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Música
Descrição de chapéu Matheus Tupina

Coreografia de Taylor Swift na 'Pequena África' do Rio não afronta e nem apaga história

'Retomada da Pedra do Sal' é novo problema que só existe no X (ex-Twitter)

Jovens dançam Taylor Swift nas proximidades Pedra do Sal, monumento no centro do Rio de Janeiro
Jovens dançam Taylor Swift nas proximidades Pedra do Sal, monumento no centro do Rio de Janeiro - Reprodução/Twitter
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Matheus Tupina

É repórter de Política da Folha. Paulistano, é formado em Relações Internacionais pela USP e está no jornal desde 2022

Veio à tona na segunda-feira (18) vídeo de um grupo de pessoas dançando a música "Blank Space", da cantora Taylor Swift, na Pedra do Sal, local no centro do Rio de Janeiro. O local é considerado um dos principais pontos de expressão cultural da comunidade negra na capital fluminense.

O conteúdo, buscando ser divertido, abriu espaço para uma série de debates fervorosos nas redes sociais sobre o "embranquecimento" do espaço. Muitos usuários passaram a, inclusive, pedir a "retomada" da Pedra do Sal na internet, como se o local tivesse sido dominado pela cultura de pessoas brancas, expulsando então séculos de história.

E, mais uma vez, o ódio primorosamente propagado nas redes sociais trouxe uma série de afirmações ridículas. Um indivíduo chegou a pedir que "todos os presentes no vídeo sofram um acidente e fiquem sem andar um tempo" por dançarem aquela composição.

Outros sugeriram que brancos fossem impedidos de acessar o endereço, como se democracia fosse possível a partir da restrição de espaços públicos. Do outro lado, estavam os que acharam a reação exagerada, e estou entre eles —este é mais um enorme problema que some ao fechar o X (ex-Twitter).

Tombado como patrimônio histórico e cultural, a Pedra do Sal é um território quilombola, e durante o período colonial foi o ponto do maior mercado escravagista brasileiro. Entre 1775 e 1830 chegaram ali entre 500 mil e 900 mil escravizados, que obviamente sofreram com o desumano tráfico no Atlântico.

Lar da Tia Ciata, o local reuniu ainda pessoas negras libertas e migrantes do pós-abolição, que criaram uma comunidade ao entorno. Até hoje respira resistência, já que a luta para formalizar o quilombo junto ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) perdura desde 2005.

O monumento não reside isolado, pois a área portuária da cidade, chamada de Pequena África pela quantidade de pessoas negras que se instalaram na região, conta ainda com pelo menos outros sete pontos de visita que remontam à história brasileira e à ancestralidade preta e parda, fora os terreiros e sambas presentes.

Internautas afirmaram, no miolo de toda a discussão, que os arredores da Pedra do Sal sempre foram caracterizados pela diversidade de ritmos, ecoando de caixas de som em bares e carroças de vendedores ambulantes. O que parece óbvio, já que o local chama a atenção de visitantes.

Se nem a negligência, nem a vontade do Estado conseguiram apagar dali a história, o sangue, a vivência e a religiosidade de todos os que ali já viveram e até hoje vivem, não é a música de Swift ou de qualquer outro cantor internacional que embranquece a região.

Nossos ancestrais, vindos de várias regiões de todo o continente africano com uma série de alteridades, abraçaram à época as diferenças entre si para continuarem se manifestando cultural e espiritualmente em meio à repressão de uma sociedade que nem os reconhecia como seres humanos.

Por mais desumano que tenha sido, aquela região portuária foi local de chegada e partida de ideias que formaram nossa densidade cultural, e agora continua sendo, abraçando também aspectos de uma musicalidade global, que nós, negros, temos todo o direito de também integrar.

Agora, não é de hoje que uma série de páginas, internautas e influenciadores negros nas redes sociais chiam com Swift, chegando inclusive a menosprezar a negritude daqueles que ouvem ou são fãs da cantora.

Há, inclusive, uma rixa entre quem gosta da loirinha e quem ouve Beyoncé —algo que não encontra nenhuma sustentação, já que as duas são amigas. É mais um discurso vazio, excludente, incapaz de compreender que ser negro está além de se provar digno de receber a carteirinha de Wakanda.

Como uma pessoa negra e fã de Taylor Swift, tenho certeza em afirmar que nenhum dos meus ancestrais, orixás ou guias se sentem desrespeitados porque ouço a loirinha nas minhas playlists com samba, funk, rock e outros estilos.

É totalmente possível gostar das duas cantoras, sem nenhum prejuízo. Também é possível participar de rodas de samba na Pedra do Sal e, durante o intervalo, ouvir outros gêneros e cantores nas ruas ao redor. Deixem as pessoas negras se manifestarem livremente e serem felizes como bem escolherem.

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