Milli Vanilli: O maior escândalo do mundo da música sob a ótica de quem o protagonizou
Aos 57 anos, Fab Morvan fala sobre ascensão e queda da dupla que angariou fãs ao redor do mundo, antes de ter fraude exposta e o único Grammy revogado na história da premiação
O ano era 1989. Se você estava vivo, provavelmente ouviu uma música do Milli Vanilli na rádio em algum momento. Após estourar na Europa no ano anterior, o duo pop desembarcava nos Estados Unidos, onde emplacaria três singles no topo da lista Hot 100 da Billboard. Ao todo, seriam 78 semanas sem sair das paradas de sucesso.
No ano seguinte, Fab Morvan e Rob Pilatus (os nomes que davam rosto à dupla) ainda ganhariam o Grammy de artistas revelação, carimbando de vez o nome na história da música. Só não da forma que imaginavam. Pouco tempo depois, um escândalo abalaria de forma irreversível a imagem de ambos: o empresário deles, Frank Farian, convocaria a imprensa para revelar que a voz ouvida pelos fãs em shows e gravações nunca foi deles.
O Milli Vanilli precisou devolver o Grammy —o único revogado até hoje pela Academia da Gravação, que promove a premiação— e o caso ficou conhecido como "o maior escândalo do mundo da música". Esse, inclusive, é o subtítulo de um documentário que, agora, repassa essa história e está disponível no serviço de streaming Paramount+.
Aos 57 anos, Morvan é hoje um pai de família que leva uma vida bem mais pacata que a experimentada naquele período. Ao F5, ele diz que está feliz de dar sua versão dos fatos, algo que na época ninguém quis ouvir. "Eu finalmente pude contar a minha história", comemora.
Para ele, desabafar teve um efeito terapêutico. "As feridas emocionais foram curadas", conta. "Eu cresci, evoluí como pessoa e como artista, e hoje vivo cercado de amor em casa. Aprendi com os meus erros, e acho que o documentário é sobre isso."
Morvan diz que a ideia de enganar o público foi de Farian e que a dupla, inicialmente, não sabia que não iria cantar. "Ele foi o criador do Milli Vanilli, foi ele quem premeditou tudo e separou todo mundo que fazia parte do projeto para que não pudéssemos falar uns com os outros para tentar mudar o que estava acontecendo", afirma. "Ele estava no controle de tudo."
Farian, que se recusou a gravar para o documentário, continuou com sua carreira de produtor musical normalmente depois do escândalo. Já Morvan e Pilatus foram execrados pela imprensa da época. Questionado sobre a diferença de tratamento e se isso poderia ter algum componente racista, ele responde: "Tento não usar a carta do racismo, mas onde há fumaça sempre há fogo".
"Mesmo 30 anos depois, ainda tem gente que se mantém calado sobre o assunto", conta. "Nós pagamos um preço alto, e que preço ele pagou? Ele continuou trabalhando, enquanto nós fomos jogados aos leões e colocados nas listas negras de gravadoras e emissoras de TV. Tive sorte de sobreviver por causa do meu amor pela música."
Pilatus, que acabou se entregando ao vício em drogas e chegou a morar nas ruas, morreu em decorrência de uma overdose acidental em 1998, quando os dois amigos tentavam reerguer a carreira, agora usando os próprios nomes. "Rob não está aqui para contar a versão dele, mas fico feliz de poder ouvi-lo no documentário", emociona-se Morvan. "Ele amadureceu muito emocionalmente no final da vida, mas era muito difícil para ele lidar com tudo o que aconteceu. Ele morreu de coração partido."
Morvan também acredita que as coisas seriam muito diferentes hoje em dia, quando as vozes dos artistas são modificadas por autotune e desafios de lipsync somam bilhões de visualizações no TikTok. "Quando veem o documentário, as gerações mais jovens perguntam: 'Mas o que eles fizeram de errado?", aponta. "Agora, com as redes sociais, a dublagem é celebrada. Nós não cantávamos, mas era música pop embalada de um jeito diferente, era o começo de uma nova era."
Agora, o ex-astro sonha em voltar a rodar o mundo, só que desta vez mostrando a própria voz. O Brasil, que ele cita mais de uma vez, seria parada obrigatória de uma possível turnê. Ou, caso assim o quisesse, de uma palestra sobre como se manter firme diante das intempéries da vida.
"Não preciso de um Grammy para me sentir relevante", diz. "Faço o meu trabalho, sou cantor, compositor e produtor, faço minhas coisas no palco. Acredite, o melhor ainda está por vir. As pessoas ainda vão me descobrir como artista, tenho certeza. Eu nunca vou parar."
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