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Música
Descrição de chapéu The New York Times

Michael Bublé fala como alcançou sucesso sem se alinhar às tendências pop

Cantor lança 'Higher' e faz uma viagem para rememorar trajetória

Michael Bublé Devin Oktar Yalkin/The New York Times

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Jeremy Gordon
The New York Times

Michael Bublé tinha muito a contar nos cinco primeiros minutos de uma conversa recente por vídeo. Ele odeia ir ao banheiro no cinema porque a ideia de perder alguma coisa importante no filme é estressante. A sopa de legumes cremosa que ele pediu desculpas por comer enquanto conversávamos... bem, não estava muito boa. Ele tampouco gostou de "Matrix: Resurrections", a retomada da série de ficção científica em 2021; mesmo assim, ama Keanu Reeves, que mora na mesma rua que ele em Los Angeles.

Embora os dois não se conheçam, a cada vez que Bublé e a família passam pela casa do astro, eles dizem, em voz alta, "oi, Keanu". "Ele também é canadense", lembrou o cantor. "E assim tenho um impulso gigante de procurá-lo e dizer, ei, temos essa conexão".

Bublé, que chegou aos 46 anos no final do ano passado, construiu sua carreira com base nessa acessibilidade imediata. Talvez você tenha visto um de seus especiais natalinos de TV, onde canta canções de festas na companhia de estrelas como Barbra Streisand, Jimmy Fallon e Caco, o Sapo. Ou as participações dele em "The View", "The X-Factor", "30 Rock" ou "Vila Sésamo", ou em qualquer talk show que consiga imaginar.

Os artistas tradicionais do entretenimento estão desaparecendo do show business. Mas Bublé, um cantor excepcionalmente amistoso que parece capaz de se encaixar sem dificuldade em qualquer canção, sala ou situação, é um dos últimos artistas ao modo clássico.

Bublé é mais conhecido por reinterpretar canções alheias. O gosto dele abarca um pool imenso de gêneros e eras: Dean Martin, Louis Prima, Bee Gees, Nat King Cole, Justin Timberlake, os Drifters e muito, muito mais. (Uma de suas covers mais improváveis é a do tema do desenho animado do Homem-Aranha.)

Em "Higher", seu novo disco, que sai nesta sexta-feira (25), ele canta "A Nightingale Sang in Berkeley Square", popularizada por Vera Lynn em 1940, e segue essa cover diretamente com "Make You Feel My Love", composta por Bob Dylan em 1997 e tornada ainda mais famosa por uma cover de Adele em 2008.

O traço de união entre essas escolhas aparentemente desconexas é sua voz vigorosa e melíflua, capaz de enquadrar qualquer material ao reino do romantismo genuíno. O compromisso sincero de Bublé para com a interpretação de canções que embalaram muitas gerações de amantes lhe valeu popularidade em muitas faixas etárias. Ele já lançou quatro discos que chegaram ao primeiro posto da parada Billboard, e vendeu mais de 70 milhões de discos em todo o mundo, a despeito de jamais ter se alinhado com as tendências pop contemporâneas em qualquer momento de sua carreira.

"É difícil categorizar aquilo que faço; as pessoas gostariam de fazê-lo, mas batalho contra isso a vida toda", ele disse, com franqueza. "Gosto de me caracterizar como um cantor de soul que ama os clássicos da canção popular americana, mas adora compor música pop. É um lugar bem estranho de viver".

A paixão de Bublé pelos clássicos foi fomentada durante sua infância em Burnaby, na província canadense da Colúmbia Britânica. O avô dele, encanador, tocava canções da década de 1940 e 1950 e explicava a história delas a Bublé, que se apaixonou "pela profundidade do significado que elas tinham para aquela geração". Na época, ele era um "menino nerd", em sua descrição; ele acrescentou que seu interesse crescente pela música era uma forma de se sentir único.

"Eu não era um daqueles caras que gostam de se vestir com roupas retrô", disse Bublé. "Mas a música me comovia, e eu sabia desde aquela época que aquilo era tudo o que eu queria".

A intenção dele ao procurar uma carreira como cantor em um estilo aparentado ao jazz e às big bands e completamente divorciado do mercado o conduziu por alguns caminhos tortuosos. Os shows em casas noturnas eram "os bons momentos", ele disse. Cantar em navios de cruzeiro e shopping centers era mais humilhante, e o pior era o trabalho como cantor de telegramas musicais: por US$ 20 (R$ 100) de cachê, ele cantava uma canção para o aniversariante na cadeia canadense de restaurantes White Spot.

Em 2000, Bublé foi contratado para cantar no casamento de uma filha de Brian Mulroney, ex-primeiro ministro do Canadá, e lá conheceu o produtor David Foster. Ele por fim conseguiu convencer Foster a contratá-lo para sua subsidiária da gravadora Warner, com a ressalva de que Bublé teria de arrecadar o dinheiro necessário para a gravação de um novo disco. O resultado foi "Michael Bublé", álbum de 2003 que resultou em diversos singles que conquistaram lugares na parada Billboard Adult Contemporary e terminou por lhe valer um disco de platina.

Quando enfim começou a fazer sucesso, Bublé já estava chegando aos 30 anos –ainda jovem em termos gerais, mas não em termos da indústria da música. Embora alguns executivos de gravadoras se incomodassem com sua idade, uma vantagem era a de que ele estava pronto para aproveitar o momento com a devida humildade, quando o sucesso enfim chegou.

