"Tô me sentindo péssimo. Eu não sei fazer esse programa. Relaxa, calma! Você sempre fica feliz depois de ter feito. Nossa, que 'deprê', tô gordo!" —é o que fala o "alterego" do apresentador Michel Melamed, ex-namorado de Bruna Linzmeyer, na estreia do seu "Bipolar Show" (Canal Brasil) deste domingo (8).

Envergando um terno amarelo ovo, sobre um cenário branco com bolas rosa, Melamed, que vive Ariel em "Além do Tempo" (Globo), dá início ao seu desconstruído talk show com um convidado muito especial: o ator Mateus Solano.

E Solano entrou no esquema "do avesso do avesso" que o programa propõe com visível alegria. Cantou muito bem "Latin Lover" de João Bosco 'à capella'. "Cara, você ganhou minha alma para sempre se é que você ainda não tinha!", declarou Melamed ao término da canção. "Caralho! Que homem gato, que homem lindo!", arrematou o apresentador.

Sobre o processo de trabalho de interpretação do colega, Melamed quis saber quanto por cento é o personagem e quanto por cento é o ator mesmo ali fiscalizando. "Acho que 50%, 50%... Não é?", responde Mateus. "Eu acho você um ator do caralho: 120%!", retruca o apresentador enfático.

Então Melamed oferece uma placa em homenagem a tudo de 100% que o ator representa e Solano falseia uma comoção dizendo: "Ahhh... eu odiei!", sempre comprando a brincadeira do momento. Isso acontece e num repente ambos estão num cenário em linhas geométricas preto e branco, Melamed de terno azul bandeira —retirando o excesso de oleosidade da pele com lencinhos.

"É tão cruel o que acontece [no teatro] no Brasil porque você tem um dinheiro pra você ensaiar em um mês e depois fazer apenas dois meses e aí você não desenvolve nem a relação entre as pessoas...", delata Solano num raro momento "papo sério", mas o apresentador desconstrói rapidinho: "Não dá tempo nem de pegar ninguém! Ninguém mais come ninguém no teatro brasileiro!", conclui.

"Porque até pra falar do ritmo louco que a gente tá, a gente tem que se aprofundar na porra do ritmo louco. A gente precisa entender o que é que levou a gente a chegar nesse ritmo louco. Pra onde a gente acha que esse ritmo louco pode levar a gente? Enfim...", reflete o convidado.

E aí ainda rolou o "questionário bipolar", que Mateus também tirou de letra. Mesmo a última questão: "Cu ou cão?". "Sempre o cão!", respondeu Solano sem titubear. "Nossa, quando você falou sempre achei que seria sempre o cu!", retrucou Melamed. "Sempre o cão... que tem cu também!", se safou sempre mantendo o espírito da coisa.

"Vamos fazer o quê agora?", pergunta o apresentador, que não segue nenhuma ficha visível ao telespectador. "Vamos cortar os pulsos! Acho que isso é inédito, cortar os pulsos em dupla na televisão. Fica aí a dica para as duplas sertanejas!". Ambos falseiam o corte dos pulsos e vão para o intervalo.

Na volta, Melamed descobre que Solano é judeu. "Sou judeu, cara! Só não vou mostrar aqui porque o horário não permite", argumenta o ator. "Permite! Claro que permite!", exclama Melamed, levantando-se animado. "Não, não, não.... de forma alguma. Na TV não!", afirma Mateus, categórico. "No teatro, talvez", deixou a dica. E aproveita pra manifestar-se veementemente contra qualquer fanatismo.

Antes de terminar ainda rolou um beijaço entre apresentador e convidado, que deixou o tão badalado beijo gay entre Felix e Niko ("Amor à Vida" - Globo, 2014) no chinelo. O programa encerra com um número musical de Luís Capucho: "Eu Quero Ser Sua Mãe".

É visivelmente uma tentativa de não repetir o modelo dos 'talk shows' que já andam por aí: "Bipolar Show" (Canal Brasil) é como pegar um pouco de Danilo Gentili (SBT), uma colher de chá de Jô Soares (Globo), uma pitadinha de Hebe Camargo (Rede TV), acrescentando lascas do "Vai Que Cola" (Multishow) e "Tudo Pela Audiência" (Multishow) —tudo junto e misturado, repaginado, com um visagismo 'up to date' e um apresentador carismático. A entrevista em si não acontece, mas como entretenimento, prende a atenção.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"