Por que 2024 foi o ano em que as estrelas sáficas dominaram a cultura pop
Celebração do lesbianismo tem florescido na música, no cinema e nas redes sociais
Quando Chappell Roan aceitou seu prêmio de melhor artista revelação no MTV Video Music Awards, em setembro, ela tinha uma mensagem para "todas as crianças queer no Meio-Oeste assistindo agora". "Eu vejo vocês, eu entendo vocês porque sou uma de vocês, e nunca deixem ninguém dizer que vocês não podem ser exatamente quem querem ser", disse ela, canalizando Joana d'Arc em um conjunto de cota de malha.
Menos de dois meses depois, no Saturday Night Live, Roan, que teve um ano meteórico, estreou sua canção country lésbica "The Giver", sobre como apenas mulheres sabem realmente como dar prazer a outras mulheres.
Não muito tempo atrás, tais proclamações de uma das maiores estrelas pop do momento teriam sido culturalmente impactantes. Mas, neste ano, mesmo com questões LGBTQ+ desempenhando um papel de segmentação na eleição dos EUA, a ascensão de Roan apenas acelerou.
A jovem de 26 anos é apenas uma de uma série de estrelas lésbicas e com inclinações sáficas que dominaram a cultura pop neste ano, tornando sua atração por mulheres central em seu trabalho e suas personas. Elas não priorizam ou atendem ao público masculino, e muitas vezes os ignoram completamente, encontrando grande sucesso mesmo assim.
O QUE MUDOU
A aceitação generalizada de uma estrela como Roan é uma mudança sísmica em relação à cultura de apenas uma ou duas gerações atrás. Naquela época, mesmo as lésbicas mais proeminentes —Melissa Etheridge, k.d. lang, Ellen DeGeneres, Rosie O'Donnell, Wanda Sykes e Indigo Girls— ainda eram, apesar de sua fama mainstream, geralmente relegadas a esferas de comédia e música do tipo adulto contemporâneo, sua imagem de alguma forma tingida de assexualidade apesar de sua franqueza.
A representação da sexualidade entre mulheres na cultura pop mainstream era quase sempre fabricada para excitar os homens: quando Madonna beijou Britney Spears e Christina Aguilera no MTV Video Music Awards de 2003, ou as acrobacias problemáticas na outrora onipresente franquia "Girls Gone Wild". Mesmo a canção de estreia de Katy Perry em 2008 sobre bi-curiosidade, "I Kissed a Girl", era em grande parte voltada para os homens.
Para algumas lésbicas da época que eram famosas, havia a preocupação de que a franqueza as rotulasse e limitasse suas opções de carreira, medos que muitas vezes levavam ao silêncio ou a segredos conhecidos por todos.
Jodie Foster falou publicamente sobre sua orientação pela primeira vez em uma declaração não planejada durante seu discurso no Globo de Ouro de 2013, quando recebeu um prêmio por pelo conjunto de sua obra.
"Eu simplesmente tenho uma súbita vontade de dizer algo que nunca realmente pude expor em público", disse Foster, então com 50 anos. "Eu já saí do armário há cerca de mil anos, lá na Idade da Pedra, naqueles dias muito pitorescos em que uma jovem frágil se abria para amigos e familiares de confiança, colegas de trabalho e, então, gradualmente, orgulhosamente, para todos que a conheciam", continuou ela. "Mas agora, aparentemente, me dizem, toda celebridade deve honrar os detalhes de sua vida privada com uma coletiva de imprensa, uma fragrância e um reality show em horário nobre."
Queen Latifah também se recusou a abordar especulações semelhantes por anos. "Você não tem essa parte de mim", disse ela ao New York Times em 2008. "Eu não sinto que preciso compartilhar minha vida pessoal, e não me importo se as pessoas acham que sou gay ou não."
Mas no BET Awards de 2021, durante seu discurso por um prêmio pelo conjunto da obra, ela chamou publicamente sua parceira, Eboni Nichols, de "meu amor" e terminou o discurso com "Feliz Orgulho!".
A igualdade no casamento se tornando lei nos EUA em 2015 também mudou a mentalidade pública, assim como as contribuições de artistas como DeGeneres, cujo talk show diurno ganhou mais de 60 Emmys durante sua exibição de 2003 a 2022. E Lady Gaga, em seu sucesso "Born This Way", proclamou em palcos nacionais, incluindo no show do intervalo do Super Bowl de 2017: "Não importa se gay, hétero ou bi, lésbica, transgênero, estamos no caminho certo, baby, nascemos para sobreviver".
ALTO E CLARO
Agora, uma nova classe de artistas populares —incluindo Roan, Billie Eilish, Kristen Stewart, Reneé Rapp, Janelle Monáe, Kehlani, Jojo Siwa, King Princess, Hayley Kiyoko, e os membros de Boygenius e Muna— estão impulsionando esse fenômeno. Elas falam de forma franca, direta, até mesmo explícita sobre sua atração por mulheres em suas letras e em entrevistas. E oferecem visuais para inspirar, seja em filmes, videoclipes ou online.
