Com '3%' e 'Supermax', o Brasil engatinha na ficção científica
Quase não produzimos filmes e séries de ficção científica. Isto não é privilégio nosso. Mesmo na Europa, o chamado sci-fi é um gênero raro. Só não o é nos Estados Unidos.
A explicação para isto é simples. A ficção científica fala de mundos imaginários porém plausíveis, geralmente no futuro, proporcionados pelo avanço da ciência e da tecnologia. E dar vida a estes mundos, no cinema ou na TV, custa muito dinheiro, o que geralmente só os americanos têm.
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Mas não só. Também requer talento e experiência. O primeiro não anda em falta por aqui. A segunda, só se adquire com o tempo.
Avançamos um pouco este ano. Duas iniciativas ousadas chegaram às telinhas: os seriados "Supermax" (Globo) e "3%" (Netflix). Mas os resultados não foram plenamente satisfatórios.
"Supermax" decepcionou no Ibope. Misturando elementos de terror e sobrenatural com uma crítica mordaz ao "BBB", o programa alienou boa parte do público da emissora. A Globo garante que o número de visualizações na internet é excelente. Mas serão suficientes para garantir uma segunda temporada?
Além do mais, "Supermax" padece de problemas que afugentam até mesmo os fãs mais empedernidos. Diálogos forçados e interpretações canhestras comprometem o engajamento do público: afinal, é preciso acreditar que aquela situação é possível para se emocionar com ela.
"3%" também derrapa no roteiro e nas atuações aqui e ali, mas é na parte visual onde estão seus maiores defeitos. A luz é pouco climática, o que chega a surpreender quando lembramos que o diretor-geral é César Charlone —indicado ao Oscar de melhor fotografia por "Cidade de Deus".
A direção de arte não é orgânica, nem consegue criar um look próprio para a série. As locações têm cara de locações. E os figurinos são desastrosos. As roupas do pessoal do Continente, a terra devastada de onde os personagens buscam escapar, lembram as fantasias de mendigo criadas por Joãosinho Trinta para o clássico desfile da escola de samba Beija-Flor em 1989.
Dito isto, ambos programas têm méritos incontestáveis. De alguns bons ganchos dramáticos à tradução de angústias contemporâneas, que é o que torna o sci-fi realmente relevante.
"3%" e "Supermax" são nossos primeiros passos no gênero, talvez o mais popular do mundo. Como uma criança nas aulas de balé, ainda estamos aprendendo o básico. Só a prática e a persistência —e orçamentos mais gordos, claro— trarão sucesso para a ficção científica made in Brazil.
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