Derrocada da nova grade dominical da Record é sintoma de falta de profissionalismo
Controlada pela Igreja Universal, emissora quase só tem bispos no comando
Há menos de um mês, no dia 8 de março, a Record estreou com fanfarra sua nova programação de domingo. Nada ficou no lugar: além da chegada de novas atrações, títulos já existentes mudaram de horário ou tiveram suas durações alteradas.
O matutino Hoje em Dia, exibido de segunda a sexta, ganhou uma edição dominical. O Hora do Faro, que já era a peça de resistência do domingo, passou para as 14 horas. A segunda temporada da competição musical The Four Brasil, apresentada por Xuxa Meneghel, foi deslocada de sua quarta-feira habitual.
A estreia de Márvio “Carioca” Lúcio no elenco fixo do Domingo Espetacular teve uma promoção barulhenta: na quinta-feira anterior, o comediante substituiu Jair Bolsonaro na costumeira entrevista que o presidente dá à imprensa na porta do Palácio da Alvorada.
A mais reluzente novidade era o Domingo Show, agora sob o comando de Sabrina Sato. O antigo programa de Geraldo Luís manteve apenas o nome original. Voltou ao ar cheio de quadros novos, incluindo o divertido reality Made in Japão.
O objetivo de tamanha chacoalhada era claro: enfrentar o SBT. Sem fazer muita força e contando basicamente com os veteranos Celso Portiolli, Eliana e Silvio Santos, a emissora ocupa há tempos um confortável segundo lugar no Ibope de domingo.
No entanto, o primeiro dia da nova grade foi desastroso. O Domingo Show de Sabrina deu apenas 3,8 pontos na Grande São Paulo–dois a menos que a média de sua faixa horária nos quatro domingos anteriores. The Four Brasil chegou a 6,4 pontos, também abaixo da média das semanas anteriores. Até o Hora do Faro se deu mal, marcando um ponto a menos do que sua média anterior. Cada ponto do Kantar Ibope na Grande SP corresponde a 74.987 casas.
O resultado pífio se repetiu na semana seguinte. Foi então que a Record reagiu. The Four Brasil foi despachado de volta para as quartas. O Hoje em Dia de domingo foi extinto sumariamente. O Domingo Show passou para um pouco mais tarde, assim como o Hora do Faro. Enquanto isto, o SBT via sua audiência dominical crescer nada menos do que 15%.
Aí, como se não bastasse, surgiu o chamado "cisne negro". O acontecimento excepcional e imprevisível, que altera toda a conjuntura. No caso, a pandemia provocada pelo novo coronavírus. Todas os canais precisaram reduzir suas gravações e se concentrar no jornalismo. Os programas de auditório, que requerem aglomerações, foram todos cancelados. A Record não foi exceção.
O Hora do Faro, há anos no ar, tem acervo suficiente para se manter com reprises. O Domingo Show, não. Apenas o quadro Made in Japão está quase todo gravado. A partir de maio, ele –e apenas ele– será exibido nas noites de sábado. Sabrina Sato não faz ideia de quando (ou se) o resto de seu programa volta ao ar.
Toda essa confusão reacendeu uma antiga discussão: a Record está sendo bem administrada? Está sendo tocada por gente que sabe o que faz? Praticamente toda a cúpula da emissora é formada por pessoas ligadas à Igreja Universal do Reino de Deus. Muitos são pastores –ou seja, não exatamente do ramo da TV.
Desde que a Record foi comprada pela IURD, lá se vão 30 anos, foram muitas as tentativas de alavancar a audiência. Durante algum tempo, o canal imitou a Globo em tudo –dos nomes dos programas ao tipo de letra usado nas aberturas, passando por inúmeros atores, autores e diretores vindos da rival. Não deu muito certo, e ainda lhe valeu o apelido maldoso de "Recópia".
Ultimamente, a Record parece ter desistido de brigar com a Globo, e vem se posicionando como uma alternativa ao SBT. Tampouco tem alcançado bons resultados, como se viu na derrocada de sua nova grade de domingo. Até mesmo a transferência do The Four Brasil de volta para as quartas soa equivocada: a segunda temporada do programa já está toda gravada. Seria uma alternativa de programação inédita em sua faixa horária, contra as reprises que o Domingo do Faustão vem exibindo.
Pouco mais de um ano atrás, a Record aposentou o nome com que é conhecida há quase 70 anos e adotou RecordTV. Por quê? Para ser confundida com a RedeTV, a rede aberta de menor audiência? O nome novo não pegou, é claro, e só é usado internamente.
Essa decisão arbitrária é só mais um sintoma do que falta na Record: profissionalismo. Montar uma grade é uma tarefa complicada, ainda mais numa época em que o espectador tem tantas outras opções a disputar sua atenção. Requer pesquisa e experiência. Mas, enquanto a IURD não entender isto, terá que se contentar com o terceiro lugar.