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Bruxas do século 21 ainda usam caldeirão e chapéu pontudo, mas só fazem magias para o bem

Halloween é quando se pode sentir a presença de gnomos, diz bruxa

 
Tânia Gori, 48, que fundou a bruxaria natural e dá aulas na Universidade Livre Holística Casa da Bruxa, em Santo André - Eduardo Knapp/Folhapress
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São Paulo

A festa de Dia das Bruxas, celebrada nesta quarta-feira (31), tem como inspiração os personagens mágicos de contos infantis e de filmes de terror. Mas a bruxa com caldeirão, chapéu pontudo e vassoura não é apenas ficção. Em pleno século 21, bruxas e bruxos usam cristais, ervas e as energias dos quatro elementos da natureza para pedir por saúde, prosperidade ou abrir os caminhos para o amor. 

No Brasil, há duas linhas principais de bruxaria. A Wicca, fundada em 1950 pelo inglês Gerald Gardner (1884-1964), gira em torno da religiosidade, com o culto à Deusa (entidade suprema para os wiccanos). E a bruxaria natural, criada pela brasileira Tânia Gori, 48, em 1996, considerada uma filosofia de vida que influencia até a forma de cozinhar.

"Criei a Casa da Bruxa após estudar e entender que a história da bruxaria era muito anterior à Wicca. Há registros na era paleolítica ["era da pedra lascada"]. A bruxaria não é uma religião, mas uma filosofia de vida", afirma Gori. 

Ela defende que qualquer um pode ser mago ou bruxa já que basta apenas estudar os rituais e assimilar os conhecimentos em torno da prática. "Todo mundo tem esse dom dentro de si, alguns desenvolvem, outros não. Quando você se conecta com a natureza, com os animais, você acaba se tornando mais sensível, mas perceptiva."

​Gori ressalta, contudo, que há, sim, as bruxas mediúnicas, com poderes para prever o futuro. "Quem tem uma percepção mais fina, por exemplo, pode se torna uma ótima oraculista."

 

Para repassar seu conhecimento, Gori criou a Casa da Bruxa em Santo André (Grande SP), com uma "bruxoteca" de 2.000 livros disponíveis para empréstimos, além de produtos à venda como cristais e velas. Os livros são a base da Wicca. Nos anos 1950, o escritor e ocultista Gardner lançou uma série de romances para divulgar de maneira velada o assunto, que era proibido até 1951 e permaneceu como tabu por muitos anos. 

A designer de interiores e adepta da bruxaria natural Rosana Giannocaro, 52, sempre foi curiosa sobre religiões e filosofias e descobriu a bruxaria há 17 anos. "Passei por livros espíritas kardecistas, pela Igreja Católica e pela Umbanda, mas foi na bruxaria que encontrei mais respostas."

Autodidata, ela usa os conhecimentos no trabalho de terapeuta holística. "Sou numeróloga, taróloga, consultora de Feng Shui e aplico reiki. Também faço parte da Grande Fraternidade Branca que me possibilita fazer curas por meio do Arcanjo Gabriel”, conta Giannocaro. 

Leituras de cartas, astrologia e reiki estão entre as práticas utilizadas pela maioria das bruxas. Já os caldeirões recebem chás e poções. "Nossas avós já utilizam da magia, quando um neto dizia que estava com dor de cabeça, uma delas fazia um chá. Isso, nada mais é do que uma poção mágica, é utilizar algo da natureza para eliminar uma energia ruim. Isso é a bruxaria natural", reforça a bruxa Gori. 

Ela defende que ser bruxa dá maior empoderamento sobre a vida. Segundo Gori, a origem grega da palavra bruxa vem de "desabrochar". "Quando se tem consciência de que você pode transformar e desabrochar tudo o que você deseja na sua vida, você consegue ter motivação diária e realizar as coisas de forma mais rápida porque sabe quais energias deve trabalhar. O real poder de uma bruxa ou de um mago é a plena consciência de seu empoderamento pessoal."

Com a avó benzedeira e apaixonada pelo oculto, Marcello Pereira, 40, sempre foi estudioso de diversas religiões. "Desde pequeno, eu via que a minha avó curando as pessoas, e quando conheci a bruxaria, eu me identifiquei com a proposta", afirma Pereira, que deixou a vida corporativa para seguir a bruxaria natural e transformou sua crença em profissão há três anos.

Para Pereira, o autoconhecimento é a chave de tudo, pois existe uma energia que é sua e você pode utilizar isso de forma positiva. "A bruxaria ajuda a ver que somos responsáveis por tudo o que acontece em nossas vidas e tudo o que provocamos na vida do outro”.

VIDA DE BRUXO

O sacerdote Raul Costa, 32, da Wicca, que faz parte do site Astrocentro, explica que há muitos conceitos de bruxaria. A crença tradicional, de Gardern, foi ramificada em diferentes jeitos de se praticar a bruxaria. Na Wicca, é possível ser um bruxo solitário ou fazer parte de um coven, um grupo de bruxos com até 13 integrantes.

Costa lidera um coven e segue a roda do ano, calendário de rituais que inclui 13 lunares e 8 solares, além de rituais de cura, que são realizados nas casas dos integrantes, pois, segundo Costa, o nosso templo é o planeta Terra.. 

O Halloween é a última colheita, considerado o Ano Novo da bruxaria. "Nos tempos antigos,  havia o sacrifício de todos os animais que não estavam fortes o suficiente para passar pelo inverno, que era rigoroso demais na Europa. Eles salgavam os animais e se alimentavam deles, até para que ele não morresse sem um propósito. A morte era celebrada porque é uma passagem de volta à vida", diz Costa. 

Já a wiccana Karol Oliveira, 30, não faz parte de nenhum coven e não costuma ir a encontros de bruxos. Ela é uma bruxa solitária desde os dez anos. "Sempre fui estudiosa, li a Bíblia diversas vezes e procurando uma alternativa ao cristianismo, encontrei a Wicca", conta a analista de dados. "Antes só tinham livros em inglês e difíceis de encontrar, hoje tem a internet, então não é tão solitário assim."

VASSOURA E CALDEIRÕES GANHAM NOVOS SIGNIFICADOS

As bruxas modernas ainda usam caldeirões, chapéus pontudos e vassoura de palha, mas os elementos ganharam novo significado. A vassoura faz a limpeza energética, e o caldeirão simboliza as transformações.

"Na época da colheita, o povo celta pulava com vassouras de palha para mostrar às sementes o quanto elas deveriam crescer. Era uma brincadeira, mas de longe, parecia que todos estavam voando com suas vassouras", diz Gori, da Casa da Bruxa. 

Já o chapéu pontudo foi moda no século 2. Nos anos 1.500, foram associados às bruxas para tachá-las como inadequadas, conta Gori. "Hoje, nós vamos aos rituais com ele, porque captamos toda a energia do universo pela ponta."

Tânia Gori lembra ainda que, por quase 300 anos, a bruxaria foi conectada a mulheres feias e más, sacrifício de animais e poções mágicas malignas. De acordo com a bruxa, até a Idade Média, as curandeiras, as benzedeiras e as parteiras eram consultadas diariamente.

"Com o crescimento do clero e da Igreja Católica, essas mulheres começaram a ser questionadas. Como a Inquisição, qualquer coisa que não fosse católica era recriminada. Até Galileu foi acusado de bruxaria", afirma a especialista. 

Até a década de 1950 ainda era permitido levar uma mulher à fogueira por bruxaria. Esse renascimento da magia, da bruxaria é muito novo e, segundo Gori, faz menos de 60 anos que bruxaria ressurgiu como ela é: a ligação da mulher e do ser humano com a natureza.

Na bruxaria natural, o Halloween também é uma época de celebração. O "Samhain", como é conhecido, marca o Ano Novo celta. "É um dia em que a energia de um mundo que não conseguimos enxergar se faz presente. É quando podemos sentir mais forte a presença de fadas, os gnomos e os duendes."


Sacerdotes recomendam livros para quem quer aderir à bruxaria

“Bruxaria Natural: Uma Filosofia De Vida”, Tânia Gori (Ed. Madras, 112 págs, R$ 16,90)
“O despertar da Deusa”, Emma Mildon (Ed. Pensamento, 272 págs., R$ 32,64)
“O Livro de Feitiços e Encantamentos”, Laurie Cabot (Ed. Ardane, 432 págs., R$ 69,90)
“O Poder Mágico”, Débora Lipp (Ed. Alfabeto, 272 págs., R$ 42)

“Wicca, a Religião da Deusa”, Claudiney Prieto (Ed. Alfabeto, 305 págs., R$ 59)
“O Poder da Bruxa”, Laurie Cabot (Ed. Elsevier, 308 págs., R$ 49)
“O Livro Completo de Bruxaria do Buckland”, Raymond Buckland (Ed. Gaia, 336 págs., R$ 288)
“A Bíblia das Bruxas”, Janet e Stewart Farrar (Ed. Alfabeto, 742 págs., R$ 76,46)
“O significado da Bruxaria”, Gerald Gardner (Ed. Zoom, 306 págs., R$ 33,68)
“Técnicas de Magia Natural”, Scott Cunningham (Ed. Madras, 184 págs., R$ 22,90)

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