Renato Kramer

Joia rara em teatro paulistano: 'A Última Carta', no Espaço Contraponto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Você poderia passar mil vezes pela frente da casa número 55 da Rua Medeiros de Albuquerque (Jardim das Bandeiras - Vila Madalena) sem desconfiar que lá dentro não só há um espaço cênico impecável para o espetáculo sensível e envolvente que atualmente está em cartaz: "A Última Carta".

O texto de Paulinho Faria tem diálogos fluentes, que transitam entre a extrema naturalidade e a intensidade maior quando necessário —chegando por vezes às raias do visceral.

Uma prostituta já madura dera abrigo outrora para uma jovem que se iniciava na profissão. Esta ficou grávida, teve o filho e morreu. Tornando a sua protetora responsável pela criança. A mulher o cria sem nunca revelar o modo como ganha a vida, muito menos sobre a mãe do menino, que é colocado no seminário para ser educado e poupado da sordidez da 'vida real' de sua família.

Mas existem sempre as férias do seminário. E é numa dessas visitas à mulher que o criou, já mais jovenzinho, que o rapaz começa a desvendar segredos dos quais talvez preferisse não tomar conhecimento.

Vera Monteiro faz do espaço cênico a sua própria casa com a maior naturalidade. Vai para a cozinha, serve café, volta, lava louças, some para o banheiro, volta novamente com total domínio de cena, ritmo e intenção. O público, que se acomoda junto a algumas paredes do espaço, tem a nítida sensação de estar dentro da sua casa. Mas Vera age como se estivesse sozinha, sem esforço, sem o 'interpretar' aparente: apenas vivendo o cotidiano do seu drama interno, apenas sendo.

Denis Antunes também está perfeito no papel do seminarista desconfiado e tímido, mas que alimenta uma atração quase incestuosa pela mulher que o criou, já que ela não consegue deixar de lado a sensualidade um tanto vulgar a que está habituada em seu trabalho de tão longa data. Atuação econômica de Antunes, no ponto.

A descoberta é traumática para ambos, é claro. Cada personagem a seu modo chega ao seu limite, mas antes da separação há uma sugestão de uma cena que transita entre a vingança e a redenção de ambos: o jovem vai até o quarto da mulher e, não se sabe exatamente depois de quanto tempo e do que ocorre lá dentro —ele parte deixando para trás apenas 'a última carta'.

Afora alguns longos momentos de 'black out' —em alguns dos quais senti falta de uma leve trilha sonora, o espetáculo acontece por inteiro: o texto diz a que veio, envolve, é realista, romântico e até poético na sua forma simples de colocar o humano dos personagens à mostra. A direção, do próprio autor em parceria com Elisa Fingermann, parece ter mesmo se concentrado na essência humana desses dois personagens, entre comuns e intensos. E conseguiu um bom resultado.

O Espaço Contraponto (Vila Madalena - SP) abriga apenas 30 espectadores, os ingressos custam R$ 30 e a temporada (apenas sextas e sábados) de "A Última Carta" está programada até 29/8.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

Final do conteúdo
  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Ver todos os comentários Comentar esta reportagem

Últimas Notícias