Zapping - Cristina Padiglione
Descrição de chapéu internet

O que os casos de Marcius Melhem e Pedro Scooby têm em comum?

Acusados fora dos tribunais, humorista e surfista nadam contra o julgamento das redes sociais e acionam a Justiça da vida real

Marcius Melhem (Foto: João Motta/Globo/Divulgação) e Pedro Scooby (Foto: @pedroscooby no Instagram) tomaram a iniciativa de recorrer à Justiça - João Motta e Instagram

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São Paulo

Por mais que a gente tenha acompanhado os vídeos e as postagens de Luana Piovani sobre o ex-marido desde a separação de Pedro Scooby, e por mais que tenhamos visto prints e ouvido áudios referentes ao caso Marcius Melhem, acusado de assédio sexual, não cabe a nós, plateia, definir se eles são culpados ou inocentes. Ou não com os elementos apresentados publicamente até aqui.

Em ambos os casos, foram os acusados, e não as acusadoras, que tomaram a iniciativa de acionar a Justiça e processar quem lhes apontou o dedo por meio de imprensa, redes sociais e uma enxurrada de sites e perfis dedicados a lacrar com a malhação digital de Judas.

Se ainda não é possível dizer quem errou ou não, ou mesmo se a canalhice ultrapassou a esfera moral e configurou crime, é justo que ambos, ao refutar as atribuições que lhes fazem, busquem a Justiça das leis. Não se pode delegar ao tribunal da internet um papel que pertence à esfera jurídica.

Assim, se quem acusa não aciona a Justiça, quem se sente ofendido ou caluniado tem todo o direito de se defender nos tribunais de verdade. Na conjuntura de ambos, calar diante de toda a repercussão obtida a partir das acusações púbicas seria assinar o ditado "Quem Cala Consente".

José Mayer, também acusado publicamente, mas não juridicamente, de assédio e abuso sexual, tampouco foi denunciado criminalmente por isso. Mas preferiu deixar tudo como estava e se desculpar publicamente pelo ocorrido, admitindo que errou e optando por uma aposentadoria forçada da TV.

Melhem chegou a admitir que teve vários romances simultâneos, mas segue afirmando que as relações com ex-subordinadas na Globo eram consensuais, e argumenta que é alvo de vingança passional e profissional em diferentes situações entre os casos envolvidos nas denúncias.

Assim como Mayer, o ator e roteirista não foi denunciado nas esferas criminais competentes, ou não inicialmente.

Seu caso ganhou repercussão por meio da imprensa, com direito a pré-julgamento pelas redes sociais, mas o ex-diretor de humor só foi de fato denunciado ao Ministério Público pela prática de assédio sexual, por oito mulheres depois que ele mesmo acionou a Justiça para se defender. Até hoje, quase três anos depois que as acusações vieram à tona, ele não é réu em nenhum processo, uma situação atípica para o contexto de acusação de assédio sexual.

Scooby tampouco havia sido cobrado por Piovani no campo jurídico, apenas via Instagram, numa longa sequência de conflitos de fazer inveja a muitas séries de TV que não passam da primeira temporada.

Diante dos espetáculos públicos, boa parcela da plateia, tomada pela percepção de um mundo democrático que hoje dá voz a todos por meio da internet e de suas redes sociais, veste a toga do júri popular digital e acaba por emitir juízo de valores de toda ordem.

Tanto assim que Piovani justifica a exposição de assuntos particulares nas redes sociais como algo que surte efeito para resolver suas queixas com o pai de seus filhos, especialmente no que diz respeito a divergências na educação e manutenção financeira das crias.

Quem sabe se ela não tem razão?

Ela poderia mandar uma mensagem em qualquer esfera privada, poderia ligar, poderia chamar para conversar, poderia até acionar seus advogados e entrar na Justiça com alguma ação, algo talvez mais eficaz (e certamente mais discreto), mas prefere expor suas queixas publicamente para que o ex resolva logo o que a aflige.

