Renato Kramer

'Fico muito honrado de ser considerado uma obra-prima gay', afirma diretor de 'Tatuagem'

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O "Provocações" (TV Cultura) desta quarta-feira (3) recebeu o cineasta pernambucano premiado no Festival de Gramado (RS) Hilton Lacerda.

"Faz tempo que nós sabemos que o cinema feito no nordeste deste país é o melhor cinema do Brasil", introduz Antônio Abujamra. "Nosso convidado é uma das cabeças que pensam esse cinema nacional desde a segunda metade dos anos 1990. Roteirista de "Baile Perfumado" (1997), "Amarelo Manga" (2002), "Baixio das Bestas" (2006), "Febre do Rato" (2011) e agora como diretor filmou "Tatuagem" (2013) e venceu o Prêmio de Melhor Filme no Festival de Gramado". Ele é Hilton Lacerda!", anunciou Abu.

"Depois de tudo isso, você já se considera um dos melhores do Brasil?", perguntou o apresentador. "Cara, não. Na verdade assim por excesso de vaidade. Eu tenho uma vontade imensa de errar, eu gosto muito da dúvida", confessa Lacerda. "Então, a certeza de que eu poderia ser dos melhores já me deixa inseguro. Eu gosto muito da insegurança, é quase que uma arma para mim".

Hilton declara que sempre se interessou por dirigir, embora assuma que isso seja um risco: "Risco é", diz o cineasta, "você não tem mais em quem botar a culpa!". "Dizem que você dirige cenas fortes com muita elegância, mas sem perder a noção de que é para o povo. Explica isso para nós", pede Abujamra.

"Eu acho que tem uma coisa que faz um pouco parte do cinema feito em Pernambuco. É um pouco essa falta de pudor e uma certa mal educação no tratar as coisas —mal educação no bom sentido", explica Hilton. E quando você é muito sincero no que você faz, de uma certa forma você está conversando com o público", argumenta. "Sobre o filme 'Tatuagem', uns dizem que é um filme anarquista, outros dizem que é uma obra prima gay. Comente o que eles dizem", lhe solicita o apresentador.

"Sobre obra-prima gay... É engraçado. Exatamente assim eu não sei o que é um filme gay. Eu fui criado assistindo (Pier Paolo) Pasolini, (Luchino) Visconti —apesar de que os filmes deles não eram considerados filmes gays. Eu fico muito honrado de ser considerado uma obra-prima gay, mas eu acho que ele tem um quê de anarquista muito proposital, no sentido de usar o corpo como instrumento, como mudança", esclarece Hilton Lacerda sobre o filme premiado.

Crédito: Jair Magri/TV Cultura O diretor Hilton Lacerda, do filme "Tatuagem"
O diretor Hilton Lacerda, do filme "Tatuagem"

"Uma das marcas desse seu filme é a música 'Polka do Cu' —foi uma composição sua?", questiona Abu. "A 'Polka do Cu' eu coloco no roteiro insinuada. O diretor musical, o DJ Dolores, pegou e transformou em música, eu sou péssimo músico. A intenção do cu é muito presente. O cu como último elemento de resistência cultural. A ideia era tornar o cu um sujeito extremamente simpático", deixa claro o diretor.

"Embora não seja biográfico, foi dito que o filme projeta muita coisa sua. O quê, por exemplo?", pergunta Abujamra. "Basicamente o tempo em que eu vivia. Tem um personagem no filme, o Tuca, filho do casal principal, que tem 13 anos de idade, no ano de 1978. Em 78 eu tinha 13 anos também, mas a minha vida pessoal não tem nada a ver com os personagens do filme", comenta Lacerda.

"Você disse que o pernambucano inventou uma forma de fazer cinema. Dá para você explicar isso para os outros vinte e tantos estados brasileiros?" indagou Abu. "Quando a gente começou a produzir filme em Pernambuco a gente teve que inventar uma maneira de fazer. A gente tinha pouco dinheiro e tinha muita ambição. Talvez daí tenha surgido essa maneira de fazer filme: essa forma de ficar mais à vontade em relação aquilo que você queria —materialmente você tinha pouco, mas queria muito!", respondeu Hilton.

"Fora do universo pernambucano, você e Lírio Ferreira filmaram o documentário 'Cartola, Música Para Os Olhos' (2007). Vocês chegaram antes do que os cariocas?", cutucou Abu. "É uma pergunta engraçada...é um documentário que eu gosto muito, sempre trato como um exercício narrativo. Mas eu sempre respondo: ninguém nunca perguntou porque Nelson Pereira dos Santos dirigiu 'Vidas Secas', por exemplo. Acho que faz parte da história do Brasil".

"Vocês, cineastas pernambucanos, já ficaram ricos?", quis saber o provocador. "Não, nem um pouco", respondeu de pronto Hilton Lacerda. "Nem em artes, nem sexo à vontade, nem mesa farta o tempo inteiro...a gente parece rico, mas é muito pobre na verdade. Acho que nenhum de nós ficou rico por conta do cinema", afirmou o cineasta. "O que é a vida?", Abu não deixou de fazer a clássica pergunta derradeira. "Um sopro muito rápido", respondeu Lacerda.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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