Cinema e Séries

Continuação de 'Karatê Kid', 'Cobra Kai' ganha segunda temporada no YouTube

Personagens retornam mais velhos, mas ainda afetados por suas lutas

William Zabka e Ralph Macchio em Cobra Kai (2018)
William Zabka e Ralph Macchio em Cobra Kai (2018), série exibida no YouTube dá continuidade a "Karatê Kid" - Reprodução
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Quando "Cobra Kai" estreou, no ano passado, parecia uma piada passageira: uma série no YouTube que acompanhava a trajetória posterior dos personagens do clássico cafona de 1984, "Karatê Kid - A Hora da Verdade".

Mas a série teve impacto emocional profundo, ao mostrar como o duelo que serve de culminação ao filme, entre o azarão Daniel LaRusso (Ralph Macchio) e o valentão Johnny Lawrence (William Zabka), do "dojo" militarista que dá nome à nova série, continua a influenciar suas vidas e até mesmo as vidas de seus filhos, décadas mais tarde.

A primeira temporada, com dez episódios, entusiasmou os críticos, e obteve uma rara avaliação positiva de 100% no site Rotten Tomatoes. O tom de seriedade adotado parecia ainda mais surpreendente dado o retrospecto de seus criadores, todos egressos do segmento de comédias grosseiras. John Huwitz e Hayden Schlossberg respondem pelos filmes da série "Harold e Kumar", e Josh Heald roteirizou "A Ressaca" e sua continuação.

Hurwitz, Schlossberg e Heald conversaram com o The New York Times. Abaixo, excertos editados da conversa.

Por que vocês decidiram retomar Karatê Kid?
Hurwitz: Nós três somos amigos há mais de 20 anos. Éramos muito fãs de Karatê Kid, e isso era algo que nos unia. Apresentamos uma ideia [à Overbrook Entertainment, detentora dos direitos sobre a série], e eles aprovaram imediatamente. Conversamos com William Zabka e o convencemos, e aí só restava convencer Ralph Macchio. A ideia nunca foi que a série fosse uma comédia escancarada. Sempre a imaginamos com um lado dramático, e queríamos dar a Johnny o mesmo tratamento que a série "Better Call Saul" adota.
 
O que vocês fizeram para aprofundar um personagem unidimensional como Johnny? E por que optaram por torná-lo um sujeito em crise, pai divorciado, enquanto Daniel está casado, é feliz e faz sucesso como dono de uma concessionária de automóveis?
Heald: Adoramos a ideia de que essa velha rivalidade de caratê, dos tempos do segundo grau, tivesse levado dois adultos a lugares tão diferentes. A comédia vem da frustração, arrependimento e vingança, que influencia a geração seguinte. Posicionamos Johnny como uma relíquia, como alguém parado no tempo e que não se dá bem com a geração milênio.
 
Vocês estudaram os filmes originais antes de começar a escrever a série?
Schlossberg: Éramos tão fãs dos três filmes originais que nem precisávamos - mas o fizemos mesmo assim. O objetivo nunca é fazer uma referência consciente aos filmes quando escrevemos. É escrever os personagens como eles são hoje. Os filmes são o passado, e mostrar imagens dos filmes originais é uma maneira orgânica de mostrar um momento de arrependimento de um personagem. Mas não se trata de nostalgia por nostalgia.
 
Vocês escreveram a série primordialmente para os fãs de "Karatê Kid"?
Heald: Sempre escrevemos com verdadeiro respeito, apreciação e reverência pela fonte, e sabemos que existem muitos grandes fãs de "Karatê Kid" por aí, e que eles se envolvem com a história. Mas também queríamos escrever para uma audiência maior, que não sabe bem o que aconteceu na parte 3 de "Karatê Kid".
 
Qual é a reação dos fãs?
Hurwitz: Todos nós ouvimos muitas histórias sobre pais que assistem à série em companhia dos filhos, o que para nós é novidade, já que viemos do mundo do humor pesado. Criamos um ponto de entrada para que uma nova geração veja os filmes originais.
 
