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Zapping - Cristina Padiglione

Marcius Melhem admite erros, mas garante que nunca trocou sexo por vantagens

A Roberto Cabrini, na Record, ex-diretor da Globo apontou incoerências nas acusações de assédio

O ator e roteirista Marcius Melhem e o jornalista Roberto Cabrini
O jornalista, roteirista e ex-diretor de humor da Globo Marcius Melhém em entrevista a Roberto Cabrini - Reprodução Record
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São Paulo

Em nova entrevista a Roberto Cabrini na Record, dois anos depois de uma primeira conversa sobre as acusações enfrentadas por assédio sexual desde a sua saída da Globo, o ex-diretor de humor da emissora, Marcius Melhem, deu novos detalhes sobre os episódios que teriam motivado as denúncias de oito mulheres, atrizes e roteiristas com quem trabalhava na emissora.

A conversa foi ao ar neste domingo, 18, no Domingo Espetacular e no Câmera Record. O ator e roteirista acredita que já há elementos suficientes para que o caso seja encerrado, mas promete que, seja qual for o resultado disso, todos os detalhes serão contados com nomes após o fim do processo.

ABUSO NO MEIO DA FESTA

Melhem contou que havia uma testemunha capaz de confirmar ou negar o relato descrito pela revista Piauí de que ele teria forçado contato sexual com a atriz Dani Calabresa em uma festa em 2017. Essa testemunha, embora fosse amiga da atriz, não foi convocada por ela a depor no processo aberto por ele na Justiça, a fim de provar sua inocência criminal.

Amiga de Calabresa, a testemunha teria sido chamada pela própria atriz para dividir beijos e carícias com ela e Melhem na festa de 2017, tendo voltado a encontrar o então diretor um mês depois, sem qualquer alerta de Calabresa sobre a possível conduta criminosa de Melhem.

O ex-diretor questiona por que a amiga não foi chamada a depor pela atriz para provar o suposto assédio e por que as supostas vítimas não judicializaram inicialmente a denúncia feita ao departamento de Compliance da Globo e à imprensa, e só o denunciaram no Ministério Público depois de ele ter procurado a Justiça.

Cabrini cercou Melhem com várias questões que têm permanecido sem resposta em quase três anos, desde que as primeiras denúncias foram feitas internamente na Globo, sobre as razões de cada uma das oito mulheres para denunciá-lo.

Ele nega as acusações de assédio sexual e atribui tudo a interesses de origens diversas de cada uma, por questões profissionais, passionais ou pessoais, como foi o caso de uma roteirista que era casada e queria reduzir o ônus de uma crise conjugal com o marido.

O repórter quis saber por que ele não questionou pessoalmente nenhuma das envolvidas nas acusações sobre suas atitudes. "Foi um linchamento tão grande pra cima de mim, que se eu procurasse [alguém] diriam que eu estava coagindo testemunha. Não foi fácil levar ela [amiga de Dani] lá [na audiência judicial] para falar, mas ela foi. Nós indicamos o nome dela como testemunha", disse Melhem a Cabrini.

"Uma pessoa vai pra uma festa com uma grande amiga, sai da festa com essa amiga, e na hora de testemunhar uma coisa grave que aconteceu na festa, essa pessoa não é chamada? É chamada por mim?", questionou Melhem a Cabrini. O depoimento da amiga de Calabresa pode servir aos advogados do ex-diretor para provar que não havia constrangimento nas relações mantidas entre Melhem e a atriz.

"A festa teria acabado na hora", diz Melhem a Cabrini, caso Calabresa tivesse sido abordada de forma abusiva por ele na festa e voltado para a mesa chorando, como relata a revista Piauí. Há alguns meses, ele publicou em sua conta no Instagram um vídeo de uma festa que ocorreu em sua casa uma semana depois, onde Calabresa mostra se divertir entre outras colegas.

CHEFIA E SEXO, UMA MISTURA DE RISCO

Cabrini então o questiona sobre a inconveniência que podia haver nessas relações, tendo sido ele hierarquicamente superior a elas, ou seja, uma subalterna que nega as investidas do chefe corre o risco de perder terreno profissional, como tantas vezes já se viu acontecer, de Hollywood a Curicica.

