Carnaval 2024: dez sambas-enredo que merecem sua atenção nos desfiles do Rio e de SP
Festas começam nesta sexta-feira (9); Fafá de Belém, Adriano Imperador e o caju serviram de inspiração para escolas das duas cidades; veja outros
Base do desfile de uma escola de samba, o samba-enredo vai muito além do canto e da melodia. Os jurados avaliam, principalmente, a letra. E um bom assunto —aliado a bons compositores, claro— invariavelmente acaba levando uma música a cair na boca do povo, além de trazer a tão disputada nota dez no Carnaval.
No Rio de Janeiro, um samba parece já sair na frente no quesito "gosto popular". "Pede caju que dou… Pé de caju que dá", da Mocidade Independente de Padre Miguel, fez um sucesso de forma pré-datada: assinada pelo ator Marcelo Adnet e pelo veterano Paulinho Mocidade, entre outros compositores, foi a mais ouvida na cidade no réveillon, de acordo com dados do Spotify.
Tiaraju Pablo D’Andrea, sociólogo e pesquisador da história do samba, destaca a leveza e as pitadas de erotismo e malícia da letra. Um dos trechos é "Eu quero um lote saboroso e carnudo / Desses que tem conteúdo, o pecado é devorar / É que esse mote beira antropofagia / Desce a glote, poesia / Pede caju que dá!.". Refrões fáceis, letra com duplo sentido... D'Andrea diz que a Mocidade vem de dois desfiles ruins e agora tem tudo para virar o jogo.
"O tema caju é surpreendente, remonta à brasilidade. Faz parte da história da Mocidade retratar o tropicalismo. O samba é muito leve e popular", afirma o professor, que também elogia a homenagem que a Mangueira fará a Alcione, a Marrom. Para D’Andrea, o enredo é "forte e valente".
"[A Mangueira] é uma escola de samba que tem uma mulher negra na presidência, a Alcione é da Mangueira, então é uma questão articulada de homenagear a força interna", afirma. Para ele, a verde e rosa pode emocionar ao contar em seu desfile a história de vida da artista, "que veio do Maranhão e ganhou o Brasil com seu talento."
A primeira noite de desfiles nos grupos especiais começa no Sambódromo do Anhembi, na zona norte de São Paulo. Duas escolas da cidade vão homenagear pessoas vivas. A Império de Casa Verde tem Fafá de Belém como tema, com o enredo "a cabocla mística em rituais da floresta". Já a Camisa Verde e Branco abre a avenida às 23h15 exaltando o ex-jogador Adriano Imperador.
Tadeu Kaçula, sociólogo e diretor da Universidade Afro-Brasileira, considera as homenagens mais do que merecidas, além de bem executadas. "É interessante como a Camisa traça um paralelo entre o orixá Oxóssi, padroeiro da escola e guerreiro, com a trajetória de ascensão profissional do Adriano e o coloca como Imperador na escola do rei."
O professor chama atenção também para o enredo da Rosas de Ouro, sobre os 70 anos do parque Ibirapuera, em São Paulo. "A escola é sempre muito atenta e o assunto é muito importante, uma referência cultural e cartão postal da cidade."
Já a Vai-Vai, para ele, foi inovadora ao colocar na avenida um enredo sobre o hip-hop, símbolo de resistência da população preta e periférica. Segundo Kaçula, a escola traz uma nova maneira de mostrar a importância do movimento. "O enredo é de um vanguardismo admirável quando traz para a avenida Racionais MCs. É um samba pulsante e de fácil assimilação."
Entre as escolas de samba que têm conexão com torcidas organizadas de futebol, ele destaca a Independente Tricolor, do São Paulo. Seu enredo entrelaça a história das mulheres negras Agojie às mulheres contemporâneas. Segundo o sociólogo, o "samba é muito alegre e com boa construção melódica", além de bastante qualidade pela forma como conta uma história.
"É bonita a abordagem desde a diáspora africana até a contemporaneidade, muitas coisas continuam conectadas na atualidade. É um cenário importante para debruçar o debate sobre a cultura africana".
Campeã de 2023, a Imperatriz Leopoldinense é uma das favoritas ao título deste ano, na opinião de Tiaraju Pablo D’Andrea. A escola vai apostar suas fichas na cultura cigana para conquistar o bicampeonato. O carnavalesco Leandro Vieira vai contar na Sapucaí a história do testamento deixado por uma cigana, conhecida como Esmeralda.
"Brinca com a estética nordestina e ao mesmo tempo popular e cigana, que está no imaginário popular brasileiro. São muitas possibilidades estéticas, fora que o samba é uma delícia".
Já a Portela faz uma releitura do livro "Um Defeito de Cor", de Ana Maria Gonçalves. Falará na Sapucaí sobre uma mãe africana que vai em busca do filho, vendido como escravo. O professor explica que, subliminarmente, os personagens foram inspirados em Luísa Mahin e Luis Gama, e define a letra como "a mais poética" entre todas.
O enredo é uma releitura desse livro, em que Gama escreve cartas para a mãe e agradece pelos aprendizados, entre lutas e o orgulho de ser negro. "É emotiva, um samba que toca a sensibilidade nesse recontar de um filho que homenageia a mãe e que negros e negras puderam ser livres por meio de muitas lutas no Brasil."
A Grande Rio, por sua vez, tem a onça como assunto de seu desfile. Não só ela. Em "Nosso destino é ser onça", estão presentes mitos indígenas e simbologias do felino em diferentes lendas e rituais, com a antropofagia se fazendo presente.
"É uma referência ao Brasil que se alimenta de culturas externas e soma com as heranças indígena e africana e devolve uma terceira coisa. O samba é muito bom, poético e denso, com aliterações e muitas palavras em línguas indígenas. É um samba para ser cantado com vontade", acredita.
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