Tony Goes

"Doce de Mãe" perde o foco, mas agrada ao público

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O final do ano é a época em que a Globo costuma exibir pilotos de seriados disfarçados como especiais. Se a audiência não for boa, a brincadeira termina por ali mesmo.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com "Nada Fofa", estrelado por Letícia Spiller, em 2008, e com "Programa Piloto", com Fernanda Torres e Andrea Beltrão, em 2010 (logo em seguida a mesma dupla emplacaria o grande sucesso "Tapas e Beijos", que vai para a terceira temporada em 2013). Mas se o Ibope for favorável, são grandes as chances de uma sobrevida - ainda que curta, como a de "Batendo Ponto", com Ingrid Guimarães (2010).

Os números de "Doce de Mãe", o telefilme transmitido pela emissora nesta quinta-feira (27), ainda não foram divulgados. Mas, a julgar pela repercussão nas redes sociais, o programa agradou muito. O próprio co-diretor Jorge Furtado já esperava por isto, e disse antes mesmo da exibição que o maior obstáculo a uma continuação seria segurar o elenco, recheado de atores famosos.

Nenhum mais que a protagonista Fernanda Montenegro, que, num papel sob medida, pôde dar vazão à sua veia cômica. O "timing" e as intenções da interpretação da Fernandona estavam impecáveis como sempre. Menos feliz foi a canhestra peruca cinzenta que lhe enfiaram, numa tentativa de diminuir a jovialidade que a atriz ainda mantém aos 83 anos.

Crédito: Divulgação/TV Globo Fernanda Montenegro, de pé, é Picucha, em "Doce de Mãe"
Fernanda Montenegro, de pé, é Picucha, em "Doce de Mãe"

"Doce de Mãe" inova ao colocar uma senhora idosa no centro da trama e ao discutir um tema frequente na vida real, mas relativamente raro na televisão brasileira: o que fazer com os velhos?

A Dona Picucha do filme é uma anciã bem-humorada, sem nenhum problema grave de saúde e ainda em plena possessão de suas capacidades físicas e mentais - se bem que sujeita a uns lapsos de memória de vez em quando.

A trama deslancha quando sua acompanhante por mais de 20 anos vai embora para se casar. Os filhos discutem entre si quem vai ficar com a mãe, que diz preferir ficar sozinha. O assunto é delicado, mas o roteiro de Furtado e Ana Luiza Azevedo (também diretora do filme) o trata com leveza e humor.

Pena que, da metade para o final, esse conflito caiu para segundo plano. "Quem vai ficar com dona Picucha?" foi substituído por "quem vai ficar com Suzana?", a filha solteirona da matriarca, interpretada pela ótima Mariana Lima. A solução foi bastante improvável: um morador de rua chamado Jesus (Daniel de Oliveira), ex-aluno do falecido marido de dona Picucha.

Só nos últimos momentos que o problema original foi retomado, dando a deixa para os próximos episódios. O público certamente está interessado: choveram postagens no Facebook e no Twitter pedindo por mais aventuras de dona Picucha. O problema é "Doce de Mãe" se tornar apenas uma versão gaúcha de "A Grande Família". Os dramas da terceira idade precisam voltar à frente para o programa se manter original e pertinente.

Mas será que haverá novos capítulos? Fernanda Montenegro já está escalada para o "remake" da novela "Saramandaia", que estreia em meados do ano. Também não devem faltar convites para os estrelados coadjuvantes. O que não deixa de ser uma pena: além de escapar do eixo Rio-São Paulo, "Doce de Mãe" pode abrir uma nova frente na nossa teledramaturgia, tão obcecada por corpos sarados e probleminhas de adolescentes.

Erramos: 'Doce de Mãe' perde o foco, mas agrada ao público

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

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