"Gabriela": O que fizeste, Walcyr, de minha alegre menina?
A primeira "Gabriela", a gente nunca esquece. A minha não foi a do livro de Jorge Amado, que eu só vim a ler este ano. Foi a da novela de 1975, adaptada por Walter George Durst e dirigida por Walter Avancini.
Nunca mais a revi, nem quando foi reprisada no "Vale a Pena Ver de Novo". Provavelmente acharia tudo muito lento se a assistisse hoje, e a produção bem pobrinha. Melhor assim.
Foi este inimigo temível que a "Gabriela" de 2012 precisou enfrentar na minha cabeça. Até que eu tentei ver esta nova encarnação com olhos virgens, mas claro que não consegui. As imagens antigas me afloravam a toda hora. Eu tinha 14 anos; eu era impressionável.
Não que a "Gabriela" de Walcyr Carrasco e Mauro Mendonça Filho tenha sido ruim. Não foi. Mas foi corriqueira, certinha, quase banal. Não teve a grandiosidade do romance, nem a da primeira versão. Não vai entrar para a história.
Claro que muita coisa funcionou bem. A mais bem-sucedida, a meu ver, foi o desdobramento do assasinato de dona Sinhazinha por seu marido, o coronel Jesuíno. O crime é citado apenas no começo e no final das páginas de Amado, e ocorre no mesmo dia em que a retirante Gabriela chega a Ilhéus.
Walcyr Carrasco soube rechear a trama, mostrando as razões que levaram a beata Sinhazinha a cometer o pecado mortal do adultério. Melhor ainda foi a dor de seu marido carrasco, carcomido de saudade e remorso. José Wilker deu um show no papel, e ainda emplacou um bordão popular: "eu hoje vou lhe usar".
Carrasco também desenrolou outras histórias, misturou-as com personagens de outras obras amadianas e ainda criou situações totalmente suas. Muitas delas soaram inverossímeis, como a saga de Lindinalva ou o amor assumido do coronel Amâncio por Miss Pirangi.
Também me incomodou a simetria e a reciprocidade forçada em outros núcleos. Dona Doroteia, a fofoqueira moralista, foi desmascarada por ter sido quenga na juventude. Tonico Bastos, o don-juan grapiúna, termina como corno manso ao lado de sua agora fogosa esposa Olga. Nada disso existia nas versões anteriores.
Aliás, preciso dizer que a interpretação de Marcelo Serrado me desagradou muito. O personagem foi feito por Fulvio Stefanini em 1975 como um galã do cinema mudo, cheio de caras e bocas. Serrado parece ter querido exagerar essa linha, mas seu Tonico não tinha virilidade nem poder de sedução.
Já Juliana Paes defendeu a protagonista muito bem. Ela é uma atriz de mais recursos do que Sonia Barga jamais foi, e sua Bié soube ser leve ou densa nas horas certas. Mas teve um defeito incontornável: a "alegre menina" de Jorge Amado tinha por volta de 21 anos. Juliana tem 35.
"Protagonista" é um pouco de exagero meu. Gabriela é só um dos muitos focos do romance de Jorge Amado, apesar de estar em seu título. Na versão de 1975, a mocinha por pouco não foi a proto-feminista Malvina. Isto não se repetiu agora: Vanessa Giácomo não tem o carisma de Elizabeth Savalla, e os tempos são outros. O feminismo já foi assimilado pela cultura popular.
Disse numa coluna anterior, mas vou repetir: essa "Gabriela" não passou de uma novela das seis com mulher pelada. Foi agradável de se assistir, mas poderia ter ousado mais - coisa que a releitura de "O Astro", em 2011, conseguiu.
Agora a Globo anuncia um "remake" de "Saramandaia" para o ano que vem, neste mesmo horário. Outra novela que eu acompanhei da primeira vez. Quero só ver quem vai vencer o embate: a nova versão, ou as minhas lembranças.
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