Tony Goes

Foto de Carolina Dieckmann e Regina Casé com domésticas mostra um Brasil gentil e autoritário

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

No sábado passado (26), um dia depois do Natal, Carolina Dieckmann brindou seus seguidores no Instagram com mais um flagrante de sua intimidade.

A atriz postou uma foto em preto-e-branco onde aparece junto com quatro empregadas domésticas, devidamente uniformizadas. Ao fundo, ninguém menos que Regina Casé —que interpretou justamente uma doméstica no filme "Que Horas Ela Volta?".

A legenda da foto não poderia ser mais fofa: "aqui, com essas lindezas batalhadoras, que fazem tudo tão caprichado e com tanto carinho, que a gente saiu de lá flutuando de amor... obrigada!!!". Carolina, assim como muitos de seus colegas de profissão, também quer ser conhecida como uma patroa bacana. Que não só respeita os direitos de suas funcionárias como compartilha um pouco de sua fama com elas, ao trazê-las para os refletores virtuais de sua rede social.



Generosa? Hm, sim. A atriz reconhece e valoriza o esforço das empregadas, que parecem felizes ao posar junto com a patroa célebre. Então está tudo certo, não?

Não. Como costuma acontecer nesses casos, a internet pegou fogo. Fernanda Lima já havia passado por perrengue parecido em agosto, quando postou uma foto onde aparece junto com as babás de seus filhos. Foi xingada de racista, sinhazinha e daí para baixo.

Carolina também foi, assim como Regina Casé. O caso desta foi ainda mais curioso: afinal, ela acaba de protagonizar um filme que denuncia, se não os maus-tratos, pelo menos a indiferença com que boa parte das domésticas brasileiras é tratada por seus patrões. Como ela ousa fazer o mesmo na vida real?

Minha primeira reação ao deparar com mais essa polêmica foi a de sempre: preguiça. Preguiça desse policiamento ostensivo na internet, onde Bela Gil é atacada por sugerir opções saudáveis para o lanche das crianças, e onde qualquer momento de prazer vivido por um artista é imediatamente rotulado de "ostentação". A palavra já está desgastada, mas é mesmo o recalque que está por baixo de muitas dessas acusações.


Só que dessa vez não fiquei nessa conclusão. Li o texto que a comunidade "Empodere Duas Mulheres" publicou em seu perfil no Facebook a respeito da foto, e constatei que elas têm um ponto.

Vamos por partes. O trabalho doméstico é tão digno quanto qualquer outro, e gera milhões de empregos Brasil afora. Até porque, muitas vezes, é a única alternativa para moças pobres e sem estudo.

E é aí que está o X da questão: sim, é um trabalho digno, mas não é uma escolha. Ninguém sonha em ser empregada doméstica: sonha-se em ser advogada, engenheira, professora, atriz. Quem segue esta profissão geralmente é por que não tinha outra opção.

Assim como ninguém escolhe trabalhar durante o Natal longe da própria família, por mais bem pagas que sejam as horas extras. Carolina e Regina, ao posarem sorridentes em meio às empregadas, parecem querer aliviar a pequena tragédia que essas mulheres viviam naquele momento.

Acabaram produzindo uma imagem que é um retrato do Brasil contemporâneo, gentil e autoritário ao mesmo tempo. E este retrato não acaba aí: prolonga-se pela controvérsia que a foto gerou, com gente revoltada de um lado e, do outro, muitos dizendo que não há de mais.

Todos têm um pouco de razão, e o debate se mostra mais do que necessário. Até onde um famoso deve expor sua intimidade? Carolina e Regina foram ingênuas? Existe uma cobrança excessiva em cima delas? Além, é claro, da pergunta que não cala: que país queremos ser, afinal?

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias