Minha mãe mantém a calma mesmo quando vou para o front, diz correspondente de guerra
Paola de Orte fala sobre seu trabalho em Israel, de onde traz notícias diárias para os brasileiros sobre os ataques terroristas com os quais aprendeu a lidar
Os olhos do mundo se voltaram para Israel diante dos ataques do Hamas, e a correspondente da Globo, Paola de Orte, viu sua rotina ficar cada vez mais intensa desde os primeiros bombardeios. Ela já está acostumada a correr para os bunkers nas muitas vezes em que soam as sirenes de alerta ("No sul do país é todo dia"), e sabe de cor os protocolos de segurança quando está trabalhando na rua —como se jogar no chão olhando para baixo, com o braço cruzado na nuca.
Desde 2021, ela atua como enviada da GloboNews a Tel Aviv, e o início da guerra fez com que suas reportagens também fossem veiculadas pelos outros canais do Grupo Globo, incluindo o Jornal Nacional.
Acompanhada de dois cinegrafistas estrangeiros, o holandês Joost van der Wiel e o israelense Ido Chen, Paola conta que já conhece bem a região, o que é essencial em seu trabalho. "Reportar sobre lugares que eu conheço e que não são só nomes em um mapa me dá também a confiança de que a informação que estou passando para quem assiste é fidedigna e contextualizada no tempo", afirma ela, em entrevista por e-mail ao F5.
Formada em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná, em 2008, e com um Mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, Paola mantém contato direto com a família e diz que sua mãe nunca a deixa nervosa, nem a pressiona deixar de fazer seu trabalho. "Ela sabe o quão a sério eu levo a minha missão", garante.
A seguir, ela comenta mais detalhes dos bastidores da informação e sobre como o jornalismo tem um papel fundamental em um momento de tanta tensão no Oriente Médio.
Como você virou correspondente em Israel? Foi uma opção pessoal? Sempre tive interesse em política e relações internacionais, e o Oriente Médio é uma região incontornável para quem se interessa por esses temas. Acabei focando mais na região e no conflito, sempre li muito sobre isso. Quando estava para sair dos Estados Unidos, sabia que aqui seria um lugar em que eu podia desenvolver um trabalho importante e que eu achava que poderia contribuir.
Você está há dois anos na região. Já dá para dizer que se sente, dentro do possível, "em casa"? Minha casa original é Curitiba. Nada aqui me lembra Curitiba... Talvez Tel Aviv me lembre um pouco o Rio, que é a casa que eu sempre quis ter e nunca tive. Um dia ainda vou para lá. É difícil identificar algo que me traga familiaridade para me sentir em casa, mas o que posso dizer aqui é que o povo é caloroso e relaxado, e a cultura não é tão diferente da nossa. A adaptação, para mim, foi fácil. Sinto saudades das ruelas de Jaffa quando viajo ao exterior por algum motivo. E da comida. Acho que isso é me sentir em casa.
Acha que a guerra demora a acabar? Seria irresponsável fazer uma previsão. Meu papel não é especular. Há quem diga que pode durar meses. Muita coisa depende de se o Hezbollah entrará na guerra também pela fronteira Norte.
Em média, tem ouvido quantos alertas sonoros das sirenes por dia? No Sul do país, tem todos os dias. Em Tel Aviv, em quase todos. Quando tem, geralmente é mais de uma vez ao dia. Já nos acostumamos a ouvir a sirene tocar nas ruas e no celular (um aplicativo também avisa) e correr para o abrigo.
Uma rotina pesada, que exige coragem. O duro é quando estamos cobrindo na rua... aí tem que achar um abrigo, mas nem sempre é fácil, porque o tempo é curto até o Domo de Ferro [sistema antimísseis do exército de Israel] explodir a bomba ou o foguete cair e atingir o solo. Então, às vezes é preciso se jogar no chão olhando para baixo e ficar com o braço cruzado na nuca. Às vezes, você tá dirigindo e tem que parar o carro e se jogar para fora do acostamento e deitar no chão. É uma cobertura intensa, sem dúvida.
Alguma cena te chocou especialmente? Entre estes momentos, estão as dos kibutz no Sul e do lugar onde foi a festa atacada pelo Hamas. Estar lá é como se você estivesse vendo o terror acontecer na sua frente. O cenário deixa pistas tão explícitas do que foi feito: casas explodidas, objetos pessoais quebrados, roupas jogadas pelo chão, sangue. Fotos deixadas para trás. Caminhar por aquelas ruas e entrar naquelas casas é testemunhar a destruição de vidas e de histórias.
Como funciona a captação disso tudo? Como os jornalistas não podem entrar em Gaza, minha cobertura do que está acontecendo por lá é sobretudo por celular. Recebo relatos emocionantes dos brasileiros que estão esperando perto da fronteira com Gaza, de funcionários da ONU e de outros moradores de Gaza. É impactante acompanhar o relato deles, principalmente da Shahed, que tem 18 anos e tem feito vários filmes mostrando as dificuldades de conviver com bombardeio e em meio ao racionamento.
Como costuma ser o contato com sua família? Antes de vir para Israel, fui correspondente nos Estados Unidos por quatro anos. Anteriormente, morei em Brasília. Não moro na mesma cidade que os meus pais há muito tempo, então já tinha algum costume.
Mas agora é diferente... Claro, a ansiedade sobre a guerra e minha segurança aqui muda um pouco a situação. Nos primeiros dias, recebi uma enxurrada de mensagens perguntando se eu estava bem e em segurança. Era uma pergunta difícil de responder, e não tive tempo de retornar a todos. Uma professora da 1ª série do ensino fundamental me viu na TV e escreveu, eu não falava com ela desde essa época, então imagine o tamanho do volume de mensagens.
E sua mãe? Como lida com a filha trabalhando no meio da guerra? Minha mãe tem sido excelente. Ela nunca me deixa nervosa, nem pressiona para eu voltar ou deixar de fazer meu trabalho. Ela sabe o quão a sério eu levo a minha missão, e entende meu lado. Ela mantém a calma, mesmo quando eu aviso que estou indo para o front. Só pergunta exatamente onde, vai checando durante o dia... claro, ela é uma super fã. Tudo que eu faço ela acha incrível e importante.
Quando sai de casa, o que costuma levar? Uma garrafona de água. Eu já bebia muita água, geralmente, nestes tempos então, nem se fala... e uma barrinha de proteína. Eu não tenho muita fome quando estou no "batidão". Além deles, claro, não pode faltar nunca: colete à prova de balas, capacete e filtro solar.
Sempre quis ser jornalista de TV? Eu fui, na maior parte, jornalista de texto. Fiz jornalismo porque amo literatura, minha primeira paixão. Eu queria escrever. Acabei indo escrever a realidade e a TV foi uma surpresa mais recente, de uns oito anos para cá. Uma paixão tardia, mas que me pegou de jeito. Não saio mais.
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