Rio Grande do Sul precisa urgentemente de um plano de prevenção de violência sexual
Brasil não tem protocolo para garantir a segurança de mulheres e meninas em desastres
Faz uns dias, as horas eram mais leves e tudo corria como se ninguém soubesse que um desastre monstruoso e sem precedentes estava para acontecer. Nesse tempo, circulava um meme. Se você, mulher, estivesse sozinha em uma floresta, preferiria se deparar com um homem ou com um urso? Os homens não entenderam por que a grande maioria das mulheres não pensou muito antes de escolher o urso.
Ora! Porque, afinal, a chance de um homem nos atacar é muito maior, o urso provavelmente apenas vai se ocupar da sua vida. Porque, afinal, se contarmos que fomos atacadas por um urso, talvez menos gente duvide do que se dissermos que fomos atacadas por um homem.
Nem todo homem?
Pense aí, leitor homem: se sua filha de oito anos acabasse sozinha no meio da floresta, ela estaria mais segura com um urso ou com um homem desconhecido? Pense bem. Sem corporativismo de gênero, pense bem. Quem tem menos chance de fazer mal a sua filha?
O urso na floresta é uma metáfora que pode ser substituída por desastres, de forma geral. Em crises sanitárias como a pandemia de Covid, em uma guerra como a que assola Gaza ou em uma emergência climática como a que atinge o meu estado natal, o Rio Grande do Sul, meninas e mulheres viram alvo de violências de gênero, entre elas a sexual.
O caos, a destruição e os deslocamentos que esses eventos provocam criam ambientes propícios para a violação repetida dos direitos das mulheres. Primeiramente, as redes de atendimento às vítimas de violência são desarticuladas –impossibilitando que vítimas possam fazer denúncias, buscar acolhimento, pedir medidas protetivas ou receber atendimento médico.
A aglomeração de pessoas em abrigos sem condições adequadas de segurança é um fator de risco –um terço dos relatos de violência sexual que aconteceram depois da passagem do furacão Katrina por Nova Orleans aconteceram nesses locais. A falta de energia facilita a ação dos perpetradores e dificultam a defesa das vítimas; o despreparo das equipes de resgate e segurança faz com que elas não recebam cuidados adequados.
Para se ter uma ideia, 230 mil pessoas estão fora de casa no Rio Grande do Sul; 67,4 mil delas estão em abrigos –muitos dos quais em condições precárias. Um problema muito sério é que o Brasil não tem um protocolo para orientar sobre como agir nesses casos. Protocolo pode parecer uma palavra burocrática e chata diante dos relatos de salvamentos heroicos realizados em jet skis, porém salva muitas vidas –e inclusive pode evitar que salvamentos heroicos sejam sequer necessários.
Um corpo sólido de normas para evacuação, abrigo e segurança da população, além de uma comunicação adequada, teriam sido muito úteis para mitigar os impactos dessa tragédia (as chuvas são incontroláveis, a ação do estado não pode ser descontrolada).
E é justamente a criação imediata de um protocolo que representantes do Conselho Estadual de Mulheres do Rio Grande do Sul demandou da ministra das mulheres Cida Gonçalves em reunião na terça-feira (7).
Télia Negrão, ativista e jornalista, participou e me contou que a norma precisa incluir a criação de abrigos exclusivos para meninas, mulheres e crianças; todos os abrigos precisam ter energia elétrica; e é preciso garantir que mulheres vítimas de violência doméstica não fiquem no mesmo local que seus agressores. Para além disso tudo, os canais de denúncia e as redes de atendimento precisam ser rearticuladas imediatamente.
Alguns poderiam dizer que não dá para se preocupar com isso agora, que há coisas mais urgentes. Porque, para quem diz isso, o bem-estar e a segurança das mulheres, meninas e outros gêneros marginalizados jamais é uma prioridade. E nesses dias fica cada vez mais claro porque a gente prefere o urso.
Comentários
Ver todos os comentários