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Estilo
Descrição de chapéu The New York Times

'Streetwear' está morto? Entenda as misturas e transformações desse estilo

Segmento nasceu nas décadas de 1980 e 1990 na cultura juvenil

Uma modelo no Balenciaga 'Red Carpet', desfile de moda primavera 2022 em Paris Valerio Mezzanotti - 02.out.2021/The New York Times

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Vanessa Friedman
The New York Times

No final de 2019, o ousado estilista Virgil Abloh, que desafiava limites e morreu no ano passado, deu uma entrevista à revista Dazed na qual declarou o fim do "streetwear". "Eu diria que com certeza ele vai morrer, sabe?", disse Abloh. "Sua hora com certeza vai chegar".

A declaração imediatamente causou um chilique coletivo entre praticamente todos que o viam como o profeta de um novo código de vestimenta contemporâneo, um código que destruía as regras do antigo establishment e encontrava poder em agasalhos e tênis e não nos ternos e tailleurs. Será que Abloh estava subitamente mudando de ideia?

O estilista terminou recuando um pouco de sua declaração. Explicou à Vogue que não queria dizer que o "streetwear" realmente desapareceria; o estilo sempre retorna. Mas dois anos depois que ele fez sua previsão, há pouca dúvida de que estava certo. O "streetwear" morreu, mesmo.

"Não sei nem como defini-lo, agora", disse Arby Li, vice-presidente de estratégia de conteúdo do Hypebeast, site fundado em 2005 como blog para fãs do "streetwear" e que terminou por se tornar uma marca de estilo de vida e por abrir seu capital em 2016.

Não é que, como muita gente supôs quando Abloh fez sua declaração, todo mundo tivesse se cansado de "hoodies", tênis e camisetas, os blocos básicos de construção do setor conhecido como "streetwear" (embora não sejam de maneira alguma suas características mais definitivas.)

E sim que os "hoodies", camisetas e tênis foram absorvidos a tal ponto pela elite da moda que a distinção entre "streetwear" e alta moda simplesmente desapareceu. O "streetwear" se tornou moda ou a moda se tornou "streetwear", a depender de como você prefira observar o acontecido.

"O ‘streetwear’ simplesmente se tornou a plataforma sobre a qual o sistema se ergue", disse Demna, diretor de criação da Balenciaga. Em julho de 2021, a Balenciaga realizou seu primeiro desfile de alta costura em 50 anos e foi muito elogiada –tornando-se também a sexta marca mais popular no Hypebeast

As pessoas que compram "streetwear" também compram alta moda, e os estilistas que desenham "streetwear" também desenham alta moda. Os valores das duas categorias –cool, conforto, comunidade– se fundiram. O básico do "streetwear" se tornou o básico de todas as linhas de moda para além dos blazers e vestidos de baile. (E muitas linhas de "streetwear" agora começam a oferecer blazers e vestidos de baile.)

É uma virada tão grande quanto a que aconteceu quando o "prêt-à-porter" se fundiu com a costura feita sob medida, na década de 1960 e 1970. E no entanto, embora a evolução já esteja em curso há algum tempo, a designação "streetwear" persiste. Com a aproximação da temporada das "fashion weeks", é mais que hora de abandoná-la, dizem muitos estilistas.

O QUE QUER DIZER "STREETWEAR", ALIÁS?

"Eu gostaria de ter uma conversa com minha comunidade sobre por que alguém decidiu chamar esse tipo de moda de ‘streetwear’", para começar, disse Rhuigi Villaseñor, fundador da Rhude, grife de Los Angeles que se especializa em combinar luxo e "streetwear". (Ele foi apontado para a diretoria de criação do grupo suíço de produtos de luxo Bally, este ano.)

Heron Preston, fundador da marca que leva seu nome (o nome completo dele é Heron Preston Johnson, mas ele atende por Heron Preston), começou sua carreira como integrante do Been Trill, um coletivo de DJs e de arte cool do qual Abloh foi num dos fundadores, e concorda com Villaseñor.

"Nunca me identifiquei com essa designação ou a usei", disse Preston sobre o termo "streetwear". Ele integra o New Guards Group, uma companhia italiana que aplicou o modelo dos conglomerados de bens de luxo ao "streetwear", e agora é controlada pelo conglomerado de comércio eletrônico Farfetch. Mas, prosseguiu Preston, "fui forçado a aceitá-lo porque, de alguma maneira, era como um convite instantâneo a fazer parte de uma cultura. Há toda espécie de associações que surgem quando você diz aquela palavra".

O "streetwear" como segmento da moda nasceu nas décadas de 1980 e 1990, na interseção da cultura juvenil do skate e surfe, do hip-hop e da arte underground: uma reação a uma indústria na qual os criadores não se viam e não viam o seu sistema de valores.

Os padrinhos do "streetwear" foram Shawn Stussy, que criou a Stüssy, na Califórnia, em 1980; Nigo, que estabeleceu a marca A Bathing Ape em Tóquio, em 1993; e James Jebbia, que inaugurou a Supreme em 1994. Todos eles eram estilistas sem qualquer treinamento formal em moda, escolas de arte ou ateliês. (Quando Jebbia recebeu um prêmio de moda masculina do Council of Fashion Designers of America, em 2018, ele disse que "jamais considerei a Supreme como uma empresa de moda ou me considerei estilista".) Mas o uso de recursos gráficos para os quais peças de roupa casuais serviam como tela, que eles criaram, se tornou um distintivo imediato de integração e gerou muitos objetos colecionáveis.

