Tony Goes

A incrível noite em que a Globo cancelou duas novelas

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Minha mãe ficou desconsolada. "Flor do Caribe" não foi exibida nesta quinta-feira (20), tampouco "Sangue Bom". "Não tenho nada para ver na televisão!"

Não adiantou eu lembrá-la que seu pacote de TV por assinatura inclui dezenas de outros canais. Ela queria suas novelas, e ponto final.

Foi mesmo uma noite excepcional, na telinha e fora dela. A Globo surpreendeu logo no início da tarde: preferiu não mostrar o jogo Espanha x Tahiti, porque o contrato com a FIFA não permite que as transmissões das partidas sejam interrompidas para boletins noticiários.

Uma decisão ousada, ainda mais levando em conta a quantia desembolsada pelos direitos da Copa das Confederações. Sem falar que, mais adiante, a emissora também precisará compensar todos os anunciantes do torneio.

Mas ela optou por exibir um capítulo de "Malhação", e cortar quando quisesse para as manifestações que pipocavam de norte a sul pelo Brasil.

Terminada a novelinha, não foi só a programação normal que foi cancelada: também sumiu a propaganda. Que só retornou às 20h40, no primeiro intervalo do "Jornal Nacional".


Foi admirável a decisão da Globo em se transformar, ainda que por algumas horas, em seu canal de notícias na TV paga, a Globo News. Mesmo lembrando que os protestos de ontem foram os maiores e mais violentos de toda a história do país, e que portanto mereciam cobertura ao vivo (com isto até minha mãe concordou).

Muita gente perguntava nas redes sociais se a Globo teria "aderido". Afinal, décadas depois, estão frescos na memória coletiva escândalos como o do Proconsult (uma tentativa de manipulação do resultado das eleições estaduais no Rio de Janeiro, em 1982), ou o da edição tendenciosa de um debate entre Lula e Collor, em 1989, em favor deste último.

Claro que a Globo precisa sentir para que lado o vento sopra. Não pode ir contra a opinião majoritária de sua audiência, sob o risco de perder a liderança que mantém há mais de 40 anos.

Mas também há um detalhe que passa batido pelos internautas e telespectadores comuns: a casa está sob nova direção.
O novo diretor-geral da Globo é Carlos Henrique Schroder, jornalista de reputação ilibada. É natural que, sob seu comando, a emissora dê mais atenção à sua missão de informar.

Ainda assim, nos últimos dias ficou nítido que os telejornais estavam desenfatizando a violência de alguns protestos. Qualquer arruaça era causada sempre por "uma pequena minoria" ou por "um grupo não-representativo".

Ontem, a partir de certo momento, esses termos não combinavam mais com as imagens. Os apresentadores ainda insistiam que os protestos eram "pacíficos" e até "bonitos de se ver", mas precisaram mudar de tom quando as chamas de um coquetel molotov engolfaram uma coluna do palácio do Itamaraty.

O "Jornal Nacional" não teve escalada nem manchetes. Simplesmente deu prosseguimento à cobertura especial que já vinha sendo feita. E "flashes" ao vivo continuaram interrompendo os programas que vieram depois, noite adentro.

Pelo menos "Amor à Vida" foi exibida. Caso contrário, mamãe também teria ido às ruas protestar.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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