Tony Goes

Polêmica com Rodrigo Hilbert reflete nossa relação complicada com a carne

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Julie Powell, em seu livro “Julie & Julia” —depois transformado num filme estrelado por Meryl Streep— defende que todo cozinheiro precisa, ao menos uma vez, matar um animal com as próprias mãos. É uma maneira de entender, a um nível profundo, de onde vem a carne que muitos de nós consumimos. E de honrar aquele animal, aproveitando-o ao máximo.
 
A autora mata uma lagosta pelo método tradicional, atirando-a viva numa panela de água quente. Não consta que tenha enfrentado protestos, apesar de existirem ativistas que condenam essa prática como cruel.
 
 
Menos sorte teve o chef brasileiro Alex Atalla, que estrangulou uma galinha num evento internacional de gastronomia. O gesto foi aplaudido por seus colegas, mas repercutiu bem mal na internet.
 
E como não lembrar da saraivada de críticas que Roberto Carlos recebeu ao gravar seu único comercial para a Friboi? O “rei”, que era vegetariano mas se deixou seduzir por um polpudo cachê, se assustou tanto que rescindiu seu contrato com o frigorífico.
 
Agora é a vez de Rodrigo Hilbert enfrentar a fúria das redes sociais. O ator e apresentador já havia matado caranguejos em seu programa culinário “Tempero de Família” (GNT), mas é claro que os feios crustáceos não causam muita comoção. Já um inocente carneirinho...
 

Exibido pela primeira vez na quinta-feira passada (10), o episódio mostrava o marido de Fernanda Lima não só cortando a garganta do bichinho, como também retirando sua pele e esquartejando-o. Não mostrará mais: o GNT informou nesta segunda (14) que retirará a sequência das reprises, tamanha foi a grita na web.

 
Houve quem se horrorizasse com a “execução” de um mamífero fofinho. E houve, em número até maior, gente que prefere não lembrar como é “feita” a carne que devora no dia-a-dia.
 
Essa polêmica decorre da relação complicada que temos hoje em dia com o consumo da carne, de qualquer animal. Antigamente, a maioria das pessoas ainda vivia em ambientes rurais, onde o abate de aves e quadrúpedes é um fato corriqueiro. Nem tão antigamente assim, qualquer feira livre vendia galinhas ainda vivas, essenciais para receitas ao molho pardo.
 
Mas no mundo atual existe uma desconexão quase total entre a cidade e o campo. Mal sabemos de onde vêm e como são produzidas não só as carnes, mas também as frutas, os legumes e tudo mais que consumimos. Não nos interessa: basta estarem dentro do prazo de validade e a um preço módico.
 
O gesto de Rodrigo Hilbert escancarou a realidade, e não gostamos do que vimos. Contaminados pelos personagens da Disney, projetamos naquele cordeiro um amiguinho em potencial. E nos escandalizamos com o “malvado” ator, até semana passada o homem mais perfeito do Brasil.
 
Vou confessar: eu também não quero ver um carneiro sendo morto. Minha alma dói. Mas nem por isto vou deixar de saboreá-lo mais tarde. Sim, eu também sou hipócrita.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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