Tony Goes

Não é de hoje que as novelas "plagiam"

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O cara é um grande pegador e nunca sai da boate desacompanhado. Até que, um belo dia, uma de suas conquistas o avisa: "Quando a gente transou, percebi que você está com um caroço nos testículos. É melhor consultar um especialista."

Esta trama da série americana "Queer as Folk" foi decalcada sem a menor cerimônia em "Insensato Coração". A diferença é que, no original, o personagem Brian Kinney era gay. Ponto.

Muito se comentou esta semana nas redes sociais sobre este "plágio" (entre aspas porque não acho que seja), um dos muitos identificados na novela de Gilberto Braga e Ricardo Linhares. Não há razão para escândalo: afinal, tem gente que defende que a última história realmente inédita foi "Édipo-Rei". Tudo o que veio depois não passou de reles adaptação.

Aliás, o próprio Édipo inspirou uma novela inteira: "Mandala", em 1987. O grande Dias Gomes nem se deu ao trabalho de mudar os nomes dos protagonistas, e o Brasil quase teve um enfarte coletivo quando percebeu que o jovem galã (Felipe Camargo) ia comer a própria mãe (Vera Fischer). O autor teve que mudar às pressas o desfecho de um drama com mais de dois mil anos, e Jocasta se casou com um bicheiro.

"Mandala" foi uma apropriação assumida, e nem havia direitos autorais a pagar. Mas antigamente essas "coincidências" eram muito mais óbvias, e pouca gente se lembrava de reclamar.

"Carinhoso" é um exemplo flagrante. Esta novela de Lauro César Muniz, exibida pela Globo em 1973, tinha sua trama central chupada diretamente do filme "Sabrina", com Audrey Hepburn e William Holden. A filha de um casal de empregados (Regina Duarte) passava um tempo fora do país, e ao voltar se envolvia com os dois filhos dos patrões de seus pais (Cláudio Marzo e Marcos Paulo).

Nem mesmo a papisa Janete Clair escapou. "Selva de Pedra", um de seus maiores clássicos, era descaradamente "inspirada" em "Um Lugar ao Sol", filme com Montgomery Clift e Elizabeth Taylor: o filho de um pregador religioso trama a morte da namorada pobre para ficar com uma moça muito mais rica.

Mas tanto Janete como Lauro César introduziram muitos outros elementos nas histórias que pegaram emprestado, e souberam torná-las suas. Não há nada de errado com isto: a telenovela é o gênero literário (se é que podemos chamá-la assim) mais voraz que existe.

Bebe de todas as fontes, come tudo o que lhe passa na frente e regurgita cenas manjadíssimas, às vezes só maquiadas. E nós caímos feito uns patinhos, pois voltamos todo dia para mais.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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