'Órfãos da Terra' cumpre papel de falar sobre refugiados mas deve terminar com pouco impacto
Metade da trama ficou presa a vilanias ingênuas, segundo críticos
A novela “Órfãos da Terra” (Globo) começou com tudo em abril. Imagens documentais e realistas sensibilizaram o público para a causa dos refugiados. O romance quase proibido de Laila (Julia Dalavia) e Jamil (Renato Goes) e a luta do casal contra o vilão Aziz (Herson Capri) conduziu a história dos árabes que fugiram da guerra para o Brasil.
A audiência começou perto dos 22 pontos no Ibope e manteve essa média em São Paulo (cada ponto equivale a cerca de 72 mil domicílios na Grande SP) e em nível nacional, segundo dados divulgados pela Globo . Os índices são melhores do que a antecessora, “Orgulho e Paixão”, e “Espelho da Vida”, que fechou antes dos 20 pontos. Outra estratégia que deu certo foi a exibição de um capítulo antecipado da novela pela plataforma Globoplay, que garantiu a audiência de quem não chega em casa a tempo de ver a trama das seis.
Apesar dos bons números, a história foi se perdendo já em meados de maio. Com a morte precoce de Aziz, a vilania foi herdada por Dalila (Alice Wegmann), que passou os dias (ou capítulos) bolando maldades infantis contra os mocinho, segundo defendeu o crítico do UOL Maurício Stycer. “Teve direito a todos os clichês, como golpe da barriga e falso teste de DNA”, lembrou o crítico no mês passado. Já Laila também se perdeu e “ficou só sofrendo”.
A identidade das autoras da novela Thelma Guedes e Duca Rachid, que selaram sucessos como “Cordel Encantado” (2011) e “Joia Rara” (2013), não estão reconhecidas nessa história, segundo Claudino Mayer, especialista em TV e professor da Universidade Federal do Mato Grosso.
Ele conta que a dupla criou a história para ser exibida no horário das 21h, depois das 23h, e acabou voltando para as 18h. “Nisso, elas se perderam um pouco e acabaram usando recursos que o Walcyr Carrasco faz muito bem, lembrando que a Thelma foi colabora dele por muitos anos”, conta Mayer. Ele cita a briga por causa dos cachorros entre Osmar Prado e Flavio Migliaccio, o romance da mulher mais velha, Letícia (Paula Burlamaqui) com o Benjamim (Filipe Bragança), o Alzheimer de Mamede.
No entanto, o que mais prejudicou o andamento da trama foi a ingenuidade na construção da vilã Dalila. “Ela fazia planos cheios de falhas e nem a polícia conseguia descobri-la. Foi muito ingênuo e simplista”, avalia o professor.
Uma marca das autoras que foi original foi a questão do casal protagonista Laila e Jamil não estar em busca do amor mas tê-lo encontrado logo no início da trama. “O público ficou fiel para torcer para que o casal continuasse junto, apesar de todas as investidas da vilã”, lembra o especialista.
Há quem defenda o perfil de Dalila, no entanto. Essa vilania mais ingênua é característica de uma trama das seis, na opinião de Mauro Alencar, especialista em teledramaturgia e pós-doutorando da Universidade Católica Portuguesa. “A novela tem a característica documental –como que saída das notícias de jornal–e folhetinesca, pois, por mais documental e realista que se pretenda, é uma criação literária, dramática, uma encenação. Daí a presença da vilania, por sinal, muito bem posta de acordo com uma trama destinada a esse horário”, afirma.
O sucesso do núcleo cômico é um opinião unânime. As brigas de vizinho entre Bóris (Osmar Prado) e Mamede (Flavio Migliaccio) trouxeram a leveza necessária a uma trama que já trata de um tema mais pesado, que é o refúgio. As duas famílias brigaram por causa de seus cachorros e pelo amor proibido de seus netos, Ali (Mouhamed Harfouch) e Sara (Verônica Debom), que ganhou um toque ainda mais engraçado com Ester (Nicette Bruno) e seu filho Abner (Marcelo Médici), que não conseguem dar certo em emprego nenhum. Um das últimas investidasd dele foi trabalhar em uma agência funerária, o que rendeu boas cenas hilárias.
O fim da trama, marcado para esta sexta-feira (27), é um verdadeiro mistério, mas não promete grandes emoções. “Não há muita escapatória, algo terá de acontecer com a Dalila, mas os demais devem seguir felizes para sempre”, define Mayer.
