Terno vira aposta do momento e desbanca peças confortáveis da pandemia
Na Gucci, na Versace e em toda Milão o terno está voltando
Na Gucci, na Versace e em toda Milão o terno está voltando
A tendência de se vestir confortavelmente não pegou. Todas aquelas previsões sobre cinturas elásticas, leggings e saltos baixos, e sobre a pandemia ter mudado para sempre nossa maneira de vestir, provaram não ser tão verdade assim.
Quando tanto Alessandro Michele, da Gucci, quanto Donatella Versace (para não mencionar Dolce & Gabbana) abrem seus desfiles com ternos –escuros, ligeiramente superdimensionados mas de linhas enxutas—, fica claro que alguma coisa está acontecendo. E não é a virada na direção da desordem festiva que tanta gente estava prevendo.
Isso talvez se relacione ao fato de que o mundo não parecer ser um lugar muito reconfortante, neste momento. "Nas últimas semanas, minha sensação era a de que fui me tornando mais e mais sério", disse Walter Chiapponi, da Tod’s, que também abriu seu sensato desfile de moda formal com um terno feminino sóbrio, usado sob um sobretudo escuro. "Eu excluí todas as coisas frívolas".
Os tailleurs e os ternos, com suas associações ao poder, status, conformidade e não conformidade de gênero, blindagem e proteção (para não mencionar maturidade), são roupas que nos fazem sentir imediatamente preparados para o dia, e talvez sejam os trajes mais adequados para o momento atual. Eles começaram a ressurgir nas passarelas de Nova York, em fevereiro, e agora parecem estar atingindo massa crítica.
Ternos e similares foram os modelos dominante na linha da Gucci, grife que estava retornando às passarelas de Milão depois de dois anos de ausência, com um desfile realizado diante de espelhos de distorção e iluminado por luzes estroboscópicas. Dessa dissonância surgiram jaquetões em azul marinho, azul céu e chocolate, conjuntos com lapelas de smoking e acabamento de couro. Ternos recobertos de esporões reluzentes. Modelos acompanhados por gravatas finas, grandes bolsas e acessórios excêntricos. Um terno ou tailleur para cada personalidade!
Eram tantos ternos, ou estilos adjacentes a ternos (que em alguns casos envolviam shorts e blazers, em lugar de paletós) que os desfiles pareciam eventos de moda masculina. Dos 84 looks que a Gucci exibiu, apenas 10 envolviam saias, vestidos ou, em um caso, um corpete de renda. E era esse o ponto.
Sete anos atrás, ainda antes de ser apontado como o estilista oficial da grife, Michele realizou seu primeiro desfile para a Gucci, virando a imagem da marca de cabeça para baixo –e com ela, em alguma medida, a moda– ao encher um desfile masculino de itens convencionalmente femininos, como blusas, tons pastel, laços e transparências, e dar início a um diálogo sobre gêneros que persiste ainda hoje.
Mas ainda que a tendência seja concentrar a atenção no contexto de homens vistos usando modelos que costumavam ser encarados como moda feminina, os ternos são a raiz de tudo isso, e as mulheres se apropriaram deles há décadas, em sua escalada para a independência e o poder (outro diálogo que ainda não acabou). Com seu novo desfile, Michele estava simplesmente lembrando esse fato a todos.
Deliberadamente, a única coisa tão presente quanto a influência do terno, no desfile –além do burburinho empolgado sobre a presença de ASAP Rocky e Rihanna, pesadamente grávida, na primeira fila da pateia– foi a colaboração entre a Gucci e a Adidas. A marca alemã de material esportivo se tornou a colaboradora favorita da moda, fora do mundo fashion (entre seus parceiros estão Prada, Rick Owens, Stella McCartney, Missoni e, em primeiro lugar, Yohji Yamamoto, entre muitos outros), e Michele declarou em uma entrevista coletiva depois do desfile que é obcecado pela Adidas desde que era criança.
Mas em lugar de tornar os clássicos da Gucci mais esportivos, o estilista inverteu o jogo e formalizou as peças esportivas, acrescentando a assinatura da Adidas, três listras brancas, ao topo de um espartilho, usando o logotipo da marca como bordado nos bolsos de blazers, incorporando-o a estampas, e decorando malas com uma versão superdimensionada dele.
Era uma mensagem tão clara e tão astuta quanto qualquer outra que tenhamos visto, quanto a que forma de vestir estava realmente por cima.
