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Música
Descrição de chapéu The New York Times

Suicídios de estrelas do k-pop geram reflexão na Coreia do Sul

Especialistas no setor de entretenimento vêm alertando sobre lado sombrio do glamour

Tributo à Goo Hara em Seoul
Tributo à Goo Hara em Seoul - Chung Sung-Jun/Pool/Reuters
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Choe Sang-Hun Su-hyun Lee
The New York Times

Quando a estrela do k-pop Sulli tirou a própria vida aos 25 anos, no mês passado, sua colega cantora de k-pop, Goo Hara, 28, ficou devastada e se despediu da amiga em um vídeo transmitido ao vivo pela internet. Com lágrimas correndo pelo rosto, Goo expressou a esperança de que Sulli pudesse “viver como deseja”, no céu.

“Vou viver de modo duas vezes mais diligente, agora que você se foi”, ela disse. “Queridos fãs, não se preocupem. Ficarei bem”.

Mas no domingo (24), seis semanas depois da morte de Sulli, Goo foi encontrada morta em sua casa em Seul, e a polícia descreveu a ocorrência como suicídio. Os suicídios de duas das mais amadas estrelas da música pop coreana levaram os fãs sul-coreanos a refletir sobre o que está acontecendo de errado no k-pop, a exportação cultural mais bem sucedida de seu país.

Lee Yong-pio, chefe da agência de polícia metropolitana de Seul, disse a jornalistas que o corpo de Goo foi encontrado por uma empregada na noite de domingo. Investigadores encontraram um bilhete manuscrito no qual a cantora expressava seu desespero, disse Lee.

Os fãs entristecidos acorreram ao hospital para onde o corpo de Goo havia sido levado; a família da cantora planejava realizar um serviço fúnebre privado.

No passado populares principalmente na Ásia, os grupos musicais femininos e as boy bands do k-pop, como o BTS, agora têm uma grande audiência em todo o mundo. O gênero capturou a imaginação dos fãs em todo o mundo com sua combinação de canções sintetizadas, videoarte, roupas da moda e coreografias sincronizadas que combinam sexualidade provocante e inocência juvenil.

Mas especialistas no setor de entretenimento vêm alertando há muito tempo sobre o lado sombrio que vive oculto por trás do glamour da música pop sul-coreana, abalada por muitos escândalos.

Legiões de jovens sul-coreanos treinam por anos, muitas vezes começando no início da adolescência, aperfeiçoando suas técnicas vocais e de dança na esperança de impressionar as agências de “administração de estrelas”; caso sejam considerados bons o suficiente, essas agências organizam o lançamento de sus primeiras canções. Mesmo depois que conseguem o sucesso e se tornam estrelas Canto Dobrado: 1do k-pop, o estrelato desses jovens raramente dura muito tempo, já que eles terminam substituídos por astros mais jovens, mais bonitos e com mais talento na dança. Os astros do k-pop já são considerados velhos quando se aproximam dos 30 anos, e esses ídolos em decadência muitas vezes tentam encontrar novos nichos como atores, como cantores solo ou como presenças regulares em programas de entrevistas – uma transição difícil e que em muitos casos não é bem sucedida.

O fenômeno do k-popé disseminado principalmente pelo YouTube, Instagram, Twitter e outros canais de mídia social, onde seus astros são expostos tanto a um dilúvio de mensagens de apoio de fãs quanto a comentários hostis e “bullying” online sobre absolutamente tudo, de sua aparência a seu talento vocal e vida pessoal.

“Desde muito jovens, eles vivem uma vida mecânica, submetidos a um regime de treinamento espartano”, disse Lee Hark-joon, jornalista sul-coreano que produziu um documentário de TV sobre a criação de um grupo feminino de k-pop e é coautor do livro “K-pop Idols: Popular Culture and the Emergence of the Korean Music Industry [ídolos do K-Pop: cultura popular e a emergência da indústria da música sul-coreana]. O documentarista acrescentou que “eles raramente têm a oportunidade de desenvolver uma vida escolar normal ou relacionamentos sociais normais, como as pessoas de sua idade fazem”.

“A queda pode vir de modo tão súbito e dramático quanto sua ascensão ao pico da fama”, ele disse, “e tudo isso acontece quando são muito jovens”, acrescentou Lee. “A profissão deles é especialmente vulnerável à pressão psicológica – eles têm seu comportamento esquadrinhado na mídia social o tempo todo, e notícias falsas sobre sua vida social são difundidas instantaneamente”.

Em 2017, Sulli, antiga integrante do grupo vocal feminino f(x), compareceu a uma homenagem a outro astro do k-pop, Kim Jong-hyun, 27, que se matou e deixou um bilhete no qual se descrevia como consumido pela depressão.

Sulli se matou no mês passado depois de se queixar amargamente de “trolls” misóginos na internet, especialmente depois que ela aderiu a uma campanha feminista que advogava que as mulheres não usassem sutiãs.

Goo, antiga integrante do Kara, um grupo vocal feminino imensamente popular no k-pop, também teve problemas com ataques sofridos online. “Trolls” espalharam boatos de que ela devia sua aparência basicamente a cirurgias plásticas. Ela admitiu ter passado por uma cirurgia para corrigir olhos caídos.
As coisas pioraram para ela depois que rompeu com seu namorado, o estilista capilar Choi Jong-beom. E surgiram rumores de que existia um vídeo do casal fazendo sexo.

“Não serei mais leniente com esses comentários malévolos”, escreveu Goo em sua conta no Instagram em junho, se queixando de seus problemas de “saúde mental” e de sua “depressão”. (Depois de sua morte, os “posts” desse tipo foram removidos de sua conta no Instagram.)

Havia momentos em que ela parecia desesperada, apelando aos seus críticos que a poupassem.
“Não existe alguém com uma mente bacana que seja capaz de apoiar as pessoas que sofrem?”, ela escreveu.

“As coisas não são fáceis para as pessoas que entretêm o público, como eu – nossas vidas pessoais são mais esquadrinhadas que a de qualquer outra pessoa, e sofremos dores de um tipo que não pode nem ser discutido com nossa família e amigos”, ela disse. “Você não poderia se perguntar que tipo de pessoa você é antes de publicar um comentário maldoso online?”

A situação com seu ex-namorado, Choi, se tornou especialmente contenciosa. Goo abriu um processo contra ele no ano passado, acusando-o de ameaçar divulgar o vídeo que os mostra fazendo sexo. Em agosto, ele foi sentenciado a 18 meses de prisão por acusações de chantagem, coerção e agressão física a Goo. Mas sua sentença de prisão foi suspensa pelo tribunal, e ele continua em liberdade.

O suicídio de Goo já causou reflexão na Coreia do Sul. O número de pessoas que que assinaram uma petição ao presidente sul-coreano Moon Jae-in pedindo penas mais severas por assédio sexual mais que dobrou, para 217 mil, desde que o suicídio dela foi anunciado.

Em sua última mensagem no Instagram, Goo publicou uma foto que a mostrava deitada na cama. Ela escreveu “Jalja”, ou “durma bem”.​

Tradução de Paulo Migliacci

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