Por que nos importamos tanto com os vestidos da princesa Diana?
Quarta temporada de 'The Crown' levanta novamente a questão
Voltamos, uma vez mais, à princesa Diana. Como Jacqueline Kennedy Onassis, ela se tornou uma espécie de Pedra de Roseta cultural à qual retornamos constantemente, buscando descobrir respostas às nossas próprias escolhas, em seu límpido olhar azul e na cacofonia de suas escolhas de figurino.
Desta vez, o reexame surge por cortesia da quarta temporada de "The Crown", mais conhecida como "a temporada de Diana". O escrutínio vem se acumulando desde o 20º aniversário da morte da princesa, em 2017, quando Virgil Abloh declarou que Diana era sua musa no uso da cor off-white [quase branca] e o Palácio de Kensington organizou uma exposição dedicada às roupas da princesa.
E embora o culto tenha ganhado um reforço em 2019 por meio de um novo musical (com figurino de William Ivey Long e uma canção chamada "The Dress") que teoricamente teria chegado à Broadway, o barulho chegou a um novo apogeu com o lançamento da nova temporada da série da Netflix.
Na temporada, a princesa, interpretada pela atriz Emma Corrin, atrai a atenção dos Windsor, debuta na sociedade, se casa e sofre, desenvolve um distúrbio alimentar e, mesmo assim, termina por se tornar um ícone da moda.
Um ícone que inspirou a revista Vogue, em outubro, a dar sua capa a Corrin, com um vestido de tafetá azul-turquesa criado por Oscar de la Renta e o título "rainha dos corações". Um ícone que inspirou uma mostra virtual em 3D no Brooklyn Museum, "The Queen and the Crown", na qual diversos itens do departamento de figurino da série, entre os quais um conjunto com estampa floral avermelhada feito para a visita da princesa à Austrália e uma recriação do famosamente exagerado vestido que ela usou em seu casamento, estão expostos.
A princesa como ícone de moda inspirou discussões e mais discussões no Twitter, comparando suas roupas verdadeiras às recriações da série, e elogios intermináveis aos Melhores Momentos de Moda de Diana em praticamente todas as revistas fashion.
Por que esses vestidos importam? O que importa não é realmente os vestidos, pessoal. É a forma pela qual eles nos chegam hoje. Afinal, se existe uma coisa que "The Crown" faz, com sua fidelidade às roupas do passado, é demonstrar o quanto alguns desses momentos de moda eram horrendos, na realidade. (Amy Roberts, a figurinista da série, disse que ela não os recriou com exatidão, mas tentou capturar sua essência, mais ou menos como o criador do programa, Peter Morgan, define sua adesão à verdade histórica, de preferência à precisão.)
Os colarinhos altos e adornados, os colarinhos de marinheiro, os laçarotes como gravata. Os vestidos Laura Ashley de mangas bufantes e as saias de comprimento médio. As roupas de lã. Os sobretudos com cara de ovo de Páscoa e as estampas quadriculadas.
A mistura açucarada de romantismo e falta de graça endinheirada, oscilando delicadamente entre o pastoral e o kitsch antes de florescer em pura fantasia Disney: tafetá, veludo, azul iridescente –a patinha feia se transformando em um cisne com vestidos de bolinhas feitos em seda.
No momento em que vivemos, quanto mais exposição vicária tivermos a esse tipo de moda, melhor, dada a realidade a que estamos confinados em nossas roupas caseiras. A lente enevoada e sentimental da nostalgia pode tornar até mesmo o péssimo uma delícia, de um jeito irônico e autoconsciente.
A Rowing Blazers já relançou o famoso suéter preto e fofo de Diana –que ela usou para assistir a um par dos jogos de polo do marido–, com tamanho sucesso que, mesmo ao preço de US$ 295 (R$ 1.590), o produto está disponível só sob encomenda e o prazo de entrega é de pelo menos dois meses. E isso tudo vem apenas do primeiro episódio da temporada de Diana.
O famoso "vestido da vingança" preto que a princesa usou em uma ocasião de gala em 1994, na mesma noite em que o príncipe confessou seu caso à BBC, e os modelos mais reveladores do corpo que ela usou em seus anos de divórcio ainda estão por vir, quem sabe na quinta temporada.
O mesmo se aplica ao vestido Dior desenhado por John Galliano que ela usou no bale de gala do Met em 1996, e ao modelo Versace que ela vestiu em uma visita à Austrália no mesmo ano. Também aos figurinos mais simples e práticos que ela passou a usar em seu trabalho humanitário. E à tragédia que a congelou no tempo.
E há mais um projeto sobre Diana, o longa “Spencer”, estrelado por Kristen Stewart, esperando produção. A despeito de tudo isso, Alexandra Shulman, que editava a revista Vogue britânica na era de Diana e que agora é colunista e crítica ferina de moda do jornal Daily Mail, escreveu em uma coluna recente que “a princesa Diana era deslumbrante, mas é bobagem afirmar que ela foi uma inspiração para a moda”.
Parece sacrilégio. Mas ela tem razão. Diana não fez com que estilistas ou fãs tomassem novas direções com seus figurinos por escolher roupas de uma maneira especialmente criativa, ou por ter gravitado em direção ao ousado e imaginativo, usado depois com tamanho élan que deixou uma trilha de ideias em seu rastro. (De fato, ela foi apresentada à moda por Anna Harvey, então editora assistente da Vogue britânica e intermediária entre a princesa e os estilistas, que não parece fazer parte do elenco de personagens de “The Crown”.)
Diana não foi uma figura pública com um estilo pessoal identificável e consistente, ainda que ela claramente adorasse se arrumar. Em lugar disso, a maior tendência que ela ditou –maior do que a moda de anéis de noivado com safiras ovais cercadas de diamante, ou que a mais enorme de suas imensas ombreiras– foi em sua função de primeira estrela de um reality show de moda: uma figura pública que usava suas roupas como um marco pessoal para promover não a agenda do Estado, e sim para promover comunicação direta com o mundo externo, mesmo nos momentos em que ela estava simplesmente lá, parada, sorrindo. Ela ostentava suas emoções tanto quanto ostentava as mangas. E porque todos podíamos vê-las, é fácil simpatizar.
Como Joe DiPietro, que escreveu o libreto do musical sobre Diana (que sairá no segundo trimestre de 2021 na Netflix, já que o teatro está parado por causa da pandemia), disse a Elizabeth Holmes em seu presciente novo livro, “HRH: So Many Thoughts on Royal Style”, que relata as histórias de moda e as estratégias das mulheres da família Windsor, da rainha a Kate Middleton e Meghan Markle, “ela foi de fato a primeira grande influenciadora social e manipuladora”.
Isso é parte do que a tornava hipnótica, e é o que a faz parecer tão relevante. E talvez seja o motivo para que cada figurino usado por Melania Trump tenha sido esquadrinhado pelo que pode afirmar sobre seu casamento, e para que a evolução das roupas de Kim Kardashian desde seu casamento com Kanye West venha sendo acompanhada com tanta atenção. Diana preparou o palco, e agora todos vivemos nele.
Ela não trouxe um avanço à arte da vestimenta, mas a manteve girando exatamente onde estava. No entanto, ao fazê-lo, como diz DiPietro, ajudou a tornar possível a arte do Instagram.
Tradução de Paulo Migliacci.
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