Eles abriram mão dos filtros que as passarelas e as revistas de moda ofereciam em troca da comunicação direta, geraram interesse obsessivo dos consumidores por meio de "drops" secretos de produtos e empregaram as tecnologias ascendentes de mídia social para ignorar completamente a ordem estabelecida.

Mas da mesma forma que o skate e o snowboard se tornaram esportes olímpicos oficiais, os uniformes sociais de seus praticantes se infiltraram das margens à corrente central da cultura com a ajuda de novos setores econômicos e da democratização da comunicação. Roupas deixaram de ser um assunto sacro e a inclusão passou a ser necessidade. Marcas de "streetwear" elevadas, como a Off-White e a Vetements, levaram seus desfiles e seus preços camaradas às passarelas da moda em Paris.

A velha guarda, desesperada por manter a relevância, foi de flertar com os intrusos –a Louis Vuitton colaborou com a Supreme em 2017 e a Ralph Lauren colaborou com a Palace em 2018– a lhes entregar as chaves do castelo. (O fato de que o mercado de "streetwear" tenha sido estimado em US$ 185 bilhões pela PwC no final de 2019 com certeza ajudou.)

Quando Abloh foi apontado como diretor artístico de moda masculina da Louis Vuitton, em 2018, disse Li da Hypebeast, "foi um momento decisivo". E sua indicação foi seguida, em rápida sucessão, pela de Matthew Williams (como Abloh e Johnson, da Heron Preston, egresso do Been Trill) para o comando da Givenchy e de Nigo como diretor artístico da Kenzo.

Nenhum deles limitou sua produção a "hoodies" e camisetas, mas todas essas indicações foram enquadradas inicialmente como um choque no sistema e logo em seguida como tendência. Mesmo quando Villaseñor foi contratado pela Bally, as reportagens o identificavam quase todas como um estilista de "streetwear", o que parecia apontar para alguma forma de transgressão.

Mas como disse Abloh naquela entrevista à Dazed, "o que parecia absurdo na verdade se torna a nova norma".

O TERMO COMUM

Rótulos como "streetwear" e alta moda não são apenas categorias semânticas. São pontos de referência sociais. "As pessoas querem saber o significado das roupas que estão comprando: essa roupa é para mim?", disse Valerie Steele, diretora do museu do Fashion Institute of Technology. Mas, disse ela, os termos também foram usados para marginalizar estilistas e o que era um distintivo de diferença se transformou em compartimentação.

Em julho de 2021, Kerby Jean-Raymond, da Pyer Moss, se tornou o primeiro estilista negro americano a participar do calendário oficial dos desfiles de moda parisienses (ainda que o desfile tenha acontecido em Nova York), uma decisão estratégica tomada em parte para bloquear as tentativas de categorizá-lo como estilista de "streetwear".

"Chamar alguém de estilista de ‘streetwear’ é uma forma de desconsiderá-lo", disse Tremaine Emory, fundador e estilista da Denim Tears, marca que usa o jeans como forma de contar a história da experiência negra americana. "É um meio de controle".

Um suéter Tyson Beckford e um jeans de algodão da Denim Tears são parte da exposição "In America: A Lexicon of Fashion", que está em cartaz no Costume Institute do Museu Metropolitano de Arte de Nova York, em companhia de vestidos de baile gigantes de Oscar de la Renta e de modelos de lantejoulas douradas de Norman Norell.

Mas a implicação do termo "streetwear", disse Emory, é a de que os criadores não são verdadeiros estilistas de moda; a de que eles de alguma forma não têm o mesmo pedigree, e suas criações são menos artísticas. Ele disse que havia também um elemento de "como você ousa cobrar esse preço por uma camiseta?", e de "como você ousa buscar admissão?"

Mas muitos estilistas hoje considerados como parte do cânone vieram de fora do sistema das escolas de arte, entre os quais Raf Simons, que estudou desenho industrial, e Miuccia Prada, que estudou política; Rei Kawakubo estudou ética. E muitas roupas no passado vistas como inferiores e, como diz Steele, desconsideradas pelos decanos do setor em Paris, se tornaram parte do código genético da moda: o prêt-à-porter, as roupas para esportes e o sistema americano de peças separadas construído sobre a utilidade e a praticidade.

Demna classifica a ideia de que o "streetwear" deve ficar separado da alta moda como sinônimo da "disfunção" do setor. "O ‘streetwear’ se tornou parte integral da moda e chegou para ficar", ele disse. O significado real do termo, afinal, é o de roupa para usar na rua. O que descreve todas as roupas.

De fato, pelo menos na opinião de Villaseñor, aquilo de que falamos quando falamos de "streetwear" são apenas "roupas que atendem às necessidades das pessoas". "É um retrato de nossa era", ele disse. E essa é a definição de moda.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci

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