Renato Kramer

Homens se travestem para montar peça escrita para mulheres

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O primeiro grande sucesso no teatro a gente nunca esquece. E a autora Célia Regina Forte, que originalmente escrevera o texto para quatro atrizes, viu suas "amigas" transformadas em homens travestidos e o resultado saiu melhor do que a encomenda.

Sob a direção experiente e criteriosa de José Possi Neto, já em 2007 atores do gabarito de Elias Andreato, Claudio Fontana, Romis Ferreira e Leopoldo Pacheco aceitaram o desafio de dar vida às quatro "mui amigas", pero... E os dramas, as picuinhas, as traições e o grande envolvimento afetivo das quatro vieram à tona de uma forma mais naturalmente enfática exatamente por estarem sendo realizados por homens na pele das mulheres tão diferentes entre si, porém frágeis e fortes do mesmo tanto quando necessitam.

Quando tive a oportunidade de assistir pela primeira vez, o ator Claudio Fontana (de quem só se ouviu elogios) havia sido substituído por Eucir de Souza, que fez uma Sara arrogante e poderosa: 35 anos, solteira, executiva, mas que fumava demais! Com sua bela e forte presença cênica, Eucir marcou com a sua sensual e objetiva Sara. Na montagem atual, num outro estilo, não menos marcante, está o ator Alex Gruli --transportando todo o seu carisma e poder de sedução para a enérgica e sempre bela Sara.

Débora era magistralmente realizada pelo ator Leopoldo Pacheco, e atualmente quem procura ser a mediadora das amigas estressadas é o ator Léo Stefanini que, em sua estreia, esteve coerente ao tentar colocar panos quentes nas desavenças das amigas para que a paz retornasse ao clã. Mas é uma incurável romântica e come demais!

Crédito: João Caldas/Divulgação O ator Elias Andreato em cena da peça "Amigas, Pero No Mucho"
O ator Elias Andreato em cena da peça "Amigas, Pero No Mucho"

Fram, cujo nome completo não revela nem sob tortura, já era realizada pelo ator Elias Andreato, com os requintes de uma composição rica em nuances, tornando verossímeis todos os seus trejeitos e tiques nervosos por mais acentuados que eles possam ser. Fram é histérica, já tem muito mais de cinquenta anos, mas jura por Deus que parou nos trinta. Sua roupa não lhe cabe mais, seus sapatos não lhe servem mais, seus cabelos ela não aguenta mais, resultado: é ninfomaníaca e bebe demais!!! Mas faz coisa pior! Elias está exuberante.

E então aparece Olivia, a dona de casa pacata que carrega um pesado complexo de perseguição e tem no marido Alfredo e nos filhos o sentido da sua vidinha sem muitas novidades. O ator Romis Ferreira fazia a sua Olivia com muita leveza e graça, lembrando a atriz americana Doris Day em seus filmes de "sessão da tarde". Nilton Bicudo, por sua vez, escolheu apegar-se com mais força ao seu complexo de perseguição, e ao pavor de pensar que a qualquer momento o seu castelo de cartas pode mesmo ruir. A sua Olivia é mais tensa e tem reações surpreendentes. Ela já foi rica e agora precisa dirigir uma maldita van para levar crianças para a escola e ganhar o seu. Mas isso não é nada, até ela descobrir que uma das suas melhores amigas a trai com o seu adorado Alfredo. Nada demais!? Quem seria?

A megera fria da Sara, que fuma demais? A sonsa da Débora que se faz de boazinha e come demais? Ou a mais velha de todas, a Fram, que já entregou tudo para Deus e só quer mesmo é ver o circo pegar fogo, nem que seja com o seu próprio hálito, porque bebe demais?!

Quatro grandes amigas se encontram numa tarde de um sábado qualquer e da conversa que se inicia "banal" tem início um desfecho infernal. A autora Célia Regina Forte soube dosar com ritmo e habilidade o intenso, o cotidiano brejeiro, mesclando com as picuinhas tolas que às vezes chegam até os limites mais profundos das grandes amizades. No fundo elas se amam, se perdoam... afinal são amigas, pero no mucho!

"Amigas, Pero No Mucho" entra em cartaz no próximo dia 12 de abril no Teatro Das Artes (Shopping Eldorado) --de sexta a domingo-- até 26 de maio. A trilha original foi composta por Miguel Briamonte e é executada no piano ao vivo por Jonatan Harold. A cenografia minimalista é de Jean-Pierre Tortil e os figurinos e a direção geral é de José Possi Neto.

Diversão garantida.

Renato Kramer

Natural de Porto Alegre, Renato Kramer formou-se em Estudos Sociais pela PUC/RS. Começou a fazer teatro ainda no sul. Em São Paulo, formou-se como ator na Escola de Arte Dramática (USP). Escreveu, dirigiu e atuou em diversos espetáculos teatrais. Já assinou a coluna "Antena", na "Contigo!", e fez críticas teatrais para o "Jornal da Tarde" e para a rádio Eldorado AM. Na Folha, colaborou com a "Ilustrada" antes de se tornar colunista do site "F5"

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