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Televisão
Descrição de chapéu The New York Times

Como o Big Brother sobreviveu a inúmeros ciclos na TV e se reinventou ao longo de 23 anos

Com a 25ª temporada no ar nos EUA, reality show volta a mostra força, apesar das polêmicas

Sala da casa do Big Brother Brasil 2023, no Rio de Janeiro - Paulo Belote/Divulgação
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Calum Marsh
The New York Times

Quando foi abordada pela primeira vez para apresentar o reality show de competição Big Brother, da rede de TV CBS, na metade de 2000, Julie Chen Moonves não sabia o que pensar.

A série, na qual 10 pessoas desconhecidas, selecionadas da vida real, viveriam isoladas por quase três meses sob observação contínua, para competir por um prêmio em dinheiro de US$ 500 mil (cerca de R$ 2,45 milhões, no câmbio atual), era uma adaptação de um programa holandês um tanto obscuro do qual pouca gente fora da Holanda tinha ouvido falar. Os reality shows mesmos ainda eram um conceito novo: "Survivor" (no Brasil, adaptado como No Limite), um dos primeiros reality shows americanos, só havia entrado em cartaz cerca de um mês antes que Chen Moonves, na época âncora de um programa noticioso matinal na CBS, recebesse a proposta de emprego.

"Eu estava muito confusa e, como jornalista, tinha um milhão de perguntas", ela disse em uma entrevista por telefone no final de julho. "O que é esse programa? Onde passa? Por que eu? Eu não sabia o que esperar. Imaginei que fosse uma espécie de ‘Survivor’ com ar condicionado".

O Big Brother, que estreou em 5 de julho de 2000, acaba de entrar em sua 25ª temporada. Chen Moonves ainda é a apresentadora, e "‘Survivor’ com ar condicionado" continua a ser uma descrição bastante precisa. Assim como o programa com que dividia a grade de programação da rede, o Big Brother resistiu a críticas violentas, sobreviveu a mudanças sísmicas no cenário da televisão e suportou inúmeros ciclos de tendências, tanto nos reality shows quanto na programação mais ampla da rede. Sobreviveu a centenas de possíveis concorrentes e continua a atrair milhões de espectadores a cada temporada —não apenas na decadente TV aberta mas, mais recentemente, como um sucesso surpreendente do streaming no serviço Paramount+.

O sucesso contínuo do programa —a estreia da 25ª temporada, em 2 de agosto, foi a atração televisiva mais assistida daquela noite— é uma boa notícia para a CBS, especialmente neste momento: com a paralisação das negociações trabalhistas entre os estúdios de Hollywood e seus sindicatos de roteiristas e atores, as redes estão ainda mais dependentes de reality shows como Big Brother para obter conteúdo novo (a maioria dos postos de trabalho em reality shows está sujeita a contratos coletivos de trabalho diferentes).

Tudo isso levanta a questão: Como o Big Brother conseguiu não apenas permanecer no ar, mas além disso prosperar?

A primeira temporada do Big Brother foi um exercício de voyeurismo televisivo grosseiro e um tanto lascivo. Os participantes, definidos como "hóspedes" da casa do programa, eram filmados 24 horas por dia enquanto realizavam tarefas domésticas, conversavam e estabeleciam relacionamentos sociais (e, às vezes, românticos). Não era muito diferente do protótipo de reality show da MTV, The Real World, que estreou em 1992 e teve um breve auge na década de 1990. A cada semana, um hóspede da casa era selecionado por votação do público para ser "despejado" e retirado da competição, até que restasse apenas o vencedor.

Embora a temporada tenha apresentado "números sólidos", informou o The New York Times em agosto de 2000, o sentimento predominante na emissora era de que faltava tensão, e muitos executivos seniores da CBS ficaram desapontados com o programa e seus índices de audiência. Para a temporada seguinte, no terceiro trimestre de 2001, a CBS contratou a produtora executiva Allison Grodner "para renovar a equipe criativa", explicou ela em uma entrevista recente, "e criar um formato que fosse um pouco mais amigável para o público dos EUA".

"Decidimos inverter o sistema do jogo e fazer com que os participantes votassem para eliminar os colegas", ela disse. "Isso criou uma máquina muito bem azeitada de contar histórias dramáticas —uma mudança completa com relação à primeira temporada".

Ao reimaginar o programa como "uma mistura de reality show e novela", na descrição de Grodner, ela criou uma nova competição semanal dentro da série, chamada de Head of Household (líder da casa), que alteraria o equilíbrio de poder e ajudaria a determinar que participante seria o próximo a ser eliminado.

Já que os jogadores não precisavam mais apelar para o público em busca de votos, o jogo deixaria de ser um concurso de popularidade: os participantes teriam que navegar pela hierarquia do grupo e manobrar com cuidado para evitar o que eles descreviam como "a tábua de corte", onde corriam o risco de serem expulsos repentinamente. Alianças eram formadas e traídas; os jogadores se envolviam em lutas surpreendentemente complexas pelo poder. E o programa, que em sua primeira temporada havia sido considerado um tédio, se tornou instantaneamente fascinante.

O novo formato funcionou tão bem que, com exceção de alguns refinamentos superficiais, não foi alterado desde então. "O mecanismo do jogo é muito sólido e oferece comédia, drama e tudo o que se pode desejar de um programa", disse Rich Meehan, veterano produtor executivo da série, em uma entrevista por telefone. "Mesmo quando estamos desenvolvendo reviravoltas, é sempre no mesmo mundo, com o mesmo tipo de jogabilidade."

O que muda a cada temporada é o elenco. Um dos prazeres de assistir ao Big Brother é descobrir de que maneira um novo grupo de indivíduos vai enfrentar os desafios que o público conhece tão bem. Os convidados com abordagens exclusivas ou estratégias sutis são aclamados pelos fãs e coroados com rótulos como "jogadores" (aqueles que se destacam nas competições) ou "plantas" (aqueles que deliberadamente evitam chamar a atenção). Os convidados da casa que fazem ou dizem coisas questionáveis são criticados e, muitas vezes, atacados publicamente nas redes sociais por seu mau comportamento. Quase todos eles saem do programa com algum nível de fama (ou notoriedade) que não tinham ao chegar.

Quando a participante Britney Haynes foi escolhida para deixar a casa no final da 12ª temporada do Big Brother, em 2010, ela achou que era porque transmitia uma imagem de tédio e porque sua aparência não era atraente. Em lugar disso, no final da temporada, ela foi eleita como America's Houseguest – essencialmente, a escolha do público de jogadora favorita. Assistir à série, disse ela em uma entrevista recente, foi "insanamente diferente" de vivenciá-la.

"Quando você está lá dentro, realmente não tem ideia do que está fazendo; nada do que você está retratando, apresentando ou tentando fazer está de alguma forma relacionado ao que o mundo exterior vai pensar sobre você", disse Haynes. "Eu achava que era uma pessoa completamente sem graça. Achei que ficaria no ar por cerca de 20 segundos. Foi um choque total ganhar aquele prêmio —quase tão bom quanto ganhar o dinheiro. Sinceramente, fiquei chocada com o fato de alguém saber quem eu era."

Outros convidados tiveram menos sorte. Minutos antes de ser escolhido como o vencedor da 21ª temporada, em 2019, o participante Jackson Michie foi questionado ao vivo na televisão para responder a acusações de que a maneira pela qual se comportou em alguns momentos da temporada demonstrava racismo e sexismo. Ele se defendeu, mas parecia abatido quando subiu ao palco em meio a explosões de confete por sua vitória (mais tarde, Michie se desculpou e admitiu a culpa). Depois que uma convidada chamada Aaryn Gries foi flagrada pelas câmeras fazendo comentários racistas e homofóbicos, ela foi interpelada por Chen Moonves durante sua entrevista de saída.

"O assunto se tornou pessoal para mim", disse Chen Moonves. "Mas eu queria dar a ela a chance de se explicar. Ela era jovem."

O racismo vem sendo um problema recorrente no programa. Não se trata apenas do fato de que alguns participantes tenham sido gravados dizendo coisas racistas: historicamente, os participantes negros têm encontrado dificuldades para progredir no Big Brother, e ex-participantes negros disseram se sentir alvos para serem eliminados prematuramente. As tentativas de diversificar o elenco nem sempre ajudaram: durante a 21ª temporada, em 2019, quatro dos cinco participantes não brancos foram eliminados nas primeiras cinco semanas.

Em 2021, depois de mais de duas décadas no ar, o Big Brother americano finalmente coroou seu primeiro vencedor negro. O marco veio depois que os membros de uma aliança totalmente negra conhecida como "The Cookout" navegaram com astúcia no jogo, mantendo suas verdadeiras lealdades em segredo. Xavier Prather venceu o segundo colocado, Derek Frazier, para levar o grande prêmio de US$ 750 mil (quase R$ 3,7 milhões).

Prather sabia muito bem que, como jogador negro, enfrentaria uma batalha árdua. "Era algo de que eu tinha consciência", ele disse em uma entrevista recente. "Sou um homem negro atlético de 1,88 m e 90 kg —não posso abordar o jogo da mesma forma que um homem branco magrinho de 1,78 m, porque somos vistos de forma diferente."

"Presumir que eu poderia abordar o jogo da mesma forma seria o mesmo que presumir que eu poderia abordar a vida da mesma forma", continuou ele. "O Big Brother é literalmente um reflexo da nossa sociedade, e isso é algo de que todos os membros do Cookout estavam conscientes e sobre o que tinham um entendimento tácito."

Em sua temporada, Prather estava determinado a "garantir que o Big Brother coroasse seu primeiro vencedor negro", disse. "Se fosse eu, ótimo. Se não, eu queria que isso acontecesse de qualquer maneira." A temporada seguinte foi vencida por Taylor Hale, uma mulher negra.

Por enquanto, disse Prather, "fizemos progresso".

Essas controvérsias e vitórias sociais tiveram aparentemente pouco efeito sobre o sucesso do Big Brother. Os índices de audiência flutuam em uma faixa consistente e geralmente favorável. A CBS está suficientemente satisfeita com o programa para continuar a renová-lo, mas apenas uma temporada de cada vez. E embora a longevidade da série tenha silenciado algumas das críticas mais superficiais —Chen Moonves disse que "os esnobes e os maldosos pararam de nos chamar de modismo"–, a idade da série não exatamente lhe valeu prestígio ou elogios da crítica.

"Isso fica evidente em todas as nossas muitas indicações ao Emmy", disse Grodner secamente (a série nunca foi indicada). "Temos nossos fãs, mas ainda somos o patinho feio do mundo do entretenimento."

Por quanto tempo o programa pode continuar? Mesmo depois de 23 anos, seus criadores não têm certeza, mesmo que as greves continuadas tornem os reality shows mais valiosos para as redes. "Eu sempre me pergunto, todo ano, se o programa voltará" disse Grodner. "A CBS sempre nos apoiou. Temos uma base de fãs incrível. Mas nada nunca esteve garantido. E ainda não está."

"Ao longo dos anos, vimos programas dispararem e depois despencarem, dispararem e depois despencarem", disse Meehan, o produtor executivo. "Nunca fomos esse tipo de programa. Somos sólidos. Somos apenas um programa estável que funciona."

Tradução de Paulo Migliacci

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