"Cheguei tão tarde à festa que já tinha me tornado quem eu sou", ele disse. Os anos de batalha também o tinham levado a desenvolver uma ética de trabalho incansável que, em retrospecto, teve seus custos. "Eu estava cego a qualquer coisa que não fosse levar minha carreira adiante –me tornar o maior músico, o maior compositor, o maior artista", ele disse. "Tudo que eu fazia era na direção desse objetivo, e eu não parava para prestar atenção àquilo que me cercava".

Ele deixava aniversários e casamentos de amigos passar sem perceber e contou que raramente visitava os lugares interessantes das cidades em que se apresentava. Sucessos cada vez maiores vieram, tanto pessoal quanto profissionalmente. Em 2011, ele se casou com a atriz argentina Luisana Lopilato e lançou "Christmas", um álbum de canções natalinas que continua a ser o mais vendido de sua carreira.

Mas quando seu ímpeto comercial pareceu sofrer um baque, com "Nobody But Me", de 2013, "foi o primeiro momento em que provavelmente tive uma sensação de pânico", ele disse, fazendo uma pausa como que para refletir sobre o acontecido. "Senti que o meu falso eu tinha começado a me dominar, comecei a duvidar de mim mesmo, a questionar quem eu era de verdade e o que queria fazer".

Em 2016, ele descobriu que seu filho mais velho, Noah, então com três anos, sofria de uma forma rara de câncer de fígado. "Lembro-me de pensar que, pela primeira vez, consegui ver as coisas com completa clareza" disse Bublé. "Foi naquela hora que comecei a ter um relacionamento muito mais saudável com aquilo que faço —e com a pessoa em que você se transforma quando está em turnê". (Depois de meses de quimioterapia, o câncer de Noah entrou em remissão.) Bublé começou a prestar mais atenção à sua forma física para manter a energia necessária em apresentações longas; também decidiu abrir mais o seu processo criativo depois de uma abordagem que ele definiu como de "microgestão", em obras anteriores de sua carreira.

Em "Higher", isso se manifestou em parte por necessidade. Em função da pandemia do coronavírus, nem sempre era possível discutir ideias em pessoa; em lugar disso, ele trocava ideias e gravações demo com os seus músicos por email e aguardava empolgado a resposta deles. Bublé não tem treinamento como instrumentista, mas toca piano bem o bastante para se acompanhar em uma canção. Ele descreveu uma sessão solo entremeada por uma série de conversas via Zoom enquanto ele procurava seu caminho aos tropeços em um arranjo novo de "Bring It on Home to Me", de Sam Cooke, que ele comparou a uma leitura gospel, com referências a Donnie Hathaway e Elvis Presley. Isso o levou a ligar imediatamente para o produtor Bob Rock (Aerosmith, Metallica), e lhe falar de sua ideia. Bublé classifica o resultado como a melhor coisa que já gravou.

"As pessoas ainda pensam nele como um cantor que interpreta o material que lhe é dado", disse Greg Wells, produtor executivo do álbum e um experiente profissional que está colaborando pela primeira vez com Bublé. "Mas ele na verdade é um grande criador de discos –tem uma visão incrível como a do telescópio Hubble, sobre o que deseja realizar". Ele aponta que muitas das canções de Bublé que se saíram melhor nas paradas de sucesso, como "Haven’t Met You Yet", uma composição dançante de 2009, são trabalhos que ele ajudou a compor, o que contraria sua reputação de ser primordialmente um intérprete.

"Higher" também se beneficiou de uma série de acasos felizes que costumam acontecer com frequência na vida de Bublé. Um dueto com Willie Nelson, em "Crazy", um dos clássicos do cantor country, surgiu por conta da amizade entre Bublé e Lukas, o filho de Nelson. E depois que Bublé gravou uma demo de "My Valentine", uma balada tardia de Paul McCartney, o ex-Beatle concordou em produzir a versão da canção que aparece em "Higher".

A interpretação de Bublé deixa de lado o arranjo original de McCartney, baseado em guitarras, e aplica à canção uma "palheta cinematográfica", nas palavras do cantor –cordas generosas e trechos instrumentais emotivos, guiados por seu vocal terno. (Ele e McCartney se deram bem e trocam mensagens de texto ocasionais. Depois de hesitar entre se referir a ele em voz alta como Sir Paul ou Mr. McCartney, Bublé mostrou seu celular, no qual o ex-Beatle está identificado como "Sir P".

Embora Bublé tenha descrito o "senso de ansiedade e pavor" que surge com o ciclo de cada novo disco, havia coisas maiores sobre as quais pensar. Ele apontou, com um tom suave na voz, que a semana de nossa entrevista era o quinto aniversário da alta de Noah. Enfatizou o quanto é grato por tudo que pôde fazer e reconheceu que isso tem cara de clichê. Mas disse que se sentia motivado para reencontrar sua audiência, independentemente de como as tendências mudem ou da evolução dos métodos pelos quais as pessoas ouvem música.

"É preciso encontrar uma maneira de satisfazer aquela fome", ele disse. "Não posso simplesmente imaginar que vão tocar minhas coisas no rádio".

Depois de falar mais um pouco sobre como chorou ao assistir a "Marriage Story" (série recomendada pelo diretor da nova comédia em que sua mulher está trabalhando, ele disse, com algum espanto), nossa conversa chegou ao fim. O cantor estava falando de um quarto de hotel em Los Angeles para evitar potenciais interrupções de um jardineiro barulhento perto de sua casa. Como sempre, Michael Bublé tinha encontrado uma solução.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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