Renato Kramer

'Achei que valeria a pena quebrar esse grande currículo de machão' afirma José Mayer

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A série "Grandes Atores" (Viva) apresentou nesta quinta-feira (5) o depoimento do ator José Mayer – o Claudio Bolgari de "Império" (Globo).

Mayer nasceu na pequena Jaguaraçu (MG), mudou-se diversas vezes e aos dez anos de idade foi parar em Congonhas do Campo (MG). Chegando lá, o ator entrou para o seminário de padres redentoristas. "Ali eu recebi toda uma formação humanística: foi onde eu conheci a arte, a literatura, o teatro e a música. Vivi sete anos e meio dentro deste seminário", conta Mayer.

"Eu torrei a minha adolescência e juventude ali, enganando os padres, fingindo que ia ser padre – porque eu não queria ser padre, mas eu precisava dos estudos. E ali eu comecei a fazer teatro e me tornei o primeiro ator daquela casa", lembra o ator. "Fui para Belo Horizonte (MG), fiz faculdade de Filosofia, Letras (Português/Francês) e, no mesmo ano que eu entrei para a faculdade (1968) eu entrei para o teatro. Sintomaticamente a minha primeira peça foi "Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come" (Oduvaldo Vianna Filho) – e foi aí que começou toda a história", declara.

E o ator lembra da reação negativa do seu pai ao saber de sua escolha profissional: "Chegamos às vias de fato. Tivemos uma briga violenta e foi isso que me fez sair de casa definitivamente. Com o passar do tempo e com a realização de trabalhos interessantes, ele viu que tinha sido uma boa escolha", afirma Mayer.

Entre 1968 e 1979 o ator fez de tudo um pouco no teatro: atuou, mas também fazia divulgação, varria o teatro e ficava na bilheteria – "Isso foi pra mim muito rico". Esgotada essa experiência de ótimos papéis e tantas funções no teatro, Mayer viu na TV Globo a possibilidade de um novo rumo para a sua carreira. "Eu vi a Globo em 79 começar com produções muito interessantes, com temática brasileira, que eram os seriados "Malu Mulher", "Plantão de Polícia", "Carga Pesada" – então eu percebi que ir para o Rio seria uma opção interessante", confessa o ator.


O seu primeiro convite para trabalhar na Globo foi para dar voz ao burro do "Sítio do Picapau Amarelo". Ironia do destino, o salário oferecido era exatamente o preço do aluguel do apartamento do ator no Catete (RJ). "Imagina você, um ator de sucesso municipal, que tinha feito "Calígula" de Camus, "Baal" de Brecht – ali, lendo o script enquanto o asno mascando o seu milho aparecia em close na câmera! O animal em close e eu off! Era terrível, não era fácil!", confidencia o galã de tantas novelas posteriores.

Na sequência, Mayer levou o seu currículo para o diretor Milton Gonçalves, que ficou impressionado com os trabalhos anteriores do ator em teatro e no cinema e observou: "E você tem cara de homem, eu estou precisando de um aqui!". Então Gonçalves lhe ofereceu uma participação em um episódio de "Carga Pesada", o Denilson Batata. "Ele sequestrava o caminhão de Pedro (Antônio Fagundes) e Bino (Stênio Garcia) e morria gloriosamente na praia de Muriqui (RJ). Na cena da morte eu estrebuchei como se daquilo dependesse todo o meu futuro e minha vida. Foi uma morte 'over', exagerada, possuído pelo desejo de acertar", lembra Mayer.

Mas a sua primeira grande oportunidade foi em "Bandidos da Falange" (1983), coincidentemente do autor de "Império", Aguinaldo Silva. "Aí mudou tudo", afirma Mayer. A sua primeira novela foi "Guerra dos Sexos" (1983), de Silvio de Abreu, no papel de Ulisses. "O meu percurso nas novelas até 1987 foi de coadjuvante, coadjuvante de bons papéis", admite Mayer.

Na sequência o ator, que fora escalado para a novela "Hipertensão" e não ficara muito feliz, pediu para o autor Dias Gomes para fazer o Zé do Burro de "O Pagador de Promessas" (1988). "Ele achou que talvez eu não fosse adequado para o papel, então eu pedi um teste e ele aceitou. O diretor Paulo José fez um teste comigo – a célebre cena da escadaria da igreja, e eu ganhei o papel. E a partir do 'Pagador' eu me tornei protagonista", conta Mayer.

"Eu sou um homem comum, de estatura mediana, feições talhadas à pedra. O teatro me deu essa máscara forte, meu pai também... E possivelmente uma certa masculinidade que exala da minha figura, a televisão tem essa percepção, não é? Esse olho da câmera percebe uma certa atmosfera, é uma coisa que não se explica muito. Mas evidentemente me escalaram para essa função porque eu tenho um pouco esse clima, não é?", argumenta Mayer.

Para encerrar, José Mayer elogia muito a colega Lília Cabral e os dois autores com quem mais trabalhou. Manoel Carlos, "um grande cronista da vida urbana que acha que as mulheres são a grande riqueza da vida, e eu concordo com ele". E Aguinaldo Silva, que "tem uma abordagem mais agressiva, mais ríspida da realidade – talvez fruto do período em que ele foi um corajoso jornalista", argumenta o ator.

"Império", do próprio Aguinaldo, "eu quis muito fazer", confidencia Mayer. "Porque a abordagem habitual da televisão da homossexualidade é uma abordagem clichê", observa o ator. "O homossexual é sempre tratado como aquele ser que imita as mulheres, caricato, afeminado. E não é essa a realidade do homossexual no Brasil e no mundo de hoje", argumenta Mayer.

E acrescenta: "Há um enorme contingente de homossexuais que não quer explicitar a sua opção sexual. Uma imensa quantidade de pessoas que continuam sendo homens, embora homossexuais – homens e mulheres", ressalta o ator. "E eu achei esse conteúdo muito interessante. Tão interessante que eu considerei que valeria a pena quebrar esse longo currículo de sedutor, machão, etc...e causar essa surpresa para o olhar do espectador. tem valido a pena", afirma Mayer que vive o cerimonialista Claudio Bolgari em "Império".

Casado com a atriz Vera Fajardo, pai da atriz Júlia Fajardo, "somos um trio formidável", o ator declara abertamente: "Eu gosto do meu trajeto. Acho que é um trajeto interessante como profissional. Ainda ambiciono algumas coisas que eu não sei exatamente quais são, mas realizado é muito ponto final para o meu gosto. Eu prefiro trocar realizado por orgulhoso do meu trajeto até agora. Mas como disse o poeta: a coisa mais linda é a que não veio ainda!", encerra José Mayer.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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