Thiago Stivaletti

Casal gay de 'Liberdade, Liberdade' começou lá em 'Pedra sobre Pedra'

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 E finalmente rolou a tão comentada cena de sexo entre André (Caio Blat) e o oficial Tolentino (o português Ricardo Pereira) em "Liberdade, Liberdade".

Começou agressiva, com um beijo “cato nervoso”, e terminou fofa e romântica, com os dois abraçadinhos na cama.

Foi fofo, ao som de Gustav Mahler, compositor que marcou o cinema no drama “Morte em Veneza” (1971), de Visconti, uma ode ao amor gay.

Mas sexo, sexo mesmo passou longe.

Sim, sou um noveleiro antigo, e por isso sei que muito do que é considerado ousado hoje começou há muito tempo nas novelas.

Eu me lembro de uma cena de “Pedra sobre Pedra” em que Adamastor (Pedro Paulo Rangel), gerente do Grêmio Recreativo da cidadezinha de Resplendor, toma coragem e se declara pro playboy Carlão (Paulo Betti).

Em 1992, era preciso mais coragem do que hoje para assumir a paixão por outro homem no horário nobre.

 ​Uma parte do público gay ficou revoltada com a cena de “Liberdade, Liberdade” porque esperava mais “picância”.

Entendo, mas também não podemos esquecer que: 1) a TV anda tão careta que nem cena de sexo “heteronormativo” tem rolado nas novelas; 2) a TV aberta pega um público muito amplo, que inclui as tias de Matão, os tiozões do interior do Tocantins e as senhoras recatadas do interior de Minas.

Que fique claro: não acho errado e imoral mostrar o que quer que seja.

Mas, como libriano diplomático, acho que a causa LGBT tem muito mais a ganhar quando consegue conquistar o público aos poucos, sem cenas de choque que podem provocar uma rejeição tão definitiva que a pessoa nem comece mais a ver uma novela só por saber que tem personagens gays.

E nesse sentido, a cena de ontem foi, sim, positiva.

Só não dá para dizer que houve algum tipo de evolução no que a Globo já tinha mostrado.

Basta lembrar que a última novela das 23h, “Verdades Secretas”, teve uma cena que em certo sentido foi mais ousada: na cama, Anthony (Reynaldo Giannechini) dominando o estilista francês Maurice Argent (Fernando Eiras).

A câmera fecha no rosto de Argent e de repente um esguicho cai sobre seu rosto. Todo mundo pensou o que eu pensei, mas no fim era só champanhe mesmo.

Essa cena tinha um componente totalmente erótico e fetichista, com Anthony claramente explorando o poder e a riqueza de Maurice ao longo da história — ao contrário de “Liberdade, Liberdade”, em que André e Tolentino têm uma relação de amor.

O que cansa mesmo é saber que essas cenas de sexo gay podem ter até algum intuito de abrir um pouco a cabeça das pessoas — mas o verdadeiro objetivo mesmo é gerar audiência com a polêmica.

É só lembrar do beijo que não aconteceu de Júnior (Bruno Gagliasso) com um peão com quem tava rolando o maior clima no último capítulo de “América” (2005) — mas que levou muita gente a ficar na frente da tela esperando o que não veio.

Ou no beijo entre Luciana Vendramini e Giselle Tigre em “Amor e Revolução” (2011), do SBT, que a emissora fez questão de anunciar já na coletiva de apresentação da novela para subir o ibope com a expectativa.

 

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Começou a carreira como repórter na Folha de S. Paulo e foi colunista do portal UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow).

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