Tony Goes

Por que séries sobre crimes como 'Bandidos na TV' são tão longas?

As histórias renderiam bons filmes, mas são esticadas por vários episódios

Wallace Souza, ex-deputado federal e ex-apresentador do programa Canal Livre, é tema da série documental Bandidos na TV, da Netflix
Wallace Souza, ex-deputado federal e ex-apresentador do programa Canal Livre, é tema da série documental Bandidos na TV, da Netflix - Reprodução/Netflix
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São Paulo

“Bandidos na TV” é uma das sensações do momento. Disponível na Netflix desde o dia 31 de maio, a série documental conta, ao longo de sete episódios, a história quase inacreditável de Wallace Souza, que comandava um programa policialesco em Manaus ao mesmo tempo em que chefiava uma organização criminosa.

O apresentador desfrutava de tamanha popularidade que chegou a se eleger deputado estadual no Amazonas. Também ordenou, segundo várias testemunhas, a execução de traficantes rivais e até de inocentes, só para aumentar a audiência de seu programa.

Essa trama escabrosa é dissecada em detalhes por “Bandidos na TV”. Talvez sejam detalhes demais: cada um dos sete episódios tem cerca de uma hora de duração. Todos abusam das pausas dramáticas, e algumas imagens são repetidas à exaustão. Em certos momentos, a narrativa anda em círculos.

Tal defeito não é exclusivo de “Bandidos na TV”, uma coprodução entre o Brasil e os Estados Unidos. Na verdade, o programa segue à risca a cartilha do gênero. Utiliza praticamente todas as imagens de arquivo disponíveis, cria suspenses artificiais e finge que o mistério é ainda maior do que aparenta ser. Tudo para segurar o espectador na cadeira.



As séries documentais sobre crimes famosos já existiam na TV a cabo, mas se tornaram um fenômeno da era do streaming. “Making a Murderer”, lançada pela Netflix em 2015, cobria em 10 episódios o caso real de Steven Avery, que cumpriu uma pena de 18 anos por um crime que não cometeu. Uma vez libertado, Avery foi acusado de um outro assassinato.

A série teve enorme repercussão e ganhou vários prêmios, inclusive quatro Emmys. A Netflix, então, encomendou uma segunda temporada, com 10 novos episódios. Só que, sem maiores novidades, esta nova safra se arrasta sem chegar a lugar algum.

“Wild Wild Country”, outra série da plataforma, sofre de um mal semelhante. A história verídica da comunidade de Rajneeshpuram, fundada pelo líder espiritual Baghwan Shree Rajneesh (conhecido por Osho) no interior do estado americano do Oregon, tem lances de intriga e violência que renderiam um ótimo documentário de longa-metragem. Acabou sendo diluída ao longo de seis episódios.

Sem falar de “The Staircase”, que começou a ser produzida em 2004 e ainda não terminou. Já saíram 13 episódios (todos disponíveis, adivinha, na Netflix) sobre o caso de Michael Peterson, acusado pela morte de sua mulher Kathleen. A cada novo desdobramento, o cineasta francês Jean-Xavier de Lestrade dirige uma nova leva de capítulos.

Qual é a razão para tamanha enrolação? É óbvio: esses programas dão audiência. Não faz sentido econômico liquidar o assunto em apenas duas horas, quando ele poderia render vinte ou mais.

Não faltam fãs obcecados, que querem saber até a marca da sola do sapato que o suspeito usava na noite do crime. Mas, para o espectador comum, essas séries esticam a corda do interesse até arrebentá-la. Para eles (entre os quais me incluo), um resumão de duas horas, no máximo, daria conta do recado. Mas somos minoria. Fazer o quê, então?
 

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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