Com diversos casais já bem resolvidos, como Marie (Eli Ferreira) e Bruno (Rodrigo Simas), e Helena (Carol Castro) e Hussein (Rodrigo Cabrerizo), só deve restar a resolução final para Missade (Ana Cecília Costa) e Elias (Marco Ricca), que viveram um triângulo amoroso um pouco meio sem sentido no meio da trama, por causa da paixão histérica de Helena.
TUDO POR ALGUMAS CAUSAS
O principal tema da novela, os refugiados, foi um dos pontos mais bem avaliados da trama, principalmente pelo tom realista dado ao sofrimento dos personagens principais. A família liderada por Missade (Ana Cecília Costa) e Elias (Marco Ricca) perdeu um filho criança no bombardeiro e atravessou os mares em botes.
“Essa novela está inserida no rol das tramas documentais, registro fidedigno desse caótico período histórico em que estamos vivendo, sem abrir mão do exemplar folhetim. E certamente deverá ser produto artístico e social a impactar plateias do mundo inteiro que, em franco processo de globalização, tem a necessidade intrínseca de compartilhar as aflições e resoluções de todos os povos”, avalia.
O tom realista continuou quando a história migra para o Brasil. O Instituto Boas Vindas, coordenado pelo padre Zoran (Angelo Coimbra), deu voz a refugiados de verdade, e as histórias e declarações se mantiveram até os últimos capítulos. “Essa temática foi muito bem discutida, tiveram romances entre brasileiros e estrangeiros, depoimentos”, lembra Mayer se referindo ao amor de Teresa (Leona Cavalli) e Jean (Blaise Musipère).
Atores refugiados na vida real, que vieram para o Brasil refazer suas vidas também fizeram parte do elenco, como Kaysar Dadour, Blaise Musipère, além de nomes envolvidos na produção e preparação de atores da novela. Benjamim (Filipe Bragança), no capítulo desta última quarta-feira (24) ainda lançou um game chamado Órfãos da Terra, em prol a causa dos refugiados.
AMOR SEM GÊNERO COM OU SEM BEIJO
Uma boa reviravolta da trama das seis foi o romance inesperado entre Valéria (Bia Arantes) e Camila (Anaju Dorigon). As duas que se aproximaram pelo amor ao dinheiro, acabaram se apaixonando. Para o crítico Claudino Mayer, foi importante retratar o romance de duas mulheres bonitas e femininas, sem marcar nenhum estereótipo sobre o tema.
Para Bia Arantes, foi importante trazer todos esses temas reunidos em uma só novela. “Sinto que a história conseguiu abranger diversas temáticas relevantes não só para o Brasil, mas para o mundo! Me sinto honrada em fazer parte de uma trama que pode celebrar o valor do amor, independente da orientação sexual. Cada vez que a arte fomentar debates urgentes, mais conseguiremos sensibilizar corações”, defende a atriz.
A falta do beijo do casal, no entanto causou polêmica. A própria emissora divulgou, em notícia publicada no site Gshow, que as duas selariam um pedido de casamento com um beijo apaixonado. Na cena, a ruiva iria presentear Camila com um anel de brilhantes e se declarar: “Camila Nasser, eu te amo! Quer casar comigo?” A amiga vai achar que é só uma brincadeira, mas Valéria será categórica: “Nunca falei tão sério na minha vida. Eu quero me casar com você. Aceita?”.
Só o beijo não rolou e a emissora afirmou que a cena não foi exibida por “uma decisão puramente artística”. Os fãs da novela protestaram nas redes sociais e o casal, que passou a ser chamado de “Vamila”, ainda pode ter chance de demonstrar seu verdadeiro amor na televisão. Colunistas especializados em TV, afirmam que a cena pode acontecer no último capítulo da novela, no casamento das duas belas atrizes.
“Mais do que o beijo, penso que toda troca de afeto até aqui é bem valiosa na relação delas. Para Valéria, sinto que esse amor com Camila é como uma forma de aperfeiçoamento da sua pessoa, que tinha um olhar mais torto e ganancioso para as questões da vida e das relações, mas ao encontrar Camila e viverem esse romance, acredito que isso tornou a vida dela mais leve. Isso é muito bonito e marcante. Podemos sempre impactar de forma positiva a vida daqueles que nos cercam”.
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