A plateia vibra com o reality show que lhe permite não só dar aquela espiadinha nas tretas familiares, mas também opinar sobre as divergências do casal, e vamos lembrar que a primeira namorada dele após o divórcio foi ninguém menos que Anitta, o que só aumentou a sanha da audiência digital.

A ação que agora corre na Justiça não alterou o modo de Piovani se defender, e de novo ela expõe pelo Instagram sua indignação, com novas acusações contra Scooby, alegando que ele teria exposto fotos nuas dela nas argumentações. Ele nega, sustentando que são prints de publicações que a ex fez em suas próprias páginas.

Para Scooby, a mãe de seus três filhos mais velhos expõe as crianças a discussões que são do casal de progenitores, apenas, de modo constrangedor para os pequenos, que todo dia chegam à escola como alvos de comentários de coleguinhas e seus pais.

Será que ele não tem razão?

A atriz se surpreendeu com a iniciativa dele em acionar a Justiça. Scooby argumentou que sempre foi cioso como pai, do afeto ao departamento financeiro, passando pela educação, e avisou que havia chegado ao seu limite.

A decisão do surfista de recorrer à Justiça, afinal, veio logo após as mais recentes acusações públicas de Piovani, bem no momento em que ele enfrentava a internação de sua caçula, Aurora, recém-nascida, em uma UTI neonatal. É o primeiro fruto de seu casamento com a modelo Cintia Dicker.

Só quem já passou por isso pode mensurar a dor que a situação causa a um pai, e principalmente à mãe, que soma esse contexto a toda a descarga hormonal que acomete quem acabou de parir, tendo de administrar a produção de leite para garantir a amamentação após a alta hospitalar do bebê. Não desejo esse calvário a ninguém.

Foi nesse contexto que Piovani se colocou novamente nas janelas do Instagram para acusar Pedro de faltar com os custos do aluguel e da pensão, que ele alega ter sido cobrada antes da data limite, enquanto ela diz não ter sido atendida quando lhe telefonou.

Scooby e Piovani, no entanto, podem celebrar a grande chance de entendimento mútuo diante de casos muito piores, como o de Melhem e as oito mulheres que o acusam. No caso do ex-diretor de humor da Globo, as acusadoras sequer se identificam publicamente como tais --evidentemente, estão em uma posição completamente diferente da de Piovani, que abre a câmera online para se defender com frequência.

Ainda sobre o custo de se expor, é preciso sublinhar o quanto é injusto que o caso Marcius Melhem seja nominado apenas pela figura de Dani Calabresa, que arca sozinha com o ônus da acusação, representando involuntariamente as outras sete mulheres que acusam o humorista.

Isso não se dá propriamente pelo fato de ela ter puxado a fila de denúncias no departamento de Compliance da Globo contra ele, mas, principalmente, por ser a mais famosa do time.

Nessa condição, a atriz é isca fácil para os cliques que alimentam os links na internet, fazendo girar a roda da grana que abastece a audiência digital. As outras sete mulheres já foram identificadas por reportagens sobre o caso, mas não se manifestaram, deixando a bomba no colo da humorista, que apenas se reconheceu nessa lista, sem no entanto se estender sobre qualquer detalhe.

Calabresa teria se dado por feliz com a demissão dele da Globo. Não foi ela quem quis levar o caso adiante pela imprensa, mas desfulanizar o assunto não convém à corrida por cliques na web.

Melhem está longe de ter tido um comportamento adequado como chefe e como homem, isso está claro e nem ele nega. Mas daí a ser cancelado para nunca mais poder trabalhar como figura pública, há uma distância que não pode ser definida pela fúria das redes sociais. Se houve crime, o que ele veementemente nega, que o assunto seja devidamente investigado por expediente jurídico.

Endossando aquele adesivo da OAB --Ordem dos Advogados do Brasil--, mais do nunca, em casos de "cancelamento" pela web, "Procure um advogado". Não é aceitável se deixar julgar pelo Twitter ou pelo Instagram, a não ser que não haja o que contestar.