Laerte no "Roda Viva": dúvidas e lucidez
Tem uma imagem transmitida pela TV durante o carnaval que não sai da minha cabeça. Não, não é o Dr. Hollywood carimbando os popôs das popozudas. Nem o encontro de Ivete Sangalo com Claudia Leitte no alto de um trio elétrico em Salvador, quase tão histórico quanto uma reunião entre os líderes das duas Coreias.
Não, a imagem que realmente me marcou foi Laerte na cova dos leões --quer dizer, no "Roda Viva" (Cultura). O primeiro impacto foi visual: o cartunista está abandonando o aspecto de tia, adotado nos primeiros tempos em que passou a se vestir de mulher.
Laerte agora está mais solto, mais sexy. Usava um vestido azul escuro, justo e sem mangas. Os cabelos estão mais compridos, quase evoaçantes. Laerte está se permitindo. E está podendo.
"Cova dos leões" é exagero meu. A bancada de iniquisidores era formada por amigos e simpatizantes, e a entrevista correu em clima de bate-papo. No fundo, quem mais questionava Laerte era ele mesmo.
Já o tinha visto falar outras vezes, e sempre me impressionei com sua articulação. Laerte expõe seus pontos de vista com clareza, mas também é o primeiro a admitir que não tem resposta para tudo. Parece surpreso com o proprio processo. Está descobrindo o caminho à medida em que o percorre.
Ao mesmo tempo em que se mostra lúcido e corajoso, também protege sua intimidade. Deixou escapar que hoje sua sexualidade está mais para homo do que para hétero, mas não entrou em detalhes.
Nem saciou minha curiosidade: queria saber se ainda tinha namorada. Ela estava ao seu lado quando ele se assumiu "crossdresser", no final de 2010. Era então, seguramente, a moça mais compreensiva do mundo.
Claro que um dos assuntos do programa foi a mais recente polêmica protagonizada pelo cartunista. Laerte usou o banheiro feminino numa padaria de São Paulo, uma cliente reclamou e instalou-se uma grande confusão.
Ele tem uma posição clara sobre o assunto, e está processando o estabelecimento por discriminação. Eu já não tenho opinião formada: por mais feminino que pareça e se sinta, Laerte não é mulher, nem sequer transsexual. Mas não sei em qual porta ele deveria entrar. Só não concordo com o vereador evangélico que quer criar toaletes separados para gays e travestis.
De qualquer forma, agradeço muito ao Laerte por ter provocado toda essa discussão. Sua coragem e sua trajetória fazem dele uma das personalidades mais interessantes do Brasil de hoje. Cheio de dúvidas mas disposto a enfrentá-las, Laerte está descortinando um mundo novo, e dividindo-o conosco.
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