Um dos ingressos de shows mais procurados neste outono foi o do festival All Things Go, que muitos chamaram de "Coachella lésbica" ou "Lesbopalooza". Os participantes levantaram cartazes caseiros com mensagens como "Paraíso Lésbico" e "Tudo Gay".
E enquanto muitas das que estão movendo o ponteiro se identificam como bissexuais, pansexuais ou simplesmente queer (assim como não-binárias, transgênero ou de gênero fluido), também houve uma explosão de estrelas se identificando como lésbicas, um termo que teve uma jornada tumultuada, incluindo cair em desuso nos últimos anos.
Em uma entrevista de junho para a revista online Them, Rapp, que se apresentou no All Things Go ao lado de sua namorada, Towa Bird, disse: "'Lésbica' não era uma boa palavra para eu ouvir quando criança e, agora, é algo com o qual tenho uma conexão emocional tão próxima".
Stewart —a estrela de "Crepúsculo" que se tornou indicada ao Oscar e estrelou o neo-noir lésbico deste ano "Love Lies Bleeding: O Amor Sangra"— apareceu na capa de março da Rolling Stone usando um suspensório. Para a sessão de fotos que acompanhou seu perfil, ela usou camisetas que diziam "Orgulho", "Me Coma" e "Animal". "Eu quero fazer a coisa mais gay que você já viu na sua vida", disse ela na entrevista.
E quando Seth Meyers chamou Stewart, de 34 anos, de "ícone lésbico" durante um segmento de março em seu programa noturno, ela respondeu: "Isso mesmo."
Eilish, que neste ano, aos 22 anos, se tornou a pessoa mais jovem a ganhar dois Oscars, fez uma entrevista igualmente franca com a Rolling Stone alguns meses depois de Stewart. "Eu estive apaixonada por garotas durante toda a minha vida", disse Eilish, acrescentando que seu desejo de ser fisicamente íntima com mulheres foi uma realização recente.
Embora ela não tenha reivindicado nenhuma orientação sexual específica, Eilish expressa esse desejo em "Lunch" —o single principal de seu último álbum de sucesso— cujas letras brincalhonas estão cheias de anseios do mesmo sexo.
Da mesma forma, as letras e videoclipes de Monáe, como para "Pynk" e "Water Slide", são representações alegres do prazer e conexão sexual sáfica.
OUTROS ECOSSISTEMAS FLORESCENDO
Costumava-se considerar que o entretenimento e as comunidades online focadas na cultura lésbica eram nichos, mas agora estão em expansão, especialmente nos domínios da TV de realidade, redes sociais, comédia stand-up e podcasting.
O reality show Ultimatum: Queer Love, da Netflix, foi extremamente popular, com algumas de suas estrelas acumulando seguidores significativos online. Está programado para retornar para uma segunda temporada em 2025. E, em uma reviravolta divertida, alguns ex-participantes da longa franquia Bachelor da ABC, incluindo a ex-Bachelorette Gabby Windey e a concorrente Becca Tilley, agora estão fora do armário e abertas sobre suas experiências e suas vidas amorosas online e em podcasts.
Windey está namorando a comediante Robby Hoffman, enquanto Tilley está em um relacionamento com a cantora pop e atriz Kiyoko, iluminando outro fenômeno: relacionamentos de celebridades sáficas que são compartilhados online e celebrados.
Esses casais surgem em todos os cantos da música, teatro, televisão, reality shows, comédia e esportes —substituindo uma época em que DeGeneres e sua esposa, a atriz Portia de Rossi, eram talvez o único casal famoso que a maioria das pessoas poderia nomear.
Hoje, há Niecy Nash-Betts e Jessica Betts; Lily-Rose Depp e 070 Shake; Ariana DeBose e Sue Makkoo; Chrishell Stause e G Flip; Ashlyn Harris e Sophia Bush; Glennon Doyle e Abby Wambach. A lista não para aí.
E o trio de Mae Martin, Tig Notaro e Fortune Feimster, todas comediantes de stand-up e atrizes, têm um podcast de sucesso, "Handsome", que recentemente alcançou 25 milhões de downloads e foi adquirido pela rede de podcasts Headgum. É apenas um dos vários podcasts amados ancorados por apresentadores lésbicas e queer.
Neste mês, Feimster, de 44 anos, lançou seu terceiro especial de stand-up na Netflix, "Crushing It", no qual discute as provações, tribulações e alegrias do casamento e da vida como lésbica. Em uma entrevista recente para a Them, ela falou sobre a importância de estar fora do armário e o arco da mudança.
"Quero estar lá para ser essa representação que eu não tive quando estava crescendo", disse Feimster. "Eu não conhecia uma única pessoa gay que estivesse fora do armário quando estava crescendo no Sul."
"Eu volto agora e há pessoas gays com seus parceiros, e é uma coisa muito mais prevalente", continuou ela. "Que longo caminho percorremos nesse tempo."
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