Hot Wheels: O mundo do fetiche por cadeirantes e deficientes físicos
Sites de encontros podem ser bem escrotos. Calma, não precisa sair correndo, isso não é mais um textão sobre as armadilhas morais do Tinder (ou qualquer que seja o aplicativo de encontros que você usa) e toda a cultura que isso supostamente criou.
Mas é verdade, né? Você cria seu perfil com todo cuidado, tenta parecer inteligente mas abordável, apaixonada mas procurando algo "leve e divertido", engraçada mas sensual. E, mesmo com todas as fotos sorridentes que você tirou na hora de criar sua conta e depois da garrafa de vinho tinto que você virou antes de escrever aqueles dois parágrafos, às vezes tudo que você consegue é uma foto em efeito granulado do pau peludo de algum mané.
Eu conhecia essas histórias de terror e pensei que sabia onde estava me metendo quando fiz meu perfil. Queria algo real, então meu perfil incluía algumas linhas comentando que uso cadeira de rodas. Achei que essa revelação funcionaria como uma primeira linha de defesa: que isso cortaria os malucos e me salvaria de um ataque virtual de genitálias de estranhos.
E eu estava quase certa: não recebi nenhuma foto de pinto. Em vez disso, alguns meses depois, a seguinte mensagem apareceu no meu inbox: "Você sempre usou cadeira de rodas? Acho tão sexy".
Vamos ver se entendi direito: adoro minha cadeira de rodas, mesmo, ela me transporta com muita praticidade. Mas sexy? Isso é ir um pouco longe demais.
Perguntei a amigos deficientes no que eu tinha pisado, e eles, veteranos do mundo dos encontros, tinham a resposta: o cara que me mandou a mensagem provavelmente era um devotado [devotee].
Devotados são pessoas que sentem tesão por deficiências. Certos aspectos da deficiência, como amputações, paralisia, fraqueza muscular e atrofia parecem sexualmente desejáveis para pessoas com esse fetiche.
Segundo meus amigos, devotados são bem comuns. Qualquer solteiro com alguma deficiência física tem muita chance de cruzar com um. Ainda assim, a ideia de uma pessoa se excitar com a minha deficiência era desconcertante e de mau gosto para mim. Então decidi descobrir mais.
Encontrei um fórum de devotados, criei uma conta e fiz algumas postagens para pedir que devotados e deficientes entrassem em contato para falar sobre suas experiências. Um número surpreendente de pessoas responderam, principalmente devotados. Apesar de suas preferências e experiências serem muito diferentes, todos disseram que achavam que os devotados eram mal compreendidos e queriam se explicar.
Para alguns, a atração tinha a ver com atributos físicos: eles gostavam do visual de membros atrofiados ou amputados. Megan*, que também possui deficiências e está num relacionamento com uma mulher com esclerose múltipla, disse que sempre gostou de olhar e sentir objetos de aparência incomum.
Como exemplo, ela apontou as mãos de lagosta do personagem Jimmy Darling, da série American Horror Story. Ela disse que as achava interessantes e sexy e que sua fascinação se estendia a membros amputados também.
Outro devotado mencionou uma característica que notou em pessoas com deficiência que tinha namorado: a personalidade. Mitch*, que já teve vários relacionamentos com mulheres com lesão da medula espinhal, disse: "Uma grande parte da minha atração é a personalidade das mulheres com LME. Não sei definir isso direito, mas uma LME muda a pessoa num nível muito pessoal. Elas tentam viver o mais normalmente possível e há algo de inexplicável sobre a visão de mundo delas, o que as torna muito atraentes."
Mark*, um inglês, tem tesão parecido: ele me disse que tinha atração pelo caráter das pessoas com problemas de locomoção e/ou usuárias de cadeira de rodas. "Acho que gosto de ver como elas lutam, a maneira como sua bravura triunfa e como os outros reagem a isso."
Perguntei se eles não achavam isso um tanto ofensivo. Eu mesmo me sentia um tanto ofendida. Claro, eles tinham que reconhecer que deficientes lutam diariamente num nível existencial, não para seu entretenimento ou inspiração. Eles não estavam glamourizando a deficiência?
Mitch desconsiderou. "Já tive relacionamentos com mulheres paraplégicas e tetraplégicas, e não há uma romantização da deficiência. Além disso, não é só a deficiência. Tenho que estar atraído pela mulher em primeiro lugar, a deficiência vem em segundo plano."
John*, um usuário de cadeira de rodas que já namorou devotados no passado, também disse que não achava isso uma ofensa. "Isso é baseado na suposição de que minha deficiência causa problemas – isso é o que é, e você precisa lidar com isso. Não vejo isso como diferente de se sentir atraído por tipos de corpos diferentes. As pessoas ficam juntas por todo tipo de atração inicial."
Sam* reconhece que muitas vezes tem vergonha, mas que se sente muito atraído por mulheres com deficiências. "Sei que vejo a pessoa além de suas deficiências, e isso não é ver os deficientes como objetos sexuais. É muito mais que isso." Ele citou várias razões para sua atração por deficientes, mas a principal da lista era poder cuidar deles. "Adoro o fato que posso ajudar alguém e quem melhor que um deficiente? Em poucas palavras, poder ajudar e ser importante para alguém é algo que me excita."
Ivan, um suíço com predileção por mulheres míopes ou deficientes visuais, ecoou esse pensamento. "Sei que essas mulheres são perfeitamente capazes de cuidarem de si mesmas, mas ainda assim... há essa 'atração' [por ser necessário]."
Admito que achei difícil ler essas respostas. Me esforço muito para ser independente, e o pensamento de alguém se sentir atraído pela minha vulnerabilidade era ofensivo. Procurei mais deficientes que não achavam devotados um problema. Queria entender por que eles não broxavam com essa ideia.
A primeira pessoa com quem conversei quase me fez mudar de ideia. Chris*, um rapaz de 19 anos com síndrome de Holt-Oram – que leva a anormalidades nos ossos dos membros superiores e problemas cardíacos – se mostrou incrivelmente entusiasmado com suas experiências com devotados. Com a atenção e ajuda deles, ele aprendeu a não ter vergonha de seu corpo. Ele não se importava que essas pessoas estivessem atraídas por sua deficiência. "Adoro que eles estejam, e isso me faz me sentir muito mais confiante."
Nate* me deu uma explicação mais detalhada. "A atração de um devotado não torna a condição pior, mas pode tornar isso melhor. Ter alguém atraído pela minha deficiência é uma das coisas boas que isso trouxe. Geralmente recebemos uma reação negativa, então é legal termos reações positivas também."
Objetivamente, entendo o ponto deles. Um das coisas mais difícil para pessoas com deficiência é sermos percebidos como assexuais – ou até pior, sermos rejeitados inteiramente porque a deficiência é vista como uma desvantagem esmagadora. Em vez de ser ignorada, eu não preferia ter alguém que apreciasse e abraçasse minha deficiência?
Fiquei pensando nisso por várias semanas. No final, eu sempre lembrava o que Lucy, uma amputada abaixo do joelho, tinha me escrito. "Fico meio incomodada quando descubro que alguém está atraído porque tenho um 'problema com o equipamento' ou, pior ainda, atraído pelo meu cotoco. Acho que isso me diminui como mulher e nega todos os esforços que fiz para retornar à 'normalidade'."
Sou muito mais que minha deficiência e acho que vou esperar alguém elogiar meu sorriso ou meu senso de humor em vez da minha "luta" ou cadeira de rodas.
Mas lembra aquela primeira mensagem sobre a minha cadeira de rodas ser "sexy"? Mitch esclareceu isso também. "Há um certo nível de atração pelos aparelhos de assistência. Assim como uma mulher entrando num carro esporte pode ser sexy, uma mulher numa cadeira de rodas elegante por ser sensual." Não é interessante?
*Os nomes foram mudados.
Leia no site da "Vice": "Hot Wheels: O mundo do fetiche por cadeirantes e deficientes físicos"
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