'Godfather of Harlem' mescla crime e luta por direitos civis em painel complexo
Ambientada na década de 1960, série estreia nesta sexta (19) no Fox Premium 1
Os protestos antirracistas que se espalharam pelo mundo reacenderam o interesse pela história do racismo, da escravidão e da luta dos negros por seus direitos. Diversos filmes e programas de TV tentam capitalizar a atenção do público pelo assunto. Até mesmo a novela “Novo Mundo”, que está sendo reprisada pela Globo, vem dando destaque em suas chamadas à personagem Diara (Sheron Menezzes), uma negra alforriada que luta pela abolição da escravatura.
É neste contexto que a série “Godfather of Harlem” estreia no Brasil nesta sexta (19), às 22h15, no canal Fox Premium 1. A palavra “godfather” quer dizer “padrinho” em inglês, mas, desde que foi usada pelo escritor americano Mario Puzo no título de seu mais famoso romance – mais tarde adaptado para as telas como “O Poderoso Chefão” (1972), de Francis F. Coppola – tornou-se sinônimo de líder mafioso.
Só que “Godfather of Harlem” vai muito além da máfia. Para começar, a ação se passa quase toda no bairro nova-iorquino do Harlem: uma região ao norte da ilha de Manhattan que, desde o começo do século 20, tornou-se um dos epicentros da cultura negra dos Estados Unidos. O recorte no tempo também é importante: o início da década de 1960, quando eclodiu no país o movimento pelos direitos civis, capitaneado por figuras como Martin Luther King e Malcolm X.
Malcolm X é um personagem importante em “Godfather of Harlem”. Interpretado pelo ator Nigél Thatch (que já havia feito o mesmo papel no filme “Selma”, de Ava DuVernay), o ativista se alia ao gângster Bumpy Johnson (Forest Whitaker, Oscar de melhor ator por “O Último Rei da Escócia”) para “limpar” o Harlem do tráfico de drogas. O simples fato de Malcolm X ter laços com o crime organizado acrescenta uma camada a mais de complexidade à sua já controversa persona, conhecida por ter se convertido ao Islã e por não descartar a violência como ferramenta política.
Mas é Bumpy o protagonista da série, que tem o próprio Forest Whitaker como um de seus produtores executivos. A história deslancha em 1963, quando ele retorna ao Harlem depois de 11 anos na prisão de Alcatraz, em São Francisco, do outro lado dos EUA. O bairro, é claro, não é mais o mesmo: em sua ausência, foi dominado pela “família” mafiosa Genovese, de origem italiana, que tem a venda de heroína como um de seus principais negócios.
A heroína derrubou Elise (Antoinette Crowe-Legacy), a filha de Bumpy, viciada desde os 12 anos de idade. Para recuperá-la, o chefão conta com a ajuda de Malcolm X, que mantém um centro de reabilitação de drogados. Mas Mayme (Ilfenesh Hadera), a jovem mulher de Bumpy, criou como se fosse sua a filha de Elise, e não quer por perto a mãe biológica da garota.
Outro personagem de destaque é Adam Clayton Powell Jr. (Giancarlo Esposito, o Gustavo Fring de “Breaking Bad”), o primeiro negro a representar a cidade de Nova York no Congresso americano, em cargo equivalente ao de deputado federal no Brasil. Pastor batista e ativista pelos direitos civis, nem por isto ele deixa de se juntar a Bumpy Johnson contra a máfia italiana.
Mas ninguém tem tantas contradições quanto o próprio Bumpy. O tráfico de heroína atingiu em cheio sua própria família, e ele percebe com clareza o mal que a droga vem causando em sua comunidade. Ao mesmo tempo, quer tomar para si o controle da venda do tóxico, para aumentar ainda mais seu poder e influência.
Tantas tramas paralelas e ramificações políticas fazem com que “Godfather of Harlem” não seja exatamente um passatempo escapista. Também vai se decepcionar quem espera um retrato idealizado e perfeitinho de vultos fundamentais do movimento pelos direitos civis.
Mas, com atuações soberbas, esmerada reconstituição de época e uma trilha que mistura clássicos do soul com hip-hop contemporâneo, a série acaba entregando mais do que promete: um painel complexo de um período crucial da história americana, cujos reflexos se sentem até os dias de hoje.