Após se desiludir com a indústria da música, Lily Allen se reinventa como atriz de teatro
Dona do hit 'Smile' está em cartaz com peça em Londres e aguarda convites para cinema e TV
Lily Allen não sabia por que havia concordado em ser entrevistada para este texto. Numa manhã recente, sentada em um café de Londres, a cantora britânica disse que havia parado antes para um momento de reflexão. "Perguntei: ‘Por que estou fazendo isso?’. Eu me pergunto por que me coloco nessas situações e me deixo aberta a críticas."
Ela disse que a resposta talvez seja narcisismo ou sua resignação às imposições feitas a quem vive sob o olhar público. "Essa tem sido minha vida desde que eu tinha uns 18 anos", disse.
Desde que Allen apareceu no cenário da música pop em meados da década de 2000 com faixas infundidas de reggae como "Smile", sua relação com a imprensa tem sido tensa. Em suas letras, em entrevistas e nas redes sociais, Allen sempre falou o que pensa, sem medir as palavras. Durante anos ela foi presença constante nos tabloides britânicos. Em 2009, ela obteve uma ordem judicial proibindo que paparazzi a seguissem em Londres.
"Não é uma sensação muito agradável", ela falou a respeito desse tipo de atenção. "Especialmente quando você ainda tem 20 e poucos anos e está tentando entender seu lugar no mundo."
Hoje Lily Allen vive em Nova York, onde passa em grande medida despercebida. Ela voltou a Londres porque deixou a música para trás, pelo menos por enquanto, e em vez disso está investindo em ser atriz.
Ela está no momento fazendo o papel principal em um revival no West End londrino da peça "The Pillowman" (2003), de Martin McDonagh, autor e roteirista de "Os Banshees de Inisherin". A peça ficará em cartaz até 2 de setembro no Duke of York’s Theater.
Falando dessa transição profissional, ela comentou: "Ainda mexo com a experiência humana, mas não preciso me expor tanto" quanto em suas canções, muitas delas altamente pessoais.
A mãe de Lily Allen é produtora de cinema e seu pai é ator, mas quando era adolescente ela se rendeu à atração da música. Aos 19 anos, em 2005, ela assinou contrato com o selo Regal/Parlophone e formou uma base de seguidores no MySpace, uma plataforma de mídia social então emergente. Segundo Michael Cragg, autor de um livro recente sobre a música pop britânica, o cenário musical da época "estava meio que atolado no ‘The X Factor’ e nos programas de talentos na TV". O consenso, segundo ele, "era que a música pop precisava de uma injeção de ânimo novo".
Usando vestidos de festa, grandes bijuterias douradas e tênis, Lily Allen era um tipo novo de pop star britânica. Em seu sotaque londrino, ela cantava suas próprias letras, divertidas e provocantes, falando de relacionamentos confusos, sexo e repulsa por si mesma. "Uma mulher jovem cantando e apresentando-se dessa maneira era muito empolgante", disse Cragg.
Os dois primeiros álbuns de Allen –"Alright, Still" e "It’s Not Me, It’s You"—foram sucessos comerciais e de crítica, mas a criação e divulgação do terceiro, "Sheezus", em 2014, foi mais complicada. Em entrevistas, Lilly Allen falou de ter passado por uma crise de identidade na época, tentando ser pop star ao mesmo tempo criar suas filhas pequenas.
Em 2018, seu lançamento seguinte, "No Shame" –um álbum discreto em que ela falou de seu divórcio e sentimentos de isolamento— foi indicado para o Prêmio Mercury, mas desde então Allen ficou desiludida com a indústria musical, ela disse. "É tão competitiva, é tão baseada no dinheiro, no sucesso e nos números digitais. Não estou interessada em fazer nada disso."
Mais ou menos na mesma época ela mudou seu relacionamento com o álcool e as drogas. "O período entre meus 18 anos e uns quatro ou cinco anos atrás é confuso na minha cabeça, porque eu estava literalmente drogada ou bêbada o tempo todo", ela disse. "Estava usando a fama também, e ela própria é uma dependência: você fica viciada na atenção, nos paparazzi e no caos."
Seu aniversário de quatro anos de sobriedade coincidiu com a data de nossa entrevista, e parecia que o caos se acalmara. Três anos atrás Allen se casou com David Harbour, 48 anos, ator de "Stranger Things". Ela disse que sua vida em Nova York com ele e suas duas filhas de seu casamento anterior "é bastante tranquila".
Assim, quando ela foi procurada para atuar na peça "2:22 A Ghost Story", no West End, sua primeira reação foi dizer: "Não, eu não sou atriz e moro em Nova York, portanto agradeço, mas não". Mas Harbour a convenceu a aceitar o convite, e o trabalho valeu a Allen uma indicação aos prêmios Olivier, o equivalente britânico aos Tony.
Em "The Pillowman" ela faz o papel de Katurian, escritora que vive em um Estado totalitário que é interrogada sobre uma série de assassinatos de crianças que lembram às autoridades de suas histórias fictícias. Como boa parte da obra de McDonagh, a peça é tão sombria quanto cômica.
Allen disse que enxergou uma ligação entre o "humor negro e doentio" de McDonagh e as letras que ela costumava escrever. Nos ensaios, contou, "eu dizia coisas que normalmente deixariam as pessoas chocadas". "Então olhava para Martin e ele estava sorrindo."
É a primeira vez que o papel de Katurian é representado por uma mulher, e a escolha de Lily Allen para o papel confere um peso diferente às cenas em que Katurian é interrogada, quando ela é verbal e fisicamente agredida por dois detetives.
"A peça trata da brutalidade patriarcal", comentou o diretor da produção, Matthew Dunster. "Falei para Martin: ‘O público vai ter muita dificuldade em assistir a isso –essa mulher frágil sendo tratada com tanta brutalidade logo no início da peça’, e Martin respondeu: ‘Não é justamente disso que se trata?'."
Dunster também dirigiu Allen em isso "2:22 A Ghost Story" e disse que a viu crescer como atriz. "Foi empolgante para mim observá-la assumindo o controle de seu próprio processo", ele disse.
Quando a temporada de "The Pillowman" se encerrar, Lily Allen pretende retornar a Nova York. Disse que sua prioridade será acompanhar a entrada de suas filhas no ensino médio, mas que também se candidatou a cursos de atuação.
Ela disse que um dia espera conseguir papéis principais no cinema e televisão. Mas por enquanto está se deixando aberta "a quaisquer oportunidades que possam aparecer".
Tradução de Clara Allain
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