Renato Kramer

'Consertando Frank' é um espetáculo teatral denso que vai muito além da 'cura gay'

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Muito mais do que uma sempre oportuna reflexão sobre os absurdos e criminosos procedimentos psicoterapêuticos que prometem a "cura gay" (não se cura o que não é doença), a peça "Consertando Frank" (Ken Hanes) chama a atenção para os perigos da "manipulação".

"Somos todos seres manipuláveis", lembra o premiado diretor Marco Antônio Pâmio no programa da peça, "principalmente quando nossos níveis de fragilidade, carência e insegurança atingem índices que ultrapassam o limite do suportável". E esse é o alerta maior de "Consertando Frank".

A trama gira em torno do jovem jornalista Frank (Chico Carvalho) que, persuadido pelo companheiro e psicólogo Jonathan (Rubens Caribé), disfarça-se de paciente para conseguir uma reportagem que tem o objetivo de denunciar o método de "reversão da homossexualidade" criado pelo inescrupuloso psicoterapeuta Dr. Apsey (Henrique Schafer).

O texto interliga com maestria os embates entre os três personagens, e mostra com clareza os sérios danos que um profissional mal intencionado pode causar em uma mente em elevado grau de fragilidade: a tal perigosa "manipulação".


A direção de Pâmio é precisa. Sem fazer uso de elucubrações e efeitos teatrais mirabolantes, deixa a essência do texto absolutamente clara em uma encenação limpa que valoriza sobremaneira o trabalho dos atores. O espetáculo é sensível, inteligente e diz a que veio – marca registrada de Marco Antônio Pâmio.

Para a realização do espetáculo, Pâmio contou com um time de primeira por trás das cortinas: Kiko Rieser na assistência de direção, Chris Aizner na cenografia, Naum Alves de Souza nos figurinos, Fran Barros na iluminação e Ricardo Severo na trilha original.

No palco, um trio de atores afiadíssimos. Carvalho vive um Frank à flor da pele e esbanja teatralidade ao perceber-se como peça "manipulável" na briga de egos entre os dois terapeutas. Caribé faz um Jonathan Baldwin vaidoso, emocional e bem intencionado. Schafer é um Arthur Apsey discreto, firme, ardiloso e, por isso mesmo, o maior manipulador do jogo. Ótimas atuações.

Recentemente, no dia 29 de janeiro, escrevi sobre o documentário "Stephen Fry e a Luta Gay Pelo Mundo" (2013) que o canal GNT mostrou em episódios. No episódio em questão, o ator inglês entrevista o psicólogo americano Joseph Nicolosi que criou a "terapia reparativa", com a qual afirma resolver os conflitos por trás das atrações homossexuais. Seria cômico, se não fosse trágico —parodiando o título de uma peça de Dürrenmatt.

Traduzido há mais de uma década pelo próprio Pâmio, "Consertando Frank" encontrou o momento ideal para ser montado "tendo em vista as bizarras posições ideológicas de organismos humanos como as dos bolsonaros, malafaias e felicianos de plantão", afirma o diretor.

"Consertando Frank" tem temporada prevista até 26 de abril. Imperdível.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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