Vocês tentam deliberadamente balancear as histórias de Daniel e Johnny e as de seus filhos?
Hurwitz: Não encaramos a coisa de um jeito binário. São histórias que se entrelaçam por meio daquela rivalidade inicial entre Johnny e Daniel. Mas ainda assim era fundamental para nós criar uma nova geração de personagens pelos quais uma audiência se apaixone, da mesma maneira que nos apaixonamos por Daniel e Johnny na época.
 
Macchio e Zabka são coprodutores executivos da série. Qual é a influência deles sobre a criação?
Heald: Ficamos muito gratos por contar com eles, porque são tão ligados a esses personagens. A cada dia de suas vidas, quanto eles andam pela rua, alguém grita linhas do diálogo do filme para eles. Foi um processo delicado, entrar nesse relacionamento. Eles não falam com os roteiristas todo dia, mas discutimos bastante.
 
Por que vocês esperaram até o final da primeira temporada para trazer de volta o temível John Kreese (Martin Kove)?
Heald: Não queríamos colocar tudo na mesa e dizer, "opa, vamos usar todo mundo". Adotamos uma abordagem calculada quanto a se e quando certos personagens retornam. Conversamos com Martin antes da temporada e ele teve de fazer o trabalho mais difícil que já realizou -guardar o segredo por nove meses. Nós dissemos que "quando você chegar, teremos um verdadeiro momento de mudança na forma da série".

Alguma chance de vermos outros dos personagens antigos, como Ali, a namorada de Daniel no primeiro filme, interpretada por Elizabeth Shue?
Heald: Sempre há esperança de que algum personagem dos filmes volte à série. Amamos todos os atores dos filmes. Temos muitos planos para o longo prazo sobre como e quando certos personagens podem aparecer, mas não podemos comentar ainda.
 
O bullying mudou, da década de 1980 para cá. Como vocês estão lidando com isso?
Schlossberg: De algumas maneiras, o bullying continua a ser igual, e de outras é muito pior, porque agora existe a mídia social. O que queríamos fazer na série é ter momentos que atraiam as audiências jovens mas que também resistam ao teste do tempo. Nossa abordagem não é só mostrar que bullying é horrível, mas mostrar garotos tentando fazer algo a respeito. Nunca se trata apenas de força física, mas de força interior.
 
Mas há cenas de briga em cada episódio. Vocês se preocupam com a possibilidade de glorificar a violência, entre os alunos de segundo grau?
Hurwitz: Parte de nossa abordagem quanto às cenas de luta é mostrar também as consequências. Não temos uma cena de luta e depois deixamos o assunto de lado sem mostrar os efeitos mais duradouros. Exploramos os resultados dessas brigas - o impacto físico e emocional. As lutas não acontecem no vácuo. São parte de uma história maior.
 
A série traz música muito boa dos anos 80. A trilha sonora é muito importante?
Hurwitz: A música sempre foi parte importante das produções "Karatê Kid", a começar com a partitura original de Bill Conti, tão memorável. Mas o som meio vinil também é divertido porque mostra que Johnny continua empacado nos anos 80.
Heald: 90% das canções da primeira temporada foram mencionadas no roteiro. Nós realmente levamos a sério as gemas musicais da série. Tivemos a sorte de conseguir licenças para quase todas as canções que pedimos, com um par de exceções clamorosas, porque os direitos eram caros demais.
 
Vocês podem mencionar um exemplo?
Heald: As bandas emblemáticas, pelas quais você precisa pagar caro para ter, os Guns'N'Roses e Metallicas do planeta.
 
O REO Speedwagon sai mais em conta, portanto?
Heald: Não é barato, na verdade, mas é preciso encontrar um meio-termo.

Quantas temporadas vocês imaginam que a série dure?
Schlossberg: Temos um fim em mente para a história que estamos contando. Em termos de quantas temporadas, mapeamos alguns anos.
Hurwitz: Não temos um número certo, mas podemos dizer: menos anos que "Os Simpsons".
 
 

The New York Times

Tradução de Paulo Migliacci

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