O ex-diretor voltou a ressaltar que, numa prática incomum em casos similares, foi ele, e não as supostas vítimas, que levou as acusações à Justiça. As primeiras manifestações das mulheres se restringiam a publicações na imprensa e de forma anônima.

Cabrini também mostrou parte da troca de mensagens entre ele e Calabresa nos dias que se seguiram à festa, o que seria indício de uma relação consensual. Perguntou a Melhem se alguma das mulheres que o acusa obteve alguma vantagem por isso, o que ele negou.

"Nenhuma pessoa que se relacionou comigo teve alguma vantagem, zero. Nenhuma das mulheres que estava em cargos de chefia, no meu departamento, foi pra cama comigo."

"Essas mulheres [que o acusam de assédio] tiveram interesses profissionais contrariados. Do que elas me acusam , isso não aconteceu. O que está lá dito, está mais do que provado que não aconteceu."

No caso de Calabresa, isso teria começado, segundo ele, a partir do momento em que ela não conseguiu emplacar a ideia de fazer na Globo uma espécie de "Furo MTV", programa que apresentava na MTV Brasil, ao lado de Bento Ribeiro. O projeto de resgatar o "Furo" foi voto vencido pelo "Fora de Hora", atração igualmente pautada pela mistura entre jornalismo e humor, uma receita razoavelmente manjada e que o próprio "Tá no Ar", antecessor do "Fora de Hora", fazia com frequência.

Melhem e o restante da equipe queriam Calabresa no comando do novo programa, mas ao lado de Paulo Vieira, e não de Bento Ribeiro.

"Se não tivesse sido contrariada, ela não teria te denunciado?", questionou Cabrini. "Não", assegurou Melhem.

Uma das pessoas presentes à reunião de profissionais para a elaboração do "Fora de Hora" ouvida pela coluna disse que Calabresa já chegou ao local chateada pela possibilidade de não ver seu projeto realizado. Segundo esse relato, mesmo na presença de Paulo Vieira, que acabou apresentando o programa com Renata Gaspar, Calabresa insistiu que queria estar ao lado de Ribeiro, que não era contratado da Globo. Houve quem ficasse constrangido .

Como teria se mostrado irredutível às ideias apresentadas pelos demais profissionais da equipe, Calabresa se viu substituída por Gaspar na bancada do telejornal do humorístico.

MENSAGENS TROCADAS

Melhem reconheceu a Cabrini que "mulheres muitas vezes têm de rir das piadas de que não gostam, do chefe que está ali, mas isso nunca aconteceu" com ele. "Dani Calabresa jamais pareceu estar fugindo de uma saia juta, ela me procurava incessantemente, tem de tudo nas nossas conversas", afirmou.

A coluna apurou que o ex-diretor gastou uma fortuna para resgatar e periciar mensagens antigas de WhatsApp, a fim de provar que sua relação com essas mulheres era consensual. A Justiça chegou a proibi-lo de usar tais mensagens, a pedido da defesa de Calabresa, o que depois foi derrubado por seus advogados para que ele pudesse apresentar as conversas nos tribunais como meio de provar que as relações eram consensuais.

Várias dessas mensagens foram expostas recentemente em reportagem da revista Veja. Algumas foram apntecipadas pelo colunista Ricardo Feltrin em sua coluna no UOL e em seu blog, Ooops.

LONGE DE SER FOFO...

A Cabrini, o ex-diretor disse que errou quando se tornou chefe e fez questão de continuar a tratar os colegas como pares.

Em quase três anos, desde que as primeiras denúncias sobre Melhem vieram à tona, a coluna ouviu algumas pessoas com quem ele trabalhou na Globo, a fim de conhecer melhor as acusações que enfrenta e o seu comportamento no ambiente corporativo.

Sua fama não é de alguém afável, ao contrário, há vários relatos de arrogância, grosseria e hostilidade sobre ele, o que não é incomum entre os profissionais do alto escalão da emissora. Mas mesmo aqueles que apontam defeitos no ex-diretor atestam que não conhecem e nunca testemunharam evidências de assédio sexual.

"Fui um colega que fui virando chefe e achei que o legal era continuar me relacionando com as pessoas como eu era quando eu era colega delas", disse ele a Cabrini. "Eu não mudei, continuei o mesmo cara, eu errei, abri flanco, deixei que as pessoas desfrutassem da minha intimidade, fiquei vulnerável", concluiu, garantindo que nunca mais quer ser chefe, apenas voltar a trabalhar como ator e roteirista.

"Me dei conta que é problemático se relacionar com subalternos", disse.

Outra atriz citada por Cabrini fala que viveu uma "relação abusiva" com Melhem. Em mensagens trocadas com ela pouco antes de as denúncias virem à tona, exibidas pela Veja e também por Cabrini, ela dizia estar "apaixonada" por ele e falava que queria se casar com o ex-diretor.

"Os dois mantêm diálogos de cunho sexual", mostrou o repórter.

ATAQUE X DEFESA

Melhem também procura desmontar uma das teses da advogada Mayra Cotta, que defende as oito mulheres, de que elas não se conheciam até 2019, argumentação que, segundo ele, procura mostrar que ele teria um padrão de abordagem para cometer assédio sexual. "Elas trabalhavam no mesmo núcleo, como não se conheciam?", diz ele a Cabrini, endossando que elas chegaram a publicar fotos de confraternizações juntas em redes sociais antes de 2019.

Em dezembro de 2019, conta, cinco das oito supostas vítimas o procuraram para prestar solidariedade às primeiras acusações de assédio. "Tem uma questão muito clara nesse processo: a luta da mulher para que a palavra da mulher valesse [numa acusação criminal contra alguém] é uma luta de décadas. Você não pode mentir", critica.

Disse ainda que o grupo de mulheres que depôs a seu favor, maior do que a lista de supostas vítimas, foi ameaçado e pressionado a se posicionar a favor das denunciantes.

"Falta revelar muita coisa, detalhes muito chocantes, que nem à Justiça eu levei ainda. Errei muito, primeiro e sobretudo com a minha mulher, eu traí e traí várias vezes, eu pedi desculpas publicamente, pessoalmente, sempre que sai uma matéria, e vou pedir desculpas a minha vida inteira. Analisando na conjuntura de hoje, eu deveria ter tomado muito mais cuidado ao me relacionar com pessoas que trabalham comigo."

Procurada por Cabrini, a advogada Mayra Cotta atribui as declarações de Melhem a práticas comuns entre abusadores, especialmente ao tentar desqualificar suas vítimas.

A propósito, um documento que de tempos em tempos circula em colunas de celebridades e TV, publicado em primeira mão pela revista Piauí, desmente o comunicado distribuído pela Globo à imprensa por ocasião da saída do ex-diretor da empresa, mostrando que seu desligamento não se deu por comum acordo, como a emissora informava, mas sim por ter infringido "o código de ética" da Globo.

O documento, no entanto, não aponta quais práticas de Melhem teriam motivado a infração nem menciona o termo "assédio", seja sexual ou moral.

Cabrini explicou que as denunciantes foram procuradas pela reportagem da Record, mas preferiram não gravar entrevista.

DA ESFERA PÚBLICA AOS TRIBUNAIS

Ainda em 2020, após notificar judicialmente Calabresa para que ela confirmasse ou negasse o teor do relato publicado pela revista Piauí sobre a suposta prática de assédio, Melhem entrou com processo contra a atriz. Só depois de ele procurar a Justiça e acionar também influenciadores e humoristas que o acusavam de crimes em redes sociais, ele foi denunciado por assédio sexual e moral na Ouvidoria Nacional de Mulheres, por oito mulheres que eram suas subordinadas.

"Uma advogada que destruiu minha vida, minha vida foi bagunçada. A minha grande luta é o que aconteceu e como isso atingiu as minhas filhas, meninas hoje de 13 anos, que têm celular, têm Google, tive várias e muitas conversas com elas, que me perguntam: 'Papai, você assediou alguém?', 'Você agarrou alguém à força?'. Como trabalhar isso na cabeça de duas adolescentes?", questionou o ator e roteirista.

Zapping - Cristina Padiglione

Cristina Padiglione é jornalista e escreve sobre televisão. Cobre a área desde 1991, quando a TV paga ainda engatinhava. Passou pelas Redações dos jornais Folha da Tarde (1992-1995), Jornal da Tarde (1995-1997), Folha (1997-1999) e O Estado de S. Paulo (2000-2016). Também assina o blog Telepadi (telepadi.folha.com.br).

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