Provavelmente não é coincidência que Ennio Capasa, estilista da Costume National que ganhou fama com os ternos negros e esguios que criou para a grife antes de deixá-la oito anos atrás, tenha escolhido a atual temporada para seu retorno, com uma nova grife, chamada Capasa. Ou que a linha incluísse uma atualização de sua assinatura como estilista, a alfaiataria precisa, se bem que agora com menos rigidez.
Existe um motivo, afinal, para que os ternos tenham durado tanto tempo, para começar. (Não estamos falando aqui da redescoberta de um velho estilo por uma geração obcecada pelo "vintage"; se desconsiderarmos os garotões da tecnologia, na maioria dos corredores do poder, ternos e tailleurs na verdade nunca saíram de moda.)
Um dos motivos é que esse é um tilo clássico, como Luke e Lucie Meier deixaram entrever em seu desfile para a Jil Sander, espalhando estátuas gregas e romanas sortidas no espaço do desfile para melhor enquadrar a aparência escultural de seus tailleurs com minissaias de lã, e vestidos-casacos sem mangas, com bainha abaixo dos joelhos e um laço na altura da garganta. Existe um equilíbrio zen em seu trabalho, entre o minimalismo das linhas e o aspecto táctil dos materiais (além de acessórios realmente desejáveis): os modelos deles falam baixo, mas seu impacto é ruidoso.
Quando se trata de dinâmica de poder, porém, há poucos estilistas mais sintonizados do que Versace. Afinal, ela convidou Julia Fox, que conhece alguma coisa sobre dominação, para assistir ao seu desfile da primeira fila, e as calças largas e saias risca de giz, os sobretudos acetinados em tons pastel e os tailleurs com minissaias ao estilo da década de 1990, em padrões exagerados de tweed, dominaram sua passarela. Tudo isso vinha combinado a espartilhos que falavam a um só tempo de sexo e de proteção, e de collants oleosos de PVC.
Combinadas a saltos-plataformas duplos imensos, as roupas dela davam aos modelos o ar de senhores e senhoras de um universo alternativo. Um universo que merece exploração.
Certamente um universo que merece mais atenção do que a parada escapista e em estilo festa no deserto da Etro, com estampas animais e seda, ou a mistura de peças listradas de lã em estilo quase urbano da Missoni. Uma marca que parece tão incerta do que ela de fato é que nem mesmo uma passarela lotada de modelos célebres como Iris Law e Eva Herzigova basta para esconder a confusão.
O mesmo, aliás, vale para a bobagem conceitual oferecida pela Marni, para a qual Francesco Risso embarcou em uma busca de superar o seu desfile imersivo da temporada passada, mas obteve resultados muito diferentes do que esperava.
Realizado em um armazém escuro e gélido, povoado por plantas e poeira, com uma espécie de rampa/colina de concreto em posição central e sem cadeiras para os espectadores, o desfile envolvia modelos que perambulavam em meio ao público. (Um dos modelos era Risso, que começou a participar dos desfiles da grife na temporada passada, uma surpresa inicialmente charmosa que agora começa a parecer cada vez mais uma expressão de vaidade.) Cada modelo era acompanhado por um guia, de boné e jaqueta desfiada, que carregava uma lanterna para iluminar o caminho em meio aos espetadores, até que eles subiam pela rampa e depois desciam de novo para o meio da plateia, que batalhava incessantemente, e quase sempre sem sucesso, para ver o desfile.
É pena, porque Risso é um estilista talentoso que genuinamente consegue imbuir seu trabalho de emoção. Parecia haver muito improviso, muitas soluções de último minuto. Havia roupas de alfaiataria rigorosa; vestidos de seda, com bordados; adereços de cabeça e chapéus excêntricos, artesanais.
Depois, a audiência saiu para a luz do dia e o pátio do armazém, para onde os modelos também tinham ido a fim de reabastecer sua energia em um bufê de comidas e bebidas espalhado por duas mesas posicionadas em uma ilha de areia cor de cobalto –era o show pós-desfile, no qual Rizzo recebeu os espectadores com grande energia e entusiasmo.
Ele falava sobre "coragem" e "comunidade", e sobre cada modelo ter trazido um talismã pessoal que o estilista incorporou ao look, aparentemente sem considerar o fato de que ninguém no planeta saberia quais eram esses itens. Ou que, em lugar de unir os presentes, a organização do desfile serviu na verdade para criar separação. Não foi um sucesso sempiterno.
Traduzido original do inglês por Paulo Migliacci
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