Quem é Maria Berklian, idosa que se deixa filmar gastando fortunas em bolsas e relógios no TikTok
Parentes da aposentada de 84 anos divulgam vídeos ostentação nas redes; compras na grife Prada em shopping paulistano renderam 23 milhões de views no TikTok
No estacionamento de um shopping paulistano, uma senhora recostada ao capô de seu Porsche Cayenne olha para a câmera e afirma, sem muita empolgação –com certa frieza, até: "Eu gosto de gastar dinheiro".
Ela tem nas mãos uma sacola da grife Chanel e, a seus pés, literalmente, repousam outras de suas recentes aquisições. Bolsas de compras de marcas sofisticadas como Burberrys e Carolina Herrera aparecem encostadas perto dos pneus, em posição estrategicamente calculada. Os logotipos estão bem visíveis. Sempre.
Pelo reflexo das lentes espelhadas dos óculos escuros, é possível notar que três jovens a filmam com os smartphones. "É bom, né?", diz, um pouco trêmula. "O que é muito bom?", pergunta um dos rapazes, instigando-a. E ela: "Gastar".
Corta para cenas da mesma mulher, agora sentadinha à frente de uma vendedora da Rolex, também dentro de um shopping de São Paulo. A funcionária da loja mostra à cliente algumas peças. Seu rosto não aparece, apenas as mãos, manuseando dois reluzentes relógios da grife. "Esse aqui está R$ 83.763 e esse está R$ 96.465. Tá barato, não tá barato?".
Para 99% dos brasileiros, a pergunta soaria como uma ironia, uma piada de mau gosto. Mas a vendedora parece saber com quem está lidando, e a senhorinha concorda. "Tá." São duas letrinhas que encorajam a profissional a empurrar mais alguns itens. "Eu vi que a senhora adora uma joia e um anel. Esse aqui é uma turmalina paraíba, custa R$ 184.470,00. Fala a verdade, não tá barato?", anima-se.
"Tá barato", concorda a cliente novamente. Tão barato que ela mandou embrulhar um anel e um relógio, assim, prosaicamente, como quem compra queijo prato e salaminho na padaria. Numa tacada só, gastou mais de R$ 200 mil, para surpresa (ou irritação) de quem assistiu às imagens, que viralizaram na web neste mês de agosto.
Os dois vídeos foram postados no TikTok de Maria Berklian, 84, e fazem parte de uma série de filmetes captados por Eduardo Berklian, 27, neto da senhora em questão. Acompanhado de uma amiga de infância identificada como Gabriela, editora de conteúdo e, às vezes, pela prima Fernanda, ele passa tardes e tardes filmando a avó comprando carros e acessórios, numa rotina de exorbitâncias raras vezes divulgada espontaneamente desta maneira, pelo menos no Brasil.
"Minha ideia é mostrar a vida boa que ela leva", admite Eduardo. Investir no nicho do vídeo ostentação foi uma ideia que ele teve para dar uma animada na vovó, ainda jururu por causa do isolamento no auge da pandemia. "Antes era shopping, restaurante e clube todos os dias. Isso acabou e ela sentiu falta", afirma o rapaz, que diz trabalhar em "comércio exterior, com a parte do agronegócio".
Não há meio termo nas postagens da plataforma digital, assumidamente criada para mostrar o estilo de vida extravagante e perdulário de Maria, apresentada ali como "a Rainha do Brasil", e "prima de Dom Pedro I". "Foi uma brincadeira, kkkk, puro meme", explica Eduardo por whatsapp, ao ser perguntado sobre o suposto parentesco com a família imperial.
Em outro vídeo, uma voz em off pergunta: "Maria, o que você gosta de fazer?". Ela reponde, como sempre, séria e claudicante: "Eu gosto de gastar. Eu gasto milhões". É por insistir em declarações assim que muita gente foi às redes perguntar: de onde vem esse dinheiro todo?
Procurada por F5, Maria tem como interlocutor justamente o neto, o comunicativo Eduardo, que blinda a senhora de aparência frágil do contato com a imprensa. Ele afirma que ela é hiperativa e "está cansada", por isso não pode dar entrevista.
Antes que seja perguntado, explica que a avó está bem de saúde mas "treme um pouco" por causa dos remédios que toma. "Não é Parkinson", enfatiza. Segundo ele, os frequentes passeios no shopping –para onde costuma ir em carro blindado, seguida por seguranças– são importantes para que ela mantenha a cabeça no lugar.
Eduardo pega para si a tarefa de contar a história de vida da avó, filha de imigrantes armênios que fugiram do país na década de 1920, quando parte da população, cerca de 1,5 milhão de pessoas, foi dizimada pelo império otomano.
Dona Maria nasceu em solo brasileiro e, segundo o neto, vive da renda de imóveis –prédios comerciais, lojas, galpões, casas, apartamentos, estacionamentos e fazendas– comprados com o dinheiro arrecadado com a venda de duas redes de supermercados da família: Canaã e Baratão. Isso teria sido há 40 anos, e o ponto inicial do negócio foi uma vendinha no Imirim, bairro com forte presença da comunidade armênia em São Paulo.
"Hoje em dia são mais de 60 escrituras", limita-se a dizer o rapaz, que alterna momentos de insegurança para contar detalhes sobre o patrimônio da família ("Será que não é perigoso?") com a frequente e planejada exposição e ostentação em alto grau nas redes, no avesso do avesso do que rezam os manuais de segurança - e de bom senso num país onde atualmente há 33,1 milhões de pessoas passando fome e 125,2 milhões com algum grau de insegurança alimentar.
Por Eduardo também é informado que a avó Maria adora comer fora, "trata pobres e ricos com a mesma simpatia", coleciona carros (entre eles, o Porsche que ela "ama", um Audi Q7 e um Chrysler 300 C), cria cachorros (Fendi, Suzi, Simba, Nala e Cleopatra; dois pitbulls, dois lulus da pomerânia e um buldogue inglês), e tem uma relação de extrema confiança com mordomo Gil, que presta serviços aos Berklian há 38 anos e "é praticamente parte da família".
Os vídeos compartilhados nas plataformas transformaram a frase "Tá barato!" num bordão de Maria, mas não por acaso. Nada é por acaso, aliás. "A primeira vez que ela falou 'Tá barato' fez sucesso, a gente viu que estava legal e pedimos para ela dizer sempre", conta Eduardo, que assegura: há uma esmagadora maioria de fãs e admiradores entre os mais de um milhão de seguidores do perfil da avó no Tik Tok, onde o vídeo das comprinhas na Prada reina absoluto em audiência: foram mais de 23 milhões de visualizações. Ali ela gastou mais de R$ 100 mil numa tarde.
Há, realmente, mais elogios e piadinhas no estilo me-adota-vovó do que críticas, mas não é difícil pinçar comentários como "Quando você quiser entender o retrato do que é desigualdade social no Brasil, assista a esse vídeo", e "O vendedor atendendo e pensando: 'Essa bolsa equivale a quase 1 ano de trabalho meu aqui'". Eduardo diz que a avó não é indiferente à crise, e cita como exemplo de solidariedade as roupas que ela costumava doar a uma igreja. "Não é problema nosso o que está acontecendo no Brasil. Ela tem o direito de curtir a vida."
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