas". 

Para piorar as coisas, as hordas da mídia social a dissecavam constantemente –punindo Turner pelos supostos pecados de Sansa–, e ela se sentia inexperiente como atriz, como de fato era. "Como qualquer pessoa que tenha visto a temporada um sabe, eu era uma atriz muito ruim", ela disse, com uma sinceridade que chega a ser dolorosa, se você pensar nela como uma adolescente que, não muito diferente de Sansa, estava em um país desconhecido, enfiada em um espartilho e sentindo estar fazendo um péssimo trabalho.

No estúdio, ela era conhecida por um profissionalismo descomplicado que parecia maduro demais para sua idade. Mas ela sofreu momentos de ansiedade e depressão, que aprendeu administrar com a ajuda de terapia. Também se reconfortava pensando em Sansa, mesmo que a menina estivesse sendo submetida a uma série cada vez mais barroca de horrores, Turner se sentia mais confortável na pele da personagem do que na sua.

Agora ela diz admirar Sansa, especialmente a maneira pela qual ela aprendeu a reordenar as coisas e prosperar em situações difíceis. De certa forma, Turner fez o mesmo. Arremessada a uma situação complicadíssima, ela observou e aprendeu. Turner aprendeu a atuar observando Peter Dinklage e Lena Headey, ela diz, especialmente seu naturalismo e a maneira pela qual dominavam uma sala ao entrar.

Mas por mais autocrítica que ela seja, o talento de Turner era aparente desde o começo. Dinklage, que contracenou com ela em diversas cenas no papel de Tyrion Lannister, especialmente alguns dos melhores momentos da temporada final, disse que Turner tem "uma bela placidez como atriz, que é incrivelmente rara"."Desde o começo, quando era muito jovem, ela teve muita disciplina", ele afirmou em uma mensagem de email. "Eu a via cantando e dançando, brincando de estar em um número musical, mas no instante em que a câmera estava pronta, ela conseguia mergulhar em suas emoções sem perder um segundo. Isso é um dom."

Turner causou lágrimas a Kinberg em seu teste para "X-Men: Apocalipse", em 2016, no qual Jean Grey era um personagem coadjuvante.Mas em "Fênix Negra", ela é a peça central da história. O filme mais ou menos segue a linha de "X-Men: O Confronto Final", de 2006, a conclusão, não muito boa, da primeira geração de filmes dos X-Men. Kinberg, também roteirista daquele trabalho, admite hoje que, ainda que o filme fosse tecnicamente a história de Jean Grey, interpretada no caso por Famke Janssen, ela passava a maior parte do tempo "sendo salva pelos manos".

"Fênix Negra" é diferente, e no geral gira em torno de a fenomenalmente poderosa Jean Grey rejeitar o espaço restrito a que Charles Xavier (McAvoy) a confinou, e confiar em seus poderes, sob a ajuda de uma mentora alienígena interpretada por Jessica Chastain. Se você imagina que essa trama dá a "Fênix Negra" um subtexto feminista, está enganado: o feminismo é todo o texto. (O filme deveria se chamar 'X-Women", diz Mystique, a personagem de Lawrence, em dado momento.) 

Os paralelos com o mundo real são inconfundíveis, tanto em termos da narrativa cultural mais ampla sobre a rejeição pelas mulheres dos limites sociais que lhes são impostos, quanto com a história pessoal de Turner. Chastain se impressionou com a postura da atriz quando elas se conheceram, antes das filmagens. Mas também sentiu a incerteza de uma atriz em transição para uma fase mais vistosa de sua carreira. "Ela parecia estar tentando definir o que estava autorizada a fazer e a dizer, e quem ela estava autorizada a ser", disse Chastain. "Para mim foi muito empolgante ver Soph compreendendo que tudo que está acontecendo com ela é fruto de seu trabalho. Foi ela que criou tudo isso".

Para Turner, sua trajetória não difere da de qualquer jovem adulto que começa a ocupar seu espaço no  mundo. "A impressão é de que 'Game of Thrones' foi a escola de segundo grau, e X-Men é a universidade", ela disse.

A alcateia de "Game of Thrones" se espalhou aos quatro ventos e, por isso, Turner criou uma nova alcateia com Jonas, com quem se casou no começo do mês, em uma cerimônia realizada de surpresa em Las Vegas. (Eles estavam noivos desde 2017.)

A cerimônia foi oficiada por um imitador de Elvis. Diplo postou imagens em vídeo no Instagram. "Ele me inspira muito", disse Turner sobre Jonas. "Ele passou pelo final de sua banda, que envolvia seus irmãos e as coisas foram muito difíceis. O fato de ele ter uma vida familiar maravilhosa e um relacionamento maravilhoso com os irmãos e ser um cara muito centrado e normal, é algo que me espanta". 

A banda dos Jonas voltará a excursionar na metade do ano, e juntos os casais formam um grupo extraordinariamente talentoso e atraente de jovens, fazendo coisas de jovens - esqui na Suíça, beber drinques sobre os corpos de estudantes embriagados da Universidade Estadual da Pensilvânia. Mas Turner nada vê de extraordinário nisso. "Para nós, parece normal", ela diz.

​Turner insiste em que os paparazzi seguem Jonas. "Eu só estou com ele", ela disse, o que é evidentemente ridículo. Mas a consequência é que agora, mesmo em Nova York, ela continua a ser confrontada por sua imagem muito mais vezes do que gostaria.

"A mídia social é um lixo", ela disse. Sim, é terrível, eu respondo. Como você e Joe se conheceram, aliás? "Pelo Instagram", ela responde, rindo muito e genuinamente diante da ironia e, talvez, quanto ao que isso sugere sobre a natureza interconectada da fama jovem e do consumo em múltiplas plataformas."Tá bom, não é tão horrível", ela admite.

The New York Times
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