Camila Pitanga diz que ligou para Gilberto Braga para fazer papel de Bebel
Personagem foi destaque em 'Paraíso Tropical', que volta ao ar
Personagem foi destaque em 'Paraíso Tropical', que volta ao ar
Bebel, uma das personagens mais marcantes da carreira de Camila Pitanga, 44, quase não foi interpretada pela atriz. Mariana Ximenes, 40, foi o primeiro nome pensado pelo autor Gilberto Braga para fazer a prostituta ambiciosa e sem caráter de "Paraíso Tropical" (Globo, 2007).
Quando a atriz declinou, cansada por emendar uma novela atrás da outra, Pitanga foi o nome sugerido pela direção da emissora para substituí-la. Braga, porém, não se convenceu logo de cara por avaliar que ela era muito elegante para o papel.
"Eu achava que a Camila Pitanga não era capaz de fazer a Bebel porque não é safada –e não é mesmo, é boa moça", disse o escritor ao livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia”, do Projeto Memória Globo.
A controvérsia chegou aos ouvidos de Pitanga que, incentivada por colegas de trabalho, não teve dúvidas: pegou o telefone e ligou para o autor, que escreveu a novela ao lado de Ricardo Linhares. "Foi nessa conversa que eu acho que ganhei a Bebel", lembra Pitanga, aos risos, em entrevista ao F5.
"Não foi uma conversa extensa", afirma. Pitanga recorda mencionar estar muito animada para se desconstruir e vestir a máscara da personagem. Mais do que os argumentos apresentados, ela diz acreditar que conseguiu o papel por ter demonstrado que queria fazê-lo.
"Foi na base do afeto, do desejo, do querer, e de eu declarar o meu querer. Eu nunca tinha feito isso antes [de ligar para um autor pedindo um personagem]", destaca.
O resto é de conhecimento geral. A Bebel de Camila Pitanga foi muito além da vilã "cachorra" e sem escrúpulos. Ao mesmo tempo batalhadora e muito engraçada, a prostituta caiu nas graças do público com os seus inesquecíveis bordões "catiguria" e "cueca manera".
E, ao lado de Olavo, vilão sedutor interpretado por Wagner Moura, 45, roubou a cena da novela e do casal de mocinhos Paula e Daniel (Alessandra Negrini e Fábio Assunção). Curiosamente, assim como Pitanga, Moura também não foi o primeiro nome pensado pelo autor para dar vida ao cafajeste —Gilberto Braga queria Selton Mello, 48, mas o ator recusou.
Nessa mistura de acasos —segundo Camila Pitanga, o próprio romance entre Bebel e Olavo não estava previsto na sinopse original da trama— se fez um grande sucesso que, 14 anos depois, será reprisado pela primeira vez. "Paraíso Tropical" vai ao ar no Viva, a partir desta segunda (5), substituindo "A Viagem" (1994).
"Eu estou muito animada com essa reapresentação. É uma forma de contemplar as pessoas que são fãs de Bebel, do meu trabalho e que já reclamaram muito comigo. Elas me mandavam: 'por que a novela não aparece no Vale a Pena Ver de Novo?', como se fosse eu que decidisse", relata, em tom bem-humorado.
Será também, completa ela, uma oportunidade de uma nova geração conhecer a trama, em um mundo bem diferente de 2007, quando as redes sociais ainda não tinham a força dos dias atuais. "Que venham muitos memes, tiktokers, eu vou achar divertidíssimo", afirma a atriz.
Uma cena de Bebel já se tornou viral. O momento tem uma certa inspiração em "Uma Linda Mulher", o já clássico filme com Julia Roberts e Richard Gere de 1990, mas com o tom de deboche que marca a prostituta carioca. É quando, vestida de forma muito elegante, a personagem participa de uma festa chique. Para não denunciar sua falta de etiqueta, ela é orientada a dizer uma úncia frase durante todo o evento, repetida à exaustão: "que boa ideia esse casamento primaveril em pleno outono".
A cena é uma das preferidas de Pitanga, que lista alguns fatores para tentar explicar o sucesso da personagem. O primeiro deles, pontua ela, é que a trama evidencia toda a batalha de Bebel. "O dia a dia dela no calçadão, passando humilhação, frio, lutando para sobreviver, as dificuldades que ela enfrenta com o cafetão Jáder (Chico Diaz). Eu acho que humanizou, mostrou um lado da condição social mesmo de muitas mulheres", avalia.
O segundo fator é o tom cômico que surge dos embates com Jáder. "Mesmo na rivalidade entre eles, começaram a surgir ali os bordões 'cueca manera', 'catiguria'. É uma coisa popular, que ri de si mesma, meio orgulhosa e engraçada."
Por fim, há a história complicada com Olavo, um romance "meio atravessado", que ganha a simpatia do público. "Ela queria mesmo o dinheiro dele, e ele só queria o corpo dela. Eles eram babacas um com o outro. Só que no pano de fundo, havia um tesão e um amor real entre eles, que foi ganhando corpo, ganhando terreno e foi se tornando essa coisa engraçada."
"Virou uma comédia romântica. Os dois viraram dois clows, dois palhaços", complementa. "Era muito divertido fazer."
Será que, diante da onda conservadora que tomou o Brasil nos últimos anos, Bebel e Olavo voltariam a fazer sucesso em uma novela no horário nobre? Camila Pitanga diz acreditar que sim. Para ela, a trajetória da personagem não é contada de forma estereotipada nem romantizada, mas gera identificação por ser uma história da condição humana.
"Acho que essa onda conservadora é uma onda que grita muito alto, mas não é a maioria. O povo brasileiro não é assim em sua maioria. O brasileiro é solidário, amoroso, gosta e tem muito respeito pela luta das pessoas", opina.
A atriz conta que para fazer o papel participou de rodas de conversas com prostitutas de diferentes esferas sociais, desde a que fica no calçadão até a acompanhante de luxo. Também esteve em contato próximo com Gabriela Leite, ativista dos direitos das prostitutas e fundadora da grife de roupas Daspu, que morreu em 2013.
"A grande luta dela era para que esse trabalho de prostituta tivesse mais garantias de saúde, de proteção social. Quanto mais seguro e cuidadoso for esse campo é bom para todo o mundo, mas avançamos pouco nisso nos últimos anos", lamenta a atriz.
Pelos papéis de Bebel e Olavo, Camila Pitanga e Wagner Moura ganharam o prêmio de melhor ator e atriz de televisão de 2007 da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) —ela dividiu o troféu com Jussara Freire ("Vidas Opostas", Record), e ele com Marcelo Serrado (por "Vidas Opostas" e a série "Mandrake, da HBO).
"Paraíso Tropical" foi eleita também a melhor novela do ano. Pitanga ressalta que a trama teve também outros destaques. "Não é só a Bebel", reforça. Ela cita como exemplo as participações de Hugo Carvana (1937-2014) e Yoná Magalhães (1935-2015) como o casal Belisário e Virgínia, além de Vera Holtz, 67, como a promoter Marion Novaes, que tem uma relação complicada com o filho Olavo. "A novela tem muita coisa boa, vou adorar rever", conclui Pitanga.
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