Renato Kramer

'Só não consegui ainda colocar cílio postiço', explica Laerte sobre maquiagem

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O "GNT Fashion: Especial Transgêneros" desta sexta-feira (20) entrevistou o cartunista Laerte Coutinho, que levantou o debate sobre a questão dos gêneros ao se assumir publicamente como "crossdresser".

"Ela [Laerte] está em cartaz no Itaú Cultural (SP), onde ela mostra as suas tirinhas desde a época de militante do partido comunista até os dias de hoje", anuncia a apresentadora Lilian Pacce.

"A sua vida sempre foi um reflexo do que vai nos seus quadrinhos", comentou Lilian. "Ou o contrário", retrucou Laerte. "Eu sempre procurei manter uma sintonia, e nessa fase atual em que eu abri mão —quero dizer, deixei de lado trabalhar com personagens, mais ainda. Mais intenso ficou esse fluxo entre o trabalho e a vida", explica o cartunista.

"Quando você começou de fato a entrar nessa questão do 'crossdresser'?", perguntou a jornalista. "Quando eu descobri a transgeneridade em mim. Foi através de um trabalho, uma tira do Hugo. O Hugo se traveste pela primeira vez, sem desculpa nenhuma...", declarava Laerte, quando Pacce o corta: "Quem foi primeiro, o Hugo ou você?". "O Hugo", responde Laerte.

"Não tinha nenhuma farsa em jogo, ele estava só se vestindo, se produzindo e saiu na rua falando isso: às vezes um cara tem que se montar!", explica o cartunista. "Aí, uma amiga minha, a Paula, me mandou um e-mail falando: 'Escuta, isso aí não é uma coisa sua também, não? Você não está a fim mesmo?'. Eu fiquei absolutamente mexida com isso!", conta o cartunista.

"Você ficou surpresa?", quis saber a crítica de moda. "Fiquei surpresa porque era!", argumenta Laerte. "E lá estava eu nisso, começando a achar cada vez mais estranho fazer isso de forma secreta, como se fosse uma coisa proibida", comenta.

"O meu círculo de filhos, mãe, pai, é super chegado. Eu posso abrir isso para eles", refletiu Laerte. "E fiz isso! Liguei e falei: mãe, sabe aquele negócio que tem uns caras que fazem, de vestir roupa de mulher? Então, eu faço!", conta o cartunista caindo na risada. "É mesmo?", perguntou-lhe a mãe, "então eu acho que tem uma saia minha que você vai gostar, que eu não uso mais!".

Crédito: Reprodução/GNT Lilian Pacce entrevista Laerte no "GNT Fashion"
Lilian Pacce entrevista Laerte no "GNT Fashion"

"Todo o 'crossdresser' é homem vestido de mulher ou não necessariamente?", indagou Pacce. "Você está perguntando se tem mulher vestida de homem?", esclareceu Laerte. "É...também tem, claro, mas...", ia afirmando a apresentadora quando o cartunista cortou: "Não, não tem". "Mas poderia ter", insiste Pacce. "Para quê?", retruca Laerte, "Olha você: você está de paletó, calça". "Eu estou de homem? Eu sou andrógina", brinca a jornalista.

"As mulheres estão fazendo isso desde o século XIX e ninguém questiona o fato delas serem mulheres", observa Laerte. "E os homens deixaram de fazer, inclusive, um pouco antes", comenta Lilian. "Sim. O drama é a pessoa aceitar, a pessoa entender que não tem nada de errado. E quando eu entendi isso, o mundo entendeu – essa é que é a verdade", afirma Laerte.

"Hoje você é o quê? Você não é mais 'crossdresser', é o quê? Hoje como a gente define a figura Laerte? Me ajuda!", pede a jornalista. O cartunista volta a rir muito. "Essa é que é a beleza! Não precisa! 'Crossdresser' é uma coisa que as pessoas fazem, é uma prática assim como o alpinismo, sei lá o quê. Eu não faço mais isso. Eu sou assim!", coloca o cartunista com tranquilidade.

"Em termos de gênero, eu sou uma pessoa transgênera e o meu desejo aponta tanto para homens quanto para mulheres, mas nada disso precisa estar na minha carteirinha, entendeu?", ironiza.

"Vamos falar de moda", muda de assunto Lilian Pacce. "Como é que você construiu a Laerte? Estou te achando muito básica!", comenta a crítica de moda. "Muito básica, é assim que eu sou", responde Laerte. "Mas já fui pior", avisa. "Já fui mais tia, muito mais travada. Usava umas roupas muito comportadas, não usava seios. Comecei comprando calcinhas e roupas de baixo tudo, experimentando com medo. Levava para casa escondido", conta.

"É, porque na loja deve causar uma certa estranheza", comenta Pacce. "Não causa", replica Laerte. "Eu achava que causava. Eu comprava assim, um pacote de maisena, uma lata disso, não sei mais o quê e uma calcinha", relata com bom humor. "Eu gosto do assunto moda porque me interessa o modo como a roupa pode ser organizada como uma linguagem, como fazer uma história", diz o cartunista.

E confessa: "Eu gosto de saias compridas, por exemplo. Mas eu gosto de mini também". "Ah, você mostra o pernão?", cutuca Pacce. "Mostro o pernão!", responde Laerte sem titubear. "E maquiagem, como é que você foi descobrindo a maquiagem?", questionou Lilian. "Ah, também vou aprendendo aos poucos. Eu só não consegui ainda colocar cílio postiço!", queixa-se o cartunista.

"Muito vaidosa, muitas roupas, muito consumista?", perguntou Lilian encerrando. "Não. Eu erro muito", confidencia Laerte. "Como assim? Em que você erra?", quis saber a apresentadora. "Eu erro assim: compro uma coisa achando que é legal, uso duas vezes e falo: isso não me representa muito", declara. "Eu sou mulher há três anos só. Dois anos", arremata o cartunista Laerte.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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