Tony Goes

O aplicativo Lulu revela o quanto ainda somos machistas

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Há alguns meses, um rapaz de Goiânia divulgou na internet um vídeo onde uma garota aparece fazendo sexo oral nele. Foi o que bastou para a vida da moça se tornar um inferno: teve que largar o emprego e se trancar em casa, tamanho o "bullying" que sofreu.

Enquete: O Lulu deve ser retirado do ar?

Há algumas semanas, outro rapaz publicou na rede as fotos de uma garota de topless. Dessa vez, o desfecho foi ainda mais trágico: não suportando a exposição pública, a coitada se matou.

Esses casos provocaram enorme comoção nas redes sociais, é verdade. Mas nada comparável ao rebuliço que o aplicativo Lulu está causando. Como é que pode uma bobagem dessas gerar mais revolta --e até processos-- do que os dois casos gravíssimos relatados antes?

A resposta é simples: ainda achamos que a mulher é um objeto. Não pode ter opinião e muito menos sexualidade. Ai daquela que demonstrar sentir tesão, ai daquela que romper o pacto do silêncio. Só o homem pode fazer isto.

Crédito: Divulgação Tela do aplicativo Lulu
Tela do aplicativo Lulu

Só que a mulherada sempre trocou informações entre si sobre o desempenho e a anatomia dos marmanjos. Sempre com discrição, claro, dentro dos banheiros de restaurantes ou em conversas telefônicas. Jamais em público.

Os homens, por outro lado, nunca se privaram de medir as mulheres nos mínimos detalhes e a classificá-las como pedaços de carne. Até hoje os concursos de miss divulgam as medidas das candidatas: busto, cintura, quadris, altura, peso.

Agora, as mulheres que não ousem comentar o tamanho da única coisa que os homens possuem que merece passar pelo escrutínio de uma régua. "Tamanho não é documento", reza a lenda espalhada pelos mal dotados.

O Lulu é só mais um sintoma de que o jogo está virando. Ano passado foi a vez da trilogia "50 Tons de Cinza", best-seller mundial e unanimemente vilipendiado pela crítica.

É pornô soft sim, e daí? Não tem a menor pretensão de ser alta literatura. Foi escrito por uma mulher para excitar outras mulheres. E conseguiu, o que ainda incomoda muita gente.

Claro que o Lulu é sexista, grosseiro e inconveniente. Também são graves as acusações de que tanto ele como o ainda não lançado Tubby (a versão onde homens podem avaliar mulheres e tem nome do personagem Bolinha em inglês) não passam de truques para arrancar dados dos internautas que não querem ser examinados por esses aplicativos.

Mas é só uma brincadeira, pessoal. Ninguém vai perder o emprego nem muito menos se matar se levar uma nota baixa (aliás, a média dos brasileiros é 7,5 --dá para passar de ano) neles. Daqui a pouquinho estarão esquecidos.

No entanto, durante seus quinze minutos de fama, Lulu e similares serviram para mostrar o quanto a sociedade ainda é machista, apesar de todos os avanços das últimas décadas.

Como se não soubéssemos.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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