Tony Goes

O torcedor brasileiro não sabe o que é o espírito olímpico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A Olimpíada de Londres termina neste domingo. Marisa Monte e Seu Jorge participarão da cerimônia de encerramento: tradicionalmente, artistas do próximo país-sede sempre se apresentam no final dos Jogos.

E eu sinto um frio na barriga: 2016 já está aí! Será que estaremos preparados? Não estou falando dos estádios ou da infra-estrutura. Acho simplesmente que o torcedor brasileiro não faz a menor ideia do que seja o espírito olímpico.

As duas últimas semanas renderam provas copiosas dessa minha tese. A cada fracasso nacional, as redes sociais explodiam em críticas ao desempenho dos atletas. Preguiçosos, vagabundos, imaturos emocionalmente, incapazes de resistir às pressões - e estes são apenas os xingamentos mais delicados com que brindamos os derrotados.

É um fenômeno curioso, e mais um desdobramento da maneira como a internet mudou o relacionamento dos cidadãos comuns com as celebridades. Hoje qualquer um se sente autorizado a insultar quem quer que seja, ainda mais se estiver protegido pelo manto do anonimato.

Os Jogos Olímpicos também revelam a nossa pobreza esportiva. Apesar de todos os esforços, o Brasil continua sendo o país do futebol - e só do futebol. Nosso interesse pelas outras modalidades é inconstante: geralmente só prestamos atenção quando estamos ganhando.

E tratamos tudo como se fosse futebol. Gritamos durante as provas de atletismo, que exigem máxima concentração. Organizamos batucadas, soltamos palavrões, hostilizamos juízes. Estamos, em suma, mal habituados.

Também nos acostumamos aos craques milionários, que compram carrões e vivem rodeados de mulheres. Perdoamos seus excessos, contanto que eles façam gols. Por associação, achamos que todo atleta é paparicado, e portanto tem a obrigação de trazer medalhas e troféus.

Nada mais distante da realidade dos nossos representantes em Londres. Quase todos têm origem humilde. E todos, sem exceção, treinaram duro a vida inteira, com apoio insuficiente e todo tipo de obstáculo.

As vitórias merecem ser celebradas, é claro, mas o oposto não é verdade. Não precisamos aumentar a dor dos derrotados esfregando sal em suas feridas. Muitos não terão outra chance, por causa da idade ou da falta de patrocínio.

"O importante é competir", dizia o Barão de Coubertin, o criador dos Jogos modernos. Muita gente ainda não entendeu isto, e não só os brasileiros - taí o técnico chinês reclamando do ouro de Arthur Zanetti nas argolas.

Mas precisamos deixar de encarar os demais esportes como se todos fossem futebol. Caso contrário, mesmo que tudo esteja pronto e funcionando, a Rio-2016 vai ser um vexame histórico.

Tony Goes

Tony Goes (1960-2024) nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu em São Paulo desde pequeno. Escreveu para várias séries de humor e programas de variedades, além de alguns longas-metragens. Ele também atualizava diariamente o blog que levava seu nome: tonygoes.com.br.

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias