Celebridades

'Fiquei subserviente, atarracada', diz Regina Casé sobre atuar em 'Que Horas Ela Volta?'

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Para Regina Casé, 61, a experiência de imersão na protagonista de "Que Horas Ela Volta?" foi um divisor de águas em sua carreira.

A apresentadora, que antes tinha a impressão de que não queria mais atuar, agora planeja voltar para o teatro e diz que "adoraria" convites para outros longa-metragens.

No filme de Anna Muylaert, ela vive a doméstica Val, um arquétipo tipicamente brasileiro. Morando na casa dos patrões, Val cuida do filho da família e ocupa o papel de "segunda mãe". O filme traz algum grau de conflito, já que, eventualmente, Val questiona as normas impostas a ela.

Em entrevista ao "F5", Regina comentou os conflitos sociais latentes no filme. "São questões muito maiores do que a sua relação com a pessoa que está trabalhando com você", afirma a atriz, que se comoveu com as críticas positivas feitas ao filme pelo mundo.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.



F5 - Como você se sentiu quando soube que o filme poderia ir para o Oscar?

Regina Casé - Na hora que a gente estava fazendo o filme, a gente percebia que tinha um potencial incrível, porque é muito atual. Fala de um assunto que todo mundo esbarra. Agora ele está fazendo o caminho inverso dos filmes que começam grandes e vão diminuindo. Começou pequeno e foi crescendo, a cada semana aumenta.

É bonito ver que isso foi feito não por uma campanha de marketing, de lançamento, mas pelo próprio filme. Outra coisa que eu achei impressionante é que a crítica fora do Brasil foi mais calorosa. Achei que ia ser o contrário.

Você tem vários funcionários trabalhando para você na sua casa. O filme mudou a sua forma de se relacionar com essas pessoas? Como foi se sentir do outro lado dessa relação?

Bom, se eu fiz daquele jeito, é porque eu já enxergava bem como era, não é?. Procurei mergulhar ao máximo em tudo que eu observei —e me angustiou— a vida inteira. Tem muitas coisas que você pode mudar nessa relação, mas outras que são históricas, questões muito maiores do que a sua relação com a pessoa que está trabalhando com você, que você não consegue mudar sozinho.

Mas tem várias maneiras de mudar [essas questões]. Os direitos agora estão mais regulamentados. Tem que ter cuidado com essa parte e ter um cuidado individual, direto, com a relação com o outro ser humano. Não acho que todo mundo tem que ser amicíssimo, pode se identificar mais com uma pessoa ou outra, ter mais afinidade. Mas tem que ter uma relação de direitos cumpridos e respeitados.

Qual sua opinião sobre o episódio em Pernambuco, do cineasta Cláudio Assis [que, embriagado, chamou Casé de "gorda" em um debate]?

Foi uma besteira, duas pessoas bêbadas falando bobagem. Mas tem uma coisa que realmente me impressionou: como que uma notícia tão minúscula, duas pessoas bêbadas falando bobagem, pôde ocupar tanto espaço? Ao mesmo tempo, tinha notícias incríveis de como o Brasil estava sendo representado fora pelo filme. Essas notícias naquela semana sumiram. Isso é ruim para o Brasil, é ruim para mim, é ruim para o cinema nacional.

Você disse que queria trabalhar mais como atriz, depois da repercussão desse filme. Quais seus planos agora? A ideia é fazer mais cinema, teatro, televisão?

Bom, eu adoraria fazer dois filmes desse por ano, que diretores me convidassem sempre com um roteiro lindo desses, com um papel maravilhoso. Esse era o meu sonho. Mas também estou com muita vontade de voltar ao teatro, de um trabalho continuado, aprofundado. A última peça que eu fiz [Nardja Zulpério] ficou cinco anos em cartaz. Você aprende tanto que quando acaba parece que você fez uma faculdade. Aprende a se relacionar com as pessoas, com a platéia, com você mesmo.

O cinema também é lindo, mas é uma experiência de dois meses, né. O teatro proporciona muito mais tempo. Já estou começando a costurar esse desejo junto a alguns amigos mais próximos.

Como você se sentiu com a imersão no personagem no filme?

O filme trouxe uma revelação para mim. Na época que eu estava viajando mais para a TV, eu nunca conseguia fazer um trabalho que demorasse. Mas as pessoas me chamavam para participar, e, como eu tinha saudades, fazia. Eu brincava que era especialista em participação especial. Aquilo foi me dando uma insatisfação. Ficava tão superficial que me dava uma impressão errônea de que eu não queria mais ser atriz.

No filme, fui em um ritmo mais sereno. Mergulhei dois meses naquele uniforme tamanho 52, aquela camiseta velha gigante, um avental de plástico, um óculos e uma touca enterrada na cabeça, com o pescoço enfiado na coluna. Depois que acabou, fiz até RPG para o meu pescoço sair de novo, de tanto que eu fiquei afundadinha, subserviente, atarracada.

Obrigada, Regina...

Não, deixa eu falar mais uma coisinha. Tem um negócio interessante que eu acho que ajudou nesse negócio do Oscar. Nas críticas mais empolgadas que eu li, eles assistiam quase como se fosse um filme do neorrealismo italiano, do Vittorio De Sica, do [Roberto] Rossellini. Pensando "ah, [a diretora] pegou uma empregada muito expressiva e botou para fazer um filme". Quando eles iam ler o release, diziam "gente, ela é uma atriz!". Muitas críticas falam isso. Isso acaba conferindo mais valor, porque achavam que eu era mesmo uma empregada. Isso já é um Oscar para mim. Enganei todo mundo.

Outra história engraçada é que quando a gente ganhou o prêmio do Sundance [de melhor atriz], pediram para Anna uma foto minha e ela pegou uma foto do "Esquenta". Aí falaram "não, eu quero uma foto da que faz a empregada". A Anna falou "ué, é ela", e responderam "não é possível, essa foto é ela há 20 anos atrás". O cara escreveu uma crítica apaixonada depois disso. Isso é bacana também.

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