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The New York Times

Versão entediante do Big Brother, 'Round 6: O Desafio' foge do que a série trazia nas entrelinhas

Reality show da Netflix tem conflitos genéricos e personagens demais para criar envolvimento

Participantes de 'Round 6: O Desafio' durante o reality show - Divulgação/Netflix
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James Poniewozik
The New York Times

No final da primeira temporada de "Round 6" da Netflix —alerta de spoiler depois de 2 anos, por via das dúvidas— é revelado que um elaborado e mortal concurso entre 456 concorrentes necessitados é um entretenimento para o prazer de alguns "VIPs" ricos e grosseiros, que assistem aos procedimentos horríveis usando máscaras de animais douradas.

Você pode olhar para essa situação e ver uma dramatização da forma como um sistema decadente explora almas desesperadas. Ou você pode olhar para isso e dizer: todo esse esforço de produção e eles não conseguiram monetizar o programa para um público maior?

Para todos do último grupo, agora existe "Round 6: O Desafio". O spin-off em formato de reality, cujos primeiros cinco episódios estrearam na quarta-feira (22) na Netflix, mantém o design caleidoscópico do cenário do drama, suas roupas e muitas de suas competições. Ele se livra dos negócios de assassinato confusos —mais ou menos— juntamente com a maioria das ideias desconfortáveis.

O que resta é uma caixa de jogo lindamente projetada, mas vazia, um cosplay distópico assustador, uma resposta à pergunta sobre o que acontece quando você tira o cérebro de uma sátira televisiva sombria.

A visão de mundo do "Round 6" original, escrito e dirigido por Hwang Dong-hyuk, era tão sutil quanto um tiro. Devedores, criminosos e outros último-chanceiros são recrutados por uma organização misteriosa para competir em versões ampliadas de jogos de playground. Um jogador ganhará uma quantia que mudará sua vida; a penalidade por perder é a morte.

Por meio do protagonista, Seong Gi-hun (Lee Jung-jae), confrontamos a questão de se é possível sobreviver ao jogo e, por extensão, a um sistema econômico implacável, e ainda manter a própria alma. O comentário poderia ser direto e óbvio; "há uma diferença entre fazer referência a algo e realmente iluminá-lo", escreveu Mike Hale no New York Times. Mas o programa tinha algo a dizer e disse com estilo.

"O Desafio" mantém o estilo, com a precisão imitativa de um gerador de imagens de inteligência artificial. Ele começa com uma montagem de cenários coloridos recriados de "Round 6" e o cantarolar da gigantesca boneca robô que presidia o jogo da "Batatinha Frita, 1, 2, 3".

Esse jogo abre "O Desafio", com a multidão completa de concorrentes, vestidos com os conhecidos macacões verdes, correndo e parando em direção à linha de chegada. Aqueles que falham, movendo-se quando deveriam estar congelados, são eliminados de forma simulada, estilo execução; pequenas cápsulas explodem sob suas camisas, respingando-os com tinta preta (aparentemente, um massacre simulado de tiros é de bom gosto desde que você não use vermelho).

Eles caem "mortos", como reencenadores de guerra. Os sobreviventes são levados a uma recriação do cavernoso dormitório-prisão e explodem em aplausos. "A melhor festa do pijama de todos os tempos!", diz um deles.

Os riscos são reais, mesmo que não de vida ou morte. Para cada jogador "assassinado" falsamente, US$ 10 mil (quase R$ 50 mil) são adicionados ao pote de prêmios, representado no drama por um cofrinho gigante, até o montante de US$ 4,56 milhões (mais de R$ 22 milhões).

A ideia de basear um jogo real em um jogo falso brutal não é intrinsecamente ruim (as notícias sobre condições de filmagem "desumanas" são outra questão; a Netflix disse que "todas as medidas apropriadas de saúde e segurança foram tomadas"). Muitos ótimos reality shows gamificam situações mortais. "Survivor" é um naufrágio estilizado. "The Traitors", do mesmo estúdio de "O Desafio", é essencialmente um mistério de assassinato.

O problema com "O Desafio" é simbolizado por esses pequenos respingos de "sangue" preto. É dolorosamente literal, mas sem cor.

Ele não quer que você esqueça nem por um segundo que está visitando o maravilhoso mundo de "Round 6" —essa propriedade intelectual é muito valiosa para ser abstrata. Além de reconstruir os cenários, ele tenta reproduzir personagens da série, encontrando concorrentes para preencher os papéis de vilões cruéis, fracotes condenados e idosos simpáticos. Um grupo de aliados se autodenomina "Gganbu Gang", usando a palavra coreana para um amigo próximo que foi um termo-chave na série.

Mas "O Desafio" evita tudo em "Round 6" que corta na jugular —em particular, o comentário sobre como o capitalismo coloca pessoas comuns em combate gladiatorial. Como muitos reality shows, ele insere entrevistas com jogadores que querem ganhar o prêmio para sustentar a família ou realizar sonhos. Mas a competição é retratada como uma oportunidade, não uma exploração. "O Desafio" não quer te deixar para baixo.

Portanto, se você pegar uma competição de realidade —mesmo que seja fictícia— e mantiver sua estética enquanto retira suas ideias fundamentais, você fica, neste caso, com uma versão bem produzida e entediante do Big Brother. Há muito conflito genérico, muito tempo sem fazer nada no quarto e personagens demais para tentar criar envolvimento.

E porque "O Desafio" quer reproduzir a aparência e a jogabilidade de "Round 6" enquanto se mantém divertido (um produtor o comparou a um brinquedo de parque temático baseado em um filme), ele se torna uma bagunça tonal.

Às vezes, oferece uma visão sombria da natureza humana. Os jogadores são desprezados por cederem à pressão, e um concorrente, um "vilão" inicial na narrativa, diz: "Simpatia, é apenas uma fraqueza". Outras vezes, é pegajosamente sentimental e emocionante. Às vezes, o programa encoraja, ou pelo menos permite, a cooperação; às vezes, proíbe.

"O Desafio" consegue realizar algumas cenas emocionantes. Há uma reviravolta malvada para estabelecer as duplas que se desafiarão no jogo de bolas de gude um contra um (que também foi o ponto alto dramático da série original). Ele até consegue melhorar o jogo de pular na ponte de vidro (outros eventos, como uma substituição baseada em jogos de tabuleiro para o segmento de cabo de guerra do drama, parecem intermináveis). Mas mesmo no seu melhor, você está sempre consciente de estar assistindo a uma simulação de sala de fuga de um famoso programa de TV.

E é aí que há uma espécie de mensagem em "Round 6: O Desafio", mesmo que inadvertida: é uma lição de como o entretenimento pode apropriar qualquer declaração artística ou política. Não há distopia tão arrepiante que, com os valores de produção certos, você não possa vendê-la de volta ao público como diversão escapista.

No entanto, como "O Desafio" depende de ser uma diversão escapista, ele também não pode abraçar essa ideia meta. Talvez a maior perda nessa adaptação seja a tensão entre os jogadores e a competição em si. No drama original, o jogo era o vilão supremo, e vimos o herói finalmente se rebelar contra seus criadores sombrios.

No reality show, eu não esperaria tal satisfação. A única maneira de vencer é não assistir.

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