Tony Goes

Na segunda temporada, 'Coisa Mais Linda' reforça a sororidade entre as personagens

Novos episódios da série brasileira chegam à Netflix na próxima sexta (19)

Cena da segunda temporada da série 'Coisa Mais Linda'

Cena da segunda temporada da série 'Coisa Mais Linda' Netflix

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

"Coisa Mais Linda" foi o grande lançamento nacional da Netflix em 2019. O marketing da série sugeria trama leve, ambientada no idílico Rio de Janeiro de 1959 e embalada por suaves canções da bossa nova.

O que se viu na tela foi outra coisa, nem tão linda assim. As quatro protagonistas femininas passam por maus bocados. Todas enfrentam o machismo da época, que não as deixa trabalhar fora de casa nem explorar a própria sexualidade. Uma delas, Adélia (Pathy Dejesus), ainda carrega o fardo de ser negra e pobre.

O último episódio da primeira temporada termina com um tiroteio na praia de Copacabana, em plena noite de Réveillon. O enciumado Augusto (Gustavo Vaz) dispara contra sua mulher, a aspirante a cantora Lígia (Fernanda Vasconcellos), e atinge também Malu (Maria Casadevall), a dona do clube que dá nome à série.

"Quando ela acorda, ainda está meio inerte", diz Maria Casadevall em entrevista por telefone, referindo-se à sequência no hospital que ocupa parte do primeiro episódio da segunda safra. "Aos poucos, vai recuperando suas conquistas e se permitindo viver novas relações."

A atriz intercalou as gravações das duas temporadas de "Coisa Mais Linda" com as das duas temporadas de "Ilha de Ferro" (Globo), em que faz a petroleira Julia. À primeira vista, as duas personagens são diametralmente opostas: Malu é delicada, enquanto Julia chega a ser rude.

"Foi difícil retomar cada uma delas, depois de ter passado um tempo como a outra", prossegue Casadevall. "Mas eu consegui criar uma conexão entre ambas. Se a Malu não tivesse existido, a Julia talvez não existisse também."

O feminismo fica ainda mais em primeiro plano nesta nova leva, apesar de a palavra não ser pronunciada uma única vez. A jornalista Thereza (Mel Lisboa), depois de se esforçar para ser apenas dona de casa, volta a trabalhar, dessa vez numa rádio. Adélia reencontra o pai, Duque (Val Perré), que abandonou a família há anos. E sua irmã Ivone (Larissa Nunes), que era uma personagem secundária, agora vai literalmente para baixo dos holofotes, tornando-se a nova cantora do clube Coisa Mais Linda.

"A Ivone cresceu muito", conta Larissa, também por telefone. "A minha carga horária triplicou! Também pude explorar novas regiões da minha voz", acrescenta ela, que também é cantora profissional e já tem um EP gravado –mas de hip-hop, um gênero distante da bossa nova e do samba-canção.

Larissa adorou trabalhar com Eliana Pittman, que surge como Elza, mãe de Capitão (Ícaro Silva) e sogra de Adélia. A veterana cantora e atriz, que já foi uma presença constante na TV brasileira, rouba todas as cenas em que aparece.

"Coisa Mais Linda" mudou de nome em inglês. A série agora se chama "Girls from Ipanema" no mercado internacional, lembrando a mais icônica canção da bossa nova, que já tocava durante os créditos de abertura.

Mesmo assim, continua faltando bossa nova em "Coisa Mais Linda". Músicas brasileiras muito mais recentes fazem a trilha de diversas cenas, criando uma certa dissonância cognitiva. Os diálogos também trazem expressões anacrônicas como "não tô nem aí", que ainda não haviam sido inventadas em 1960.

Esses deslizes prejudicam a reconstituição do clima da época, mas o foco da série segue firme na luta das mulheres por um lugar ao sol, com todas se ajudando umas às outras. Depois de ser baleada, Malu agora está mais malandra, a ponto de aplicar pequenos golpes em quem pretende derrubá-la. Adélia, por sua vez, faz uma descoberta terrível, depois de finalmente se casar com Capitão.

Os quatro episódios à que a imprensa teve acesso indicam uma dramaturgia sólida. Se os três restantes trouxerem um pouco mais de leveza, "Coisa Mais Linda" pode se tornar o belo produto de exportação que tanto almeja ser.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem