Por que milhares de indianos estão apoiando publicamente uma ex-atriz pornô
"Será que você está me corrompendo moralmente enquanto te entrevisto?"
Essa e outras perguntas semelhantes feitas pelo jornalista Bhupendra Chaubey a Sunny Leone, uma ex-atriz pornô que se transformou em estrela de Bollywood, geraram uma grande polêmica nas redes sociais da Índia.
Milhares de usuários defenderam a atriz e chamaram o jornalista de "moralista" e "misógino" e afirmaram que ele estava "cheio de preconceitos".
Leone, 31, cujo nome verdadeiro é Karen Malhotra, é uma canadense de ascendência indiana. Depois de uma carreira de sucesso na indústria pornográfica dos Estados Unidos, ela anunciou a aposentadoria em 2013.
Em seguida ela participou da versão indiana do programa Big Brother, o que serviu como trampolim para uma até agora bem-sucedida carreira na indústria cinematográfica da Índia. Ela participou de duas superproduções e é protagonista de uma comédia que está prestes a estrear. O nome da atriz foi o mais buscado no Google Índia no ano passado e hoje ela tem milhares de seguidores.
Mas os críticos de Sunny Leone também são muitos, a ponto de ter sido criada, em 2015, uma campanha que pedia sua expulsão do país.
'Vencedora'
"Posso ir embora, se você quiser", disse Leone quando Chaubey perguntou sobre o risco de ela o estar corrompendo moralmente durante a entrevista.
Os milhares de seguidores e até a imprensa local afirmaram que Leone foi a "vencedora" nesta entrevista justamente por sua postura.
A atriz não perdeu a calma em momento algum e respondeu as perguntas do jornalista da rede CNN-IBN sem demonstrar nenhum arrependimento por seus trabalhos anteriores à Bollywood.
E não foi falta de insistência por parte de Chaubey. Durante a entrevista ele pediu que a atriz lembrasse do momento que mais pesava em sua consciência.
E Leone disse que o que mais lamentava era não ter chegado a tempo para ver sua mãe com vida, no dia em que ela morreu. O jornalista não parou de insistir.
"Se pudesse voltar no tempo, voltaria a fazer o que fazia?"; "Não sente que, às vezes, seu passado está te afetando e vai continuar a te perseguir?"; "Alguns te acusam de baixar a qualidade artística do cinema", disse Chaubey à atriz. "Acha que (...) foi seu corpo que, fundamentalmente, te trouxe até aqui?", acrescentou em seguida.
A atriz respondeu com calma que não acreditava ter feito nada "ruim" ou "vulgar" enquanto trabalhou como atriz de filmes pornográficos. "Tudo o que fiz em minha vida me trouxe aonde estou. Tudo foi um passo para algo maior e melhor", disse.
Entrevista 'moralista'
A CNN transmitiu a entrevista no programa The Hot Seat, apresentado por Bhupendra Chaubey, no fim de semana.
Até o momento, a entrevista já foi vista mais de 200 mil vezes na página da emissora.
E as reações foram divididas. Alguns condenaram a atriz, já que o país tem uma relação complexa com o sexo no cinema.
A Índia é o terceiro país do mundo que mais consome filmes pornográficos. Por outro lado, autoridades locais proíbem beijos "muito apaixonados" nos filmes de Bollywood. O governo até censurou uma cena do último filme da série James Bond, 007 Contra Spectre, pois o beijo entre os atores Daniel Craig e Léa Seydoux "era muito demorado".
Mas a grande maioria dos comentários sobre a entrevista nas redes sociais e no site da CNN foram em defesa da atriz.
Centenas criticaram os "julgamentos morais" do jornalista e rejeitaram sua atitude considerada "agressiva", "grosseira", "injusta" e "pouco ética".
"Que entrevista mais constrangedora! Não consigo assistir nem mais um minuto. Bem fez Sunny em manter a compostura e a calma. Odeio pessoas que sempre se colocam em um pedestal e têm essa falsa crença de que são superiores", escreveu um usuário do Facebook.
"Isso não foi uma entrevista. Foram apenas afirmações hiperopinativas com um sinal de interrogação no final. Sem graça. Sem elegância. Ridículas", escreveu outro no Twitter.
"Ele fez a mesma pergunta durante 20 minutos. Só porque ela não o satisfazia com a resposta que ele esperava", disse outro.
"Acabo de ver uma entrevista com uma pessoa moralmente depravada e que é uma ameaça a todos os valores decentes. E com Sunny Leone", ironizou o humorista indiano Ramesh Srivats em sua conta no Twitter.
'Desculpa pública'
Outros usuários exigiram que Chaubey peça desculpas públicas pela entrevista.
Mas o jornalista, até agora, só escreveu um texto em seu blog pessoal. Ele reconhece que, durante a entrevista, Leone foi corajosa e direta em suas respostas e a parabeniza por isto.
Mas também chama a atriz pelo nome que usava quando trabalhava em filmes pornográficos, Karanjit (Kaur), e insiste que ela é "igualmente adorada e depreciada" pelo público.
"Só fiz o meu trabalho, de fazer perguntas que, sim, talvez eram moralistas em sua natureza. Mas não era esta a história? Várias vezes durante a entrevista falei que os indianos são um bando de gente super-hipócrita."
Pelo menos um nome famoso da indústria do cinema indiana já saiu em defesa da atriz. Aamir Khan, produtor e diretor, disse no Twitter que não tem "absolutamente nenhum problema" com o passado de Sunny Leone e ficaria feliz de trabalhar com ela.
"Leone nunca oferece a narrativa da vítima. Ela é dona absoluta de seu trabalho e sempre enfatiza que foi sua escolha, ninguém a obrigou", disse antes da entrevista a escritora e cineasta indiana Paromita Vohra.
E a própria Leone confirmou esta postura durante a polêmica entrevista a Chaubey. "Não tenho nenhuma história horrível [para contar]. Não fui abusada, não me bateram nem me assediaram